A brasileira Raquel Chanarek Hamia perdeu o marido, duas filhas e um neto em um bombardeio de Israel contra sua casa no Vale do Bekaa, no Líbano, e pediu ao Itamaraty que consiga “um lugar seguro para colocar as pessoas brasileiras que não têm nada a ver com essa guerra”.
Entre domingo (29) e segunda-feira (30), Israel matou mais 136 pessoas com seus mísseis. Cerca de 800 pessoas foram mortas nas últimas semanas, sendo cinco brasileiros.
“Estou muito, muito mal. Todos morreram, meu neto, minhas filhas, meu marido”, contou Raquel ao Fantástico, da Rede Globo.
Seu marido, Duraid, era cidadão brasileiro e morreu junto com as filhas Latifa e Ghazele e o neto Husni. O míssil de Israel atingiu diretamente a casa da família.
“A melhor coisa que a Embaixada ou o Itamaraty [pode] fazer é achar um lugar seguro para colocar as pessoas brasileiras que não têm nada a ver com essa guerra que está acontecendo no Líbano”, disse a brasileira Raquel.
Ela está internada em um hospital em Balbeque, na mesma região em que morava. “Depois do hospital, a gente está na rua. Não tenho nem mais condições como sobreviver”.
A irmã de Raquel, Leila Charanek Hamia, 53, que nasceu em São Paulo, falou que a morte dos sobrinhos “acabou com a minha vida”.
“Não estou acreditando ainda que eles morreram, os meus sobrinhos. Acabou com a minha vida. Desde crianças, convivi com eles, pegava no colo. Agora, foram embora”.
“Muito difícil falar, meu coração não aguenta mais, está muito machucado. Depois desse trauma, só quero ficar ao lado dela [a irmã Raquel]”, continuou.
Leila, que morava na capital Beirute, está morando na rua desde que saiu de sua casa por conta dos ataques israelenses. “Saímos com a roupa do corpo, fugimos dos bombardeios no nosso bairro”, relatou.
O filho de Leila, Ali Hamia, está com ela procurando vaga nos abrigos improvisados, como escolas, mas todos estão cheios.
“Toda vez que pergunto, falam que não tem”. Em um caso, contaram que outras famílias já estão morando no corredor.
Ele contou ter conversado com sua tia, Raquel, pouco antes de Israel assassinar seus entes. “Eu falei que não ia acontecer nada, porque somos brasileiros e não iriam mexer com a gente. Demos muita risada e falei ‘te ligo daqui há pouco’. Não demorou cinco minutos, passou um conhecido e falou ‘bombardearam a casa dela’”.
“A gente compartilhava sonhos, sempre conversava e planejava o que iríamos fazer e, de repente, tudo foi embora”.
Três netos de Raquel conversaram com o fotógrafo brasileiro Gabriel Chaim em um abrigo. Uma das netas falou que “quando os ataques começaram, a gente estava na varanda. A gente viu os mísseis e os caças”.
“Corri e me joguei no colo da minha avó, Raquel. O barulho das explosões era muito alto”, continuou a garota.
Ela perdeu a mãe, filha de Raquel, nas explosões. “Minha mãe se foi e ela era tudo para mim. O que pode sobrar de bonito nessa vida se ela foi embora?”.
Outro neto de Raquel disse que “escutamos um barulho muito alto do míssil caindo. A última coisa que lembro era o barulho do míssil e um monte de pedras me acertando”.
ITAMARATY
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil está estudando formas de realizar a evacuação das famílias que estão no país atacado por Israel, assim como fez com os brasileiros que viviam na Faixa de Gaza.
Por enquanto, a única forma de deixar o país é com recursos próprios. Fernanda Arruda, que nasceu em São Leopoldo (RS), tem dois filhos, de 17 e 13 anos, que moram no Líbano junto com o pai.
Os filhos de Fernanda já conseguiram deixar a casa para buscar abrigo em outro local, mas não encontram passagens para sair do Líbano. “Já não há meios de sair do Líbano por meios comerciais. Só encontro passagens para depois de 10 de outubro. Estou há dias sem dormir”, relatou.
Cláudia Martins, de 41 anos, nascida em Marechal Rondon, no Paraná, mora em Sour, no Líbano, há 16 anos. Segundo ela, “a maioria dos brasileiros quer ir embora, está em risco”.
ELa está junto com seu marido e as três filhas, de 15, 12 e 5 anos. “A gente come o que Deus manda. Deixamos de comer para dar para as crianças”.
CRIANÇA ATINGIDA ENQUANTO BRINCAVA
A libanesa Noor Mossawi, de 6 anos, está internada com uma fratura no crânio por conta de um bombardeio israelense contra sua casa. Seu pai, Abdallah, falou que “ela estava brincando em casa quando o bombardeio começou”.
“Por favor, filme minha filha. Ela não sabe o que são armas. Ela não sabe lutar. Ela estava brincando em casa quando o bombardeio começou. Eles [Israel] queriam aterrorizar as pessoas, para que fujam”, disse à reportagem da BBC.
“Não temos nada a ver com armas. Não estou envolvido com a resistência [Hezbollah]. Mas agora gostaria de estar para poder proteger os meus filhos”, continuou.
A mãe de Noor, Rima, estava em frente à casa da família quando as bombas se aproximavam. Ela estava com Mohammed, irmão gêmeo de Noor.
“Não fomos corajosos o suficiente para entrar, porque achamos que o prédio desabaria sobre nós se fosse atingido. Quando ficou mais intenso, peguei Noor e o irmão, e estava prestes a levá-los para dentro, mas o míssil foi muito mais rápido do que eu”, descreveu.
A menina de 6 anos está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Hospital Rayak.
O diretor-médico Basil Abdallah do hospital contou que a unidade recebeu 400 feridos pelos ataques de Israel, dos quais mais de 100 morreram.
“Ver crianças bombardeadas, ver pacientes idosos e mulheres bombardeadas é difícil. A maioria dos enfermeiros e médicos está deprimida. Temos sentimentos. Somos seres humanos”, destacou o médico.
Os trabalhadores do hospital estão com medo de serem atingidos ao voltar para casa e, por isso, estão passando o dia no local.