
Como as de Trump, que ameaça assaltar o Canal do Panamá e outras áreas do mar
O presidente Lula afirmou, em evento da ONU, a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, realizado na segunda-feira (9), que o Brasil vai elevar de 26% para 30% a cobertura de áreas marinhas protegidas até 2030. Ele ainda defendeu que o multilateralismo é o que garante o funcionamento dos organismos internacionais.
“Além de zerar o desmatamento até 2030, vamos ampliar de 26% para 30% a cobertura de nossas áreas marinhas protegidas, cumprindo a meta do Marco Global para a Biodiversidade”, declarou sobre um tratado internacional assinado em 2023.
Lula participou da 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), em Nice, na França. No discurso, ressaltou a importância do espaço marítimo do Brasil, que tem 5,7 milhões de quilômetros quadrados, “área comparável à da Amazônia. Por isso, o chamamos de Amazônia Azul”.
Ele disse que o governo brasileiro vai implementar “programas dedicados à preservação dos manguezais e dos recifes de corais e estamos formulando uma estratégia nacional contra a poluição por plásticos no oceano”.
“Estamos estimulando a pesca sustentável e combatendo ilícitos que ameaçam essa importante atividade para a segurança alimentar do nosso povo”, continuou.
Para Lula, hoje “paira sobre o oceano a ameaça do unilateralismo. Não podemos permitir que ocorra com o mar o que aconteceu no comércio internacional, cujas regras foram erodidas a ponto de deixar a OMC [Organização Mundial do Comércio] inoperante”.
O presidente se refere às sobretaxas impostas de forma unilateral pelos Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, contra todos os países do mundo. E também as ameaças dele contra o Canal do Panamá e à Groelândia.
Lula também destacou a tarefa de “evitar que os oceanos se tornem palco de disputas geopolíticas é uma tarefa urgente para a construção da paz. Canais, golfos e estreitos devem nos aproximar e não ser motivo de discórdia”.
Leia o discurso na íntegra:
Hoje eu aprendi uma coisa nova: eu sempre achei que a cidade tinha o nome de Nice porque o descobridor da cidade amava a sua mulher, que se chamava Nice, e tinha colocado o nome da cidade de Nice por amor. Mas foi como resultado de muita luta. Mais uma lição que eu aprendo.
A segunda coisa: eu queria agradecer ao presidente Emmanuel Macron [da França]. Primeiro pela visita de Estado que eu fiz à França. Segundo, pelo convite de participar dessa conferência. E agradecer de coração o carinho, a gentileza dedicada a mim e a minha mulher, por ele e pela sua esposa Brigitte, e à minha delegação.
Quero cumprimentar o presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves Robles. Quero cumprimentar o nosso querido António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, e quero cumprimentar o Philemon Yang, presidente da Assembleia-Geral.
Meus amigos, minhas amigas, chefes de Estado e de Governo, componentes da mesa.
O ciclo da água e o ciclo da vida são um só, dizia o oceanógrafo francês Jacques Cousteau.
É impossível falar de desenvolvimento sustentável sem incluir o oceano.
Sem protegê-lo, não há como combater a mudança do clima.
Três bilhões de pessoas dependem diretamente de recursos marinhos para sua sobrevivência.
O oceano é o maior regulador climático do planeta, em função de toda a cadeia de vida que ele abriga.
A adoção, há mais de quatro décadas, da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, consagrou, pela primeira vez, o conceito de “patrimônio comum da humanidade”.
A criação desse regime internacional para governar o espaço marítimo representou uma das maiores conquistas da história da diplomacia.
Apostando no multilateralismo, fomos capazes de dirimir diferenças que pareciam insuperáveis.
Hoje, porém, paira sobre o oceano a ameaça do unilateralismo.
Não podemos permitir que ocorra com o mar o que aconteceu no comércio internacional, cujas regras foram erodidas a ponto de deixar a OMC inoperante.
Evitar que os oceanos se tornem palco de disputas geopolíticas é uma tarefa urgente para a construção da paz.
Canais, golfos e estreitos devem nos aproximar e não ser motivo de discórdia.
Coibir uma corrida predatória por minérios requer apoio à firme atuação da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, dirigida hoje pela cientista brasileira Letícia de Carvalho, a quem quero transmitir um abraço.
Interesses escusos impedem a criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul.
O Brasil está comprometido a ratificar o Tratado do Alto Mar ainda este ano, para assegurar a gestão transparente e compartilhada da biodiversidade além das fronteiras nacionais.
Senhoras e senhores,
Temos orgulho de ser uma nação oceânica.
O espaço marítimo brasileiro ocupa 5,7 milhões de quilômetros quadrados, área comparável à da Amazônia.
Por isso, o chamamos de Amazônia Azul.
A analogia entre a floresta e o mar não se limita à riqueza natural que ambos abrigam, nem ao patrimônio cultural dos povos que dependem e cuidam desses biomas.
As duas Amazônias sofrem o impacto da mudança do clima.
As florestas tropicais estão sendo empurradas para seu ponto de não retorno. O oceano está febril.
Em apenas um ano, a temperatura média do mar elevou-se quase o mesmo que nas quatro décadas anteriores.
A ciência comprova que a causa dessa enfermidade é o aquecimento global e o uso de combustíveis fósseis.
Nos últimos dez anos, o mundo produziu mais plásticos do que no século anterior.
Seus resíduos representam 80% de toda a poluição marinha.
Salvar esse bioma requer empenho renovado na implementação do ODS 14 e do Acordo de Paris.
O Brasil dará ênfase à conservação e ao uso sustentável do oceano na COP-30, assim como fizemos em nossa Contribuição Nacionalmente Determinada.
Abordaremos o tema em outros foros, como a Cúpula Brasil-Caribe, daqui a alguns dias, e a Nona Reunião da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, que sediaremos em 2026.
Aqui em Nice, apresentamos sete compromissos voluntários, relacionados à proteção de áreas marinhas, ao planejamento espacial marítimo, à pesca sustentável, à ciência e à educação.
Além de zerar o desmatamento até 2030, vamos ampliar de 26% para 30% a cobertura de nossas áreas marinhas protegidas, cumprindo a meta do Marco Global para a Biodiversidade.
Também implementaremos programas dedicados à preservação dos manguezais e dos recifes de corais e estamos formulando uma estratégia nacional contra a poluição por plásticos no oceano.
Nosso esforço inédito de planejamento espacial marinho vai permitir o aproveitamento equilibrado do oceano, levando em conta os impactos ambientais e os serviços ecossistêmicos prestados.
Estamos estimulando a pesca sustentável e combatendo ilícitos que ameaçam essa importante atividade para a segurança alimentar do nosso povo.
Vamos fortalecer a coleta de dados científicos por meio de um Sistema Integrado de Monitoramento e seguir investindo em pesquisa por meio da Estação Comandante Ferraz na Antártida.
Com apoio da UNESCO, o Brasil foi o primeiro país a incluir a cultura oceânica nos programas escolares e continuará qualificando professores para o ensino do Currículo Azul.
Em 2025, teremos o maior número de Escolas Azuis no mundo, reunindo 515 estabelecimentos de ensino, 160 mil estudantes e 2.600 professores.
Há dez anos, Paris se tornou um marco para a governança climática. Hoje, Nice passa a integrar o caminho até Belém.
Com a ONU, o Brasil vai lançar um “Balanço Ético Global”, para mobilizar pensadores, artistas, intelectuais e religiosos, juventudes, mulheres, povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes, rumo à COP30.
Precisamos formar uma grande onda para construir um futuro mais justo e sustentável.
Meus amigos e minhas amigas,
eu quero terminar, primeiro, dizendo ao nosso secretário-geral, o nosso amigo Guterres, que é muito importante que na COP 30 nós tomemos três decisões importantes.
Primeiro, a decisão de convencer os chefes de Estado desse mundo de que a questão climática não é invenção de cientistas nem é brincadeira de gente da ONU. A questão climática é uma necessidade vital de preservação do nosso ambiente e que a gente vai ter de tomar uma decisão.
Primeiro, se acredita ou não. Se acredita, nós vamos ter de decidir que não existe outro espaço para a gente viver, é no Planeta Terra.
Segundo: que a questão climática pode dizimar a humanidade. É preciso saber se acredita.
Terceiro: nós temos que dizer aos chefes de Estado que precisamos começar a investir na educação no Ensino Fundamental na questão do clima, porque depois dos 18 anos nós temos que fazer placas dizendo que é proibido fazer isso, é proibido fazer aquilo, para jovens rebeldes que não querem obedecer.
Fica mais barato, muito mais fácil, a gente começar a apostar que a questão do planeta será cuidada quando a gente mudar o nosso currículo escolar e colocar a questão climática para que as crianças aprendam da creche até a universidade que elas precisam cuidar do ambiente em que eles vivem.
Muito obrigado e quero terminar convidando a todos vocês para em novembro estarem no Brasil, na Amazônia.
Quem quer conhecer a Amazônia, quem defende tanto a Amazônia precisa ir na Amazônia para ver a nossa COP30. Para as pessoas saberem que embaixo de cada copa de árvore que a gente quer preservar tem uma criança, tem um indígena, tem um pescador, tem um seringueiro, tem um extrativista, tem um ser humano.
E por isso os países ricos precisam pagar a sua dívida com o contencioso de emissão de gases de efeito estufa.
Um abraço e até o Brasil, se Deus quiser.