
Em artigo no jornal The New York Times, dos EUA, o presidente rebateu as alegações que Trump usou para impor o tarifaço contra o Brasil.
O presidente Lula disse ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que o Brasil está “aberto para negociar”, mas “a democracia e a soberania” brasileiras “não estão na mesa”.
Lula publicou, no domingo (14), um artigo no jornal The New York Times rebatendo os argumentos que Trump usou para justificar o tarifaço contra o Brasil.
“Presidente Trump, nós continuamos abertos para negociar qualquer coisa que traga benefícios mútuos. Mas a democracia e soberania do Brasil não estão na mesa”, sublinhou Lula.
Lula apontou que o governo dos EUA está “usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas”.
O presidente brasileiro falou que está “orgulhoso” da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que é independente do governo, de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus comparsas que tentaram dar um golpe de Estado.
Segundo Lula, a decisão é uma “salvaguarda para a democracia” e o processo “não foi ‘caça às bruxas’”, como alega Trump.
“O julgamento foi resultado de um processo conduzido de acordo com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar”.
A condenação ocorreu após “meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um juiz do STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022”, explicou.
De acordo com Donald Trump, empresas americanas e a liberdade de expressão estão sendo perseguidas no Brasil no debate sobre a regulamentação das redes sociais.
Lula disse que “essas alegações são falsas”. “Todas as plataformas digitais, sejam nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio”, rebateu.
“A internet não pode ser uma terra sem lei, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes”, afirmou o presidente.
Donald Trump virou “as costas para uma relação de mais de 200 anos. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalhar juntos em áreas onde tenham objetivos comuns”.
EUA TÊM SUPERÁVIT COM O BRASIL
Na carta em que anunciou as taxas, Donald Trump disse que os EUA são prejudicados pela relação comercial que mantém com o Brasil.
Lula mostrou que os EUA tiveram, nos últimos 15 anos, um superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o Brasil. Além disso, cerca de 75% dos produtos americanos entram no Brasil sem taxas.
“Trazer de volta empregos e reindustrialização são motivações legítimas. Mas recorrer a uma ação unilateral contra estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico”, escreveu Lula.
Donald Trump também criticou o PIX, dizendo que a ferramenta de pagamentos instantâneos representa uma concorrência desleal contra as empresas norte-americanas. Lula disse que essa afirmação é “igualmente infundada”.
“O PIX possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita transações e estimula a economia”, explicou.
Leia o artigo na íntegra:
“Lula: Democracia e soberania brasileiras não são negociáveis
14 de Setembro de 2025, 9:00
Por Luiz Inácio Lula da Silva
Lula é o presidente do Brasil.
Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em consideração todos os interesses em jogo. É por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros.
Trazer de volta os empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando no passado os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais contra estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas ilógico. Os Estados Unidos não estão incorrendo em déficit comercial com nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas. Nos últimos 15 anos, acumulou um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram com isenção de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa efetiva média sobre os produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens enfrentam tarifas zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de lógica econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que estavam trabalhando para abrir canais de negociação. O governo dos EUA está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal por sua decisão histórica na quinta-feira, que resguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. Esta não foi uma “caça às bruxas”. O julgamento foi resultado de um processo realizado de acordo com a Constituição de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Seguiram-se meses de investigações que descobriram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um juiz da Suprema Corte. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.
Além disso, o governo Trump acusou o sistema de justiça brasileiro de atacar e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, sejam nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar de censura regulatória, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade onde pedófilos e abusadores têm rédea solta para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo de práticas desleais do Brasil no comércio digital e serviços de pagamento eletrônico e sua suposta falha em fazer cumprir as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital do Brasil, conhecido como PIX, permitiu a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilite as transações e estimule a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos pela metade a taxa de desmatamento na Amazônia. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os padrões de chuva em todo o hemisfério, incluindo o meio-oeste americano.
Quando os Estados Unidos dão as costas a uma relação de mais de 200 anos, como a que mantém com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que devam impedir dois governos de trabalharem juntos em áreas onde têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão sobre a mesa. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2017, você disse que “nações soberanas fortes permitem que diversos países com diferentes valores, diferentes culturas e diferentes sonhos não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre Brasil e Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos”.