
TV alemã adverte sobre “risco de nova Grécia na Itália”. Já em discussão antecipar eleição. Revolta com declaração de ministro alemão: “mercados vão ensinar italianos a votar certo”
Segue imprevisível a crise política na Itália, desencadeada pela incomum recusa do presidente Sérgio Mattarella em aceitar um governo Liga-5 Estrelas com um ministro da Economia que chama o euro de “prisão dos povos”, em meio a ameaças da Moody’s de rebaixar 12 bancos italianos, sobressaltos em Bruxelas e nas bolsas do mundo inteiro, e com uma rede de tevê alemã, a N-TV, advertindo que a União Europeia “se arrisca a uma nova Grécia na Itália”.
Tidos como “eurocéticos” – por em maior ou menor grau questionarem o euro – o Movimento 5 Estrelas e a Liga tiveram, juntos, mais da metade dos votos nas eleições de março, e a Itália está sem governo há quase 90 dias.
A ascensão dos dois partidos, que eram secundários no cenário político italiano, revela o descontentamento popular com o estelionato eleitoral e arrocho de seguidos governos, o último deles do Partido Democrático, que assaltou os direitos trabalhistas com uma ‘reforma’ ridiculamente chamada de “Jobs Act” (em inglês mesmo).
Já há poucas dúvidas de que fracassou rotundamente o FMI-boy Carlo Corttarelli, convocado por Mattarella para montar um governo provisório palatável a Berlim que empurrasse as eleições para o ano que vem. Conforme o líder da Liga, Matteo Salvini, agora é “governo de mudança” ou “eleições no final de julho”.
A reta final do esforço da Liga e do 5 Estrelas, de origens bastante distintas, para chegar a um programa comum e ao nome de Giuseppe Conte para primeiro-ministro, foi acompanhada pela histeria dos especuladores, a mídia antevendo o caos e o disparo do ágio sobre os títulos da dívida italiana, que só é menor do que a da Grécia, 132 bilhões de euros.
Mas foi sobretudo a indicação do nome de Paolo Savona para dirigir a economia que fez entornar o caldo, apesar de já ter sido ministro na década de 1990 e do programa comum da Liga-5 Estrelas não colocar em cheque o euro, apenas exigir que o problema da dívida seja resolvido não pelos cortes no orçamento e arrocho, mas pelo lado do estímulo à produção, investimento e renda. E a revisão do ‘compacto fiscal’ – o arrocho em vigor na zona do euro. Savona, conhecido opositor da dominação germânica, chegou em 2015 a propor um plano B de saída do euro.
Assim, a gritaria sobre Savona serviu foi para alertar que na “prisão de povos” manda quem pode e obedece quem tem juízo. Como disse em entrevista o boquirroto comissário (ministro) de Orçamento da União Européia, o alemão Gunther Oettinger, na versão sintética da Deutsche Welle que correu o velho continente: “os mercados vão ensinar os italianos a votar certo”.
Sucessivos governos dos bancos – em especial dos bancos norte-americanos e alemães – têm esfolado os italianos, retrocedendo direitos, jogando os jovens no desemprego de 30%, e com a banca italiana por um fio há anos, salva sempre no último minuto. As perspectivas não são animadoras: conforme a OCDE, o PIB será de 1,4% este ano, e menor ainda em 2019, 1,1%.
BUROCRATAS
O veto de Mattarella a Savona foi comemorado sem o menor pudor nos bordeis preferidos dos especuladores. “Europa respira com um suspiro de alívio”, asseverou o New York Times. O Liberation condenou “a germanofobia desenfreada” de Savona. “Uma equipe de profissionais, em vez de políticos partidários, deve tirar a Itália da crise”, regozijou-se a Der Spiegel alemã.
O Financial Times registrou que “os bônus italianos se recuperaram depois de uma dolorosa semana e o euro voltou a crescer após o abandono da iniciativa dos populistas de formar um governo”. Mas também viu o perigo à frente: “as novas eleições potenciais, provavelmente em outubro, não seriam vistas como um desenvolvimento positivo para a economia italiana”. O Telegraph inglês foi mais longe: Italexit? “Se isso continuar, a Itália pode deixar a Europa antes da Grã-Bretanha”.
Há outra questão em jogo, que não vem sendo posta sobre a mesa: o governo Liga-5 Estrelas é contra as sanções à Rússia e Washington, dirigindo-se a Roma, advertiu explicitamente que “têm que ser mantidas, porque não são italianas, são européias”. Pelas regras da UE, a aprovação das sanções tem de ser por unanimidade, ou não há sanções.
Num último esforço para evitar a antecipação das eleições para julho, o Movimento 5 Estrelas propôs à Liga uma solução de compromisso com Mattarella e Bruxellas, que seria manter Savona, mas em outro ministério. Salvini ainda não respondeu. Conforme a matéria da N-TV alemã, “se a Itália entrar em colapso, um dos pilares da UE entrará em colapso e todo o edifício europeu pode cambalear”.
ANTONIO PIMENTA