
“Há algo radicalmente errado com uma sociedade que tira dos mais pobres para dar aos mais ricos”, condena o cardeal de Washington, Robert McElroy
Por uma escassa diferença de 218 a 214, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou nesta quinta-feira (30) a Lei orçamentária “Grande e Bela” do presidente Trump, que consagra uma das maiores transferências de renda dos mais pobres para os oligarcas e os bancos na história dos EUA, ao tornar permanente o corte de impostos de US$ 3,8 trilhões em dez anos para o círculo privilegiado dos 1% e aumentar em US$ 150 bilhões o orçamento do Pentágono e suas 800 bases, que vai chegar a US$ 1 trilhão, ao mesmo tempo em que são cortados US$ 930 bilhões do Medicaid (a já precária assistência médica pública aos de baixa renda), expulsando 11,8 milhões de pobres do exíguo benefício.
E para não ficar só aí, a ajuda-alimentação (“Food Stamps”, uma espécie de Bolsa Família deles) é podada em US$ 258 bilhões, excluindo outros 11 milhões de pessoas, inclusive 4 milhões de crianças; e o alívio aos estudantes universitários endividados é reduzido em US$ 320 bilhões em dez anos.
A lei – chamada pela oposição de “Robin Hood reversa” – também destina US$ 350 bilhões (em dez anos) para deportar imigrantes e construir prisões e um muro na fronteira com o México. Em dezembro iriam expirar os cortes de impostos para as empresas e os ricaços que Trump aprovara em seu primeiro mandato.
Criado em 1965 para prover os pobres com assistência médica, o Medicaid é a última grande reforma social realizada nos EUA, na tentativa de evitar a radicalização do movimento pelos direitos civis e contra o apartheid. Já o corte nos “Food Stamps” atinge um em cada cinco beneficiários atuais.
O projeto de lei já havia passado pela Câmara no final de maio, mas, como foi alterado pelos senadores, teve de voltar à Câmara. Agora, deverá ser o destaque nas comemorações, pelo governo Trump, do dia da independência.
“Este projeto de lei não apenas piorou desde a última vez que a Câmara o votou, mas também será lembrado como um dos projetos de lei mais catastróficos aprovados na história moderna”, disse a deputada democrata Ilhan Omar.
O cardeal Robert McElroy, arcebispo da capital, Washington, disse à CNN que “Há algo radicalmente errado com uma sociedade que tira dos mais pobres para dar aos mais ricos”, citando os cortes radicais no Medicaid e em outros programas de saúde. Ele também criticou a perseguição de Trump aos imigrantes como “desumana” e “moralmente repugnante”.
A estimativa dos prejuízos aos trabalhadores e à população de renda mais baixa são do Escritório de Orçamento do Congresso e, portanto, o dano pode ainda ser maior. Estudos mostraram que os 0,1% mais ricos terão um aumento médio de renda de 3,9% (US$ 389.000) ao ano, enquanto os 20% mais pobres sofrerão uma redução de renda de 6,8%.
Dois deputados republicanos se somaram à bancada democrata votando “Não”. O líder democrata na Câmara, Hakeem Jeffries, obstruiu a aprovação discursando por quase 9 horas – um recorde -, onde denunciou o esbulho, que disse ser parte da “Agenda 2025” da extrema-direita norte-americana. Ele advertiu que os trumpistas vão pagar o preço na “agenda 2026”, as próximas eleições intermediárias.
Na terça-feira, graças ao voto de desempate do vice-presidente Vance, que no sistema político norte-americano preside o Senado, o monstrengo avançara e acabou passando por 50 a 47.
Foi preciso uma pressão muito grande de parte do próprio Trump para demover alguns parlamentares republicanos que estavam contra a “Big and Beautiful Bill” (“BBB”). No Senado, dois senadores republicanos votaram contra e vários titubearam, temerosos especialmente pelo repuxo, junto às suas bases, dos cortes no Medicaid.
Até mesmo a Fox News registrou que, conforme as pesquisas, os norte-americanos se opõem à lei por 59% a 38%. Um estado de ânimo já perceptível nos protestos “Sem Reis” do mês passado, que juntou milhões nas ruas e praças, e na surpreendente vitória nas eleições primárias democratas para prefeito de Nova Iorque de Zohran Mamdani, o que levou Trump a passar recibo de apavoramento, xingando o candidato da maior cidade norte-americana de “comunista lunático” e até o ameaçando de prisão e deportação..
Além dos cortes nos gastos sociais, Trump assevera que a dívida não irá sair dos trilhos, graças ao seu tarifaço – mas não falta quem duvide.
Opositores advertiram que o pacotaço de Trump irá agravar a crise nos EUA, ao adicionar US$ 3,3 trilhões à dívida nacional, já em mais de US$ 36 trilhões, e ao elevar o limite da dívida em US$ 5 trilhões.
Entre eles, o oligarca Elon Musk, que recheou a campanha presidencial de Trump com US$ 250 milhões e agora anda reclamando muito do corte dos subsídios para os veículos elétricos, que atinge em cheio à Tesla, de que é proprietário.
Musk acusa a “Big e Beautiful” de ser, na verdade, a Lei da “carne de porco” – que é como no jargão político norte-americano se chama aos jabutis embutidos em projetos em causa própria. Enquanto Trump já até fala em “deportá-lo”.