A Justiça do Rio Grande do Sul determinou, na última sexta-feira (7), o afastamento imediato de todos os diretores da Organização Social (OS) Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp), que administrava unidades de saúde da cidade de Canoas, localizada na região metropolitana de Porto Alegre.
No dia anterior (6), uma operação do Ministério Público Estadual (MP) resultou na prisão de três pessoas envolvidas em suposto esquema de fraude no contrato entre a prefeitura e a organização social. O grupo administrava o Hospital Universitário (HU), o Pronto Socorro municipal, duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPES).
A operação ocorreu em meio a uma greve de profissionais de enfermagem, técnicos, farmacêuticos e radiologistas por causa de atraso nos salários pagos pela Organização Social.
As investigações do MP revelam que o esquema criminoso contra o município desviou ao menos R$ 40 milhões dos R$ 406 milhões que já foram repassados para a OS desde 2016.
O contrato com a prefeitura prevê o repasse de R$ 1 bilhão para o Gamp durante o período de cinco anos.
Para o MP, o Gamp, “travestido de entidade assistencial sem fins lucrativos, se trata de uma típica organização criminosa voltada para a prática de inúmeros delitos, em especial peculato e lavagem de dinheiro, entre outras fraudes que esvaziam os cofres públicos”.
Durante a operação foram presos: Cássio Souto Santos, dono do grupo; Michele Aparecida da Câmara Rosin, atual presidente do Gamp e Marcelo Bósio, ex-secretário da Saúde de Canoas.
Foram cumpridos ainda, 70 mandados de busca e apreensão nos municípios gaúchos: Canoas, Porto Alegre, Gravataí e São Francisco de Paula. E nos estados de Santa Catarina, no Balneário Camboriú; São Paulo, na capital, em Cotia, Itatiba, São José dos Campos, Caieiras, Santa Isabel e Santo André; no Rio de Janeiro, capital; e no Pará, nas cidades de Belém e Altamira.
As investigações do MP abarcam os contratos assinados entre o município de Canoas e a OS em 28 de outubro de 2016, para que o grupo assumisse o gerenciamento assistencial, administrativo e financeiro do Hospital de Pronto Socorro de Canoas, Hospital Universitário (HU), duas Unidades de Pronto Atendimento (Caçapava e Rio Branco) e quatro Unidades de Atendimento Psicossocial (Recanto dos Girassóis, Travessia, Amanhecer e Novos Tempos).
Segundo o MP, os contratos firmados com o Gamp previam vigência de 60 meses e contraprestação, por parte do Município, de R$ 16 milhões por mês – sendo reajustados -, hoje estão em cerca de R$ 23 milhões por mês.
“Foram detectados, entre as inúmeras irregularidades, o superfaturamento de medicamentos em até 17.000%, a utilização de laranjas e testas de ferro do chefe do esquema na direção do Gamp, a cooptação de agentes públicos, o desvio de dinheiro da saúde pública para os envolvidos na fraude, além do pagamento de viagens de férias pagas com dinheiro público da saúde de Canoas” disse o MP. O Gamp e outras 15 empresas tiveram decretada a suspensão da contratação com o poder público.
LARANJAS
Para MP, a OS Gamp foi fundada com a intenção de espoliar o erário Público. “…em fevereiro de 2007, ocorreu a assembleia geral de fundação do Gamp como entidade privada com natureza jurídica de ONG. Entre as pessoas que assinaram a ata de fundação está um motorista semialfabetizado, que figurou como diretor-geral. A diretoria executiva tinha como conselheiros uma costureira, uma recepcionista, um mestre de obras, um ajudante geral, uma operadora de telemarketing, um cozinheiro, um estudante universitário (diretor-presidente), um montador, um manobrista e um motoboy, entre outros, residentes em diversos municípios do Brasil, como Cotia, São Paulo, São Caetano do Sul, Unaí (MG), Taguatinga (DF) e Caucaia dos Altos (SP)” denunciou o MP.
Outra questão que chamou a atenção dos promotores responsáveis pelo caso é que apesar do registro formal de várias trocas no comando da ONG, na prática, a entidade sempre foi comandada de fato por Cássio Souto Santos, mas quem aparecia administrado o Gamp era seu sobrinho, como diretor-presidente, por anos – as duas irmãs e uma sobrinha como membros do Conselho de Administração – uma irmã trabalha no setor administrativo – o cunhado é o diretor de compras – e um sobrinho encarregado de órteses e próteses. O responsável pelo setor de Ensino e Pesquisa do Gamp é um cunhado do médico, que sequer concluiu o ensino fundamental.
COOPTAÇÃO
O MP constatou que ação criminosa agia na cooptação de Secretários de Saúde e agentes públicos nos municípios em que a organização social operava. A atual diretora-presidente da Gamp foi secretária de Saúde do município de Amparo, em São Paulo, entre os anos de 2013 e 2016. O superintendente do Gamp, para atuar em Canoas, foi secretário de Saúde de Parauapebas, no Pará. O atual controller nacional do grupo foi secretário de Saúde de Canoas entre 2013 e 2016, quando foram assinados os termos de fomento em investigação. Um secretário adjunto da Saúde de Canoas, exonerado em julho de 2017, foi logo em seguida contratado pelo Grupo como diretor-administrativo do Hospital de Pronto Socorro, ele recebia verbas do Gamp quando ainda estava na Administração, como responsável por fiscalizar os serviços prestados pela instituição.
AFASTAMENTO IMEDIATO
Na tarde de sexta, o juiz da 4ª Vara Civil de Canoas, Marcelo Lesche Tonet, atendeu pedido do MP, afastou os dirigentes da OS e determinandou que a Prefeitura de Canoas assuma imediatamente as unidades de saúde do município administradas pelo Gamp pelo prazo de 180 dias e “com envio mensal de relatório dos atos e atividades desenvolvidos e gastos realizados no exercício da gestão (indicação do responsável direto pela gestão, gastos, empenhos, etc.)”, diz o despacho.
O magistrado também proibiu novas contratações entre a Gamp e a Prefeitura de Canoas, sob pena de responsabilização dos envolvidos. Mesmo após a decisão da Justiça o grupo seguiu operando o serviço neste sábado (8). A prefeitura alega que não foi notificada oficialmente da decisão. Os oficiais de plantão de Canoas não têm mandado para cumprir neste final de semana.
ANTONIO ROSA