
“Bom fim de dia, Macron, o povo está na rua”, dizia uma irônica faixa conduzida na manifestação. Marcha condenou a desigualdade: “para os servidores, miojo; aos acionistas, barras de ouro”
Em repúdio ao ataque de Macron aos servidores públicos, dezenas de milhares de trabalhadores se manifestaram em Paris e mais 140 cidades contra a demissão anunciada de 120 mil, o arrocho salarial e o assalto às estatais, especialmente as ferrovias. “Bom fim de dia, Macron, o povo está na rua”, dizia uma irônica faixa conduzida na manifestação.
Foi o primeiro protesto que reuniu todas as nove centrais sindicais francesas, depois de quase dez anos. A mobilização contou ainda com os estudantes universitários e do ensino secundário, também em luta contra a “reforma do ensino” de Macron. Não faltaram os aposentados, próximo alvo já declarado do banqueiro sentado no Palácio Eliseu. Além dos 50 mil em Paris – mesmo com forte temporal – e 45 mil em Marselha, multidões também marcharam em Toulouse, Nantes, Grenoble, Saint-Etienne, Caen, Rennes e Montpellier.
“Estamos nos manifestando em defesa do serviço público que está aqui para servir a todos, onde quer que seja, no país em que vivemos”, afirmou Phillipe Martinez, presidente da principal central, a CGT. Além dos atos, houve paralisações nas ferrovias e aeroportos, repartições e escolas e até a produção de eletricidade foi reduzida. Grande participação, ainda, de professores, trabalhadores dos correios e do pessoal da saúde. Não faltaram sequer os caminhoneiros em várias partes da França.
Para o líder da Force Ouvrière (FO), Pascal Pavageau, o elo comum que une todas as centrais é “a oposição à ruptura dos quadros coletivos que o governo almeja”. Já o chefe da CFDT – que nos últimos anos andava na rabeira do então governo Hollande – Laurent Berger, “é inaceitável a estigmatização dos servidores públicos” – a quem Macron chama de ‘privilegiados’. Ele lembrou, ainda, que a reposição salarial no serviço público “está congelada há anos”.

Em Marselha, cerca de 45 mil participaram da manifestação contra o neoliberal Macron
A manifestação desta segunda-feira também serviu de “esquenta” para a “maré popular contra Macron”, que será realizada no sábado por toda a França, por convocação dos partidos de oposição, das centrais sindicais e demais organizações populares, em uma espécie de continuação da “Festa para Macron”, que lotou as ruas no aniversário do primeiro ano de seu mandato.
No protesto de Paris, o clima satírico da “Festa” se repetiu, com servidores públicos – a próxima ‘espécie em extinção’ – fantasiados como panda, tigre e zebra. Uma referência à disposição de Macron de dizimar os servidores públicos e “enxugar o Estado”, entre outras baboseiras neoliberais com que procura afagar Merkel e Trump – além da Medef (a ‘Fiesp’ deles).
Em Brent, manifestantes denunciaram: “para os servidores, miojo; para os acionistas, barras de ouro”. Era uma referência ao anúncio de que, na Europa, a França é recordista em distribuição de dividendos aos acionistas – 46,8 bilhões de euros só este ano e 407 bilhões em dez anos, enquanto o governo não para de dizer que não há dinheiro para nada, não há dinheiro para os programas e serviços públicos (mas corta imposto de rico).
Na terça-feira à noite, começou nova etapa da greve em defesa da estatal das ferrovias SNCF, ameaçada de privatização, e do estatuto de trabalho dos ferroviários, estabelecido sob o governo De Gaulle em 1946, que Macron busca quebrar a todo custo, sob alegação de que é a União Europeia que mandou. Estão parados dois de cada cinco trens de alta velocidade e três em cada cinco suburbanos. Em outras áreas, um de cada dois. A greve será interrompida na sexta-feira pela manhã, para ser retomada na próxima semana. A votação final da nefasta lei de Macron está prevista para 5 de junho.
Cada vez que Macron ou um de seus ministros abre a boca, fornece uma motivação para mais protestos. O ministro da Economia, Bruno Le Maire – que no confronto com as sanções dos EUA no caso do Irã até tem uma posição respeitável -, quando se trata de advogar o neoliberalismo dentro de casa, não perde uma oportunidade. Defendeu a privatização dos lucrativos aeroportos da França – pondo os controladores de vôo e os aeroviários em pé de guerra – e prometeu que, assim que for possível arrochar e reduzir o déficit, o que supostamente ‘criará empregos’, então estará na hora de reduzir e dificultar o seguro-desemprego. (Depois reclamam de um boneco com a cara do Macron, e uma marca de bala na testa, sendo queimado em praça pública).
Como diz o bordão, está difícil para todo mundo. O primeiro-secretário do Partido Socialista, Olivier Faure, resolveu dar uma força à manifestação, mas foi, conforme um relato um tanto condescendente, “alvo de slogans hostis”, e saiu corrido dali, sob proteção dos “assessores”. “Abaixo os ‘socialos” foi a coisa mais gentil ouvida por Faure, cujo partido impôs a famigerada Lei El Khomry rasgando o código de trabalho francês, e que Macron tenta piorar.
A CGT exigiu, ainda, que o direito à manifestação volte a ser respeitado em Paris, onde está virando costume a polícia dissolver manifestações no final a bastonadas e gás lacrimogêneo sob alegação de que há desordeiros de preto infiltrados. Agora, convoca a CGT, é todos às ruas e praças no dia 26 para uma “maré popular por igualdade, justiça social e solidariedade”. Deve ser por isso que Macron está se negando a ir a qualquer comemoração dos 50 anos do Maio de 1968.
ANTONIO PIMENTA