Um e-mail enviado por um ex-executivo da mineradora inglesa BHP ao conselho de administração da Samarco está sendo utilizado pela defesa dos atingidos pela tragédia de Mariana (MG) como prova de que a empresa sabia dos riscos de rompimento da barragem.
O e-mail foi enviado por Marcus Randolph, ex-chefe de divisão da BHP, um dia depois do rompimento da barragem. Nele, o executivo afirma que após uma visita anterior ao local, já tinha feito extensos comentários sobre os riscos. Ele também diz que tinha enviado cartas à diretoria solicitando revisões na barragem.
A mensagem foi tornada pública nesta semana, em uma audiência no Tribunal de Tecnologia e Construção em Londres, na Inglaterra.
Os destinatários do email eram outros dois executivos da mineradora anglo-australiana: o diretor executivo Andrew Mackenzie e o diretor de minério de ferro Jimmy Wilson.
“Fico muito triste ao ler sobre o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco. Há cerca de 3 a 4 anos, a pedido da BHP, o conselho da Samarco fez um relatório independente sobre a segurança da barragem. Seus resultados foram apresentados no conselho da Samarco”, inicia o e-mail.
O conselho de administração da Samarco mencionado é composto por representantes da BHP Billiton e da Vale. Ele tem caráter deliberativo e é responsável por tomar decisões estratégicas para os negócios. Randolph, que era diretor de ferrosos e carvão da BHP entre 2007 e 2013, foi um dos integrantes indicados pela mineradora anglo-australiana. Quando ocorreu a tragédia, no entanto, ele já não atuava mais no conselho.
Randolph destaca no e-mail sua atuação e se coloca à disposição para colaborar. “Nós nos empenhamos muito na segurança da barragem. Depois de uma visita ao local, enviei uma nota à Samarco que continha comentários extensos sobre o risco da barragem. Se eu puder ajudar de alguma forma, entre em contato comigo. Enviei várias cartas à diretoria solicitando revisões da barragem e me lembro muito bem dos acontecimentos. Acredito que também havia alguns documentos no registro de riscos da BHP e nossos nossos comitês tiveram discussões sobre o risco”, acrescenta o texto.
No processo que tramita no Reino Unido, cerca de 700 mil atingidos são representados pelo escritório Pogust Goodhead e cobram indenização por danos morais e materiais. São listadas perdas de propriedades e de renda, aumento de despesas, impactos psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento e falta de acesso à água e energia elétrica, entre outros prejuízos.
No caso de indígenas e quilombolas que também figuram na ação, são mencionados os efeitos para as práticas culturais e os impactos decorrentes da relação com o meio ambiente.
Há ainda reivindicações de 46 municípios, além de empresas e instituições religiosas. As audiências que avaliarão as responsabilidades pela tragédia estão marcadas para outubro deste ano.
O e-mail chegou ao processo através de um instrumento previsto no direito processual inglês, pelo qual o escritório Pogust Goodhead foi autorizado a acessar alguns documentos internos da BHP Billiton. Em meio a eles, encontrou a correspondência de Randolph. Os advogados dos atingidos sustentam que o achado reforça o entendimento de que a BHP Billiton foi alertada dos riscos de colapso da barragem e afasta alegações de que a mineradora não se envolvia na operação diária da mina da Samarco. Eles pleiteiam agora acesso aos documentos citados no e-mail.
A barragem se rompeu em novembro de 2015, deixando 19 mortos e soterrando o distrito de Bento Rodrigues. A lama de rejeitos também contaminou o Rio Doce, causando impacto ambiental em centenas de cidades.
As famílias atingidas cobram indenizações no valor de US$ 44 bilhões na corte inglesa contra a empresa BHP Billiton, que compõe o conselho de administração da Samarco. A empresa brasileira Vale também é ré no processo do Reino Unido pela mesma razão. O julgamento está previsto para ocorrer em outubro deste ano.
Além do processo que corre no Reino Unido, aqui no Brasil, a Justiça Federal condenou a Vale, a Samarco e a BHP a pagarem mais de R$ 47 bilhões em danos coletivos em janeiro deste ano. As empresas recorreram da decisão.
REPARAÇÃO
No Brasil, o processo reparatório gira em torno do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado entre as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Com base nele, foi criada a Fundação Renova. Ela assumiu a gestão de mais de 40 programas, cabendo às mineradoras o custeio de todas as medidas.
Porém, passados mais de oito anos, a atuação da entidade é alvo de diversos questionamentos judiciais por parte dos atingidos, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Ministério Público Federal (MPF).
Há discussões envolvendo desde a demora para a conclusão das obras de reconstrução dos distritos arrasados na tragédia até os valores indenizatórios. Uma tentativa de repactuação do processo reparatório, capaz de apontar solução para mais de 85 mil processos sobre a tragédia, está em andamento desde 2022. Até o momento, não houve sucesso.