Proposta recebeu críticas nos meios jurídicos e políticos. “A Constituição da República não privilegia o sigilo”, afirmou o ex-ministro Celso de Mello
A declaração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no programa “Conversa com o Presidente”, desta terça-feira (5), defendendo o voto sigiloso dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), foi mal recebida nos meios jurídicos e políticos.
A avaliação de vários ministros do STF é que declaração do presidente não encontra qualquer ressonância no tribunal e ficará circunscrita a ele próprio.
O presidente argumentou que isso seria uma forma de evitar “animosidade” contra as instituições. “Eu, aliás, se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber”, afirmou.
O comentário de Lula foi feito no contexto de críticas ao ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente e recém-indicado por ele ao STF. Zanin virou alvo de questionamentos em seu primeiro mês no tribunal, após votos considerados como conservadores em pautas de costumes e permissivos em ações sobre direitos humanos.
Os ministros da Corte disseram que o único debate que existe no STF hoje é sobre celeridade, que deve ganhar corpo na gestão do ministro Luís Roberto Barroso na presidência. Mas a transparência não se discute. Eles acharam a ideia de Lula deslocada do contexto da Corte e da realidade da transparência, prevista na Constituição.
O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a proposta. Para ele, as sessões e votos no STF devem ser públicos, como já ocorre, com transmissões ao vivo dos julgamentos pela TV Justiça e documentos disponíveis para consulta no portal institucional do tribunal. “A Constituição da República não privilegia o sigilo”, afirma.
“Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais”, acrescenta o ministro, que declarou voto em Lula na última eleição.
Ao chegar à Câmara, nesta terça-feira (5), o deputado Arthur Lira foi questionado sobre o tema. O presidente da Casa começou dizendo que era difícil opinar sem antes ter conversado sobre o assunto com Lula. “Difícil você avaliar a posição de outras pessoas sem você ter conversado com elas sobre. Sim, o que estamos vendo é um posicionamento firme de muitos juristas, inclusive de ex-ministros, muito contra [a ideia do presidente]. Você já tem uma Suprema Corte com muita visibilidade e agora você vai ter muita visibilidade sem saber como estão votando?”, afirmou Lira.
“O princípio da transparência que é tão exigido no televisionamento das decisões vai ficar ofuscado, mas longe de mim saber quais são os motivos que foram tratados para dar uma declaração como essa”, completou o presidente da Câmara.
O dirigente nacional do PT, Walter Pomar, também criticou a ideia. “O conselho é um absurdo, entre outras coisas, porque o sigilo, o segredo, a ocultação, contribuiriam para ampliar a judicialização da política e a partidarização do judiciário, em benefício daqueles que têm os meios de fazer embargos auriculares e conhecem desde criancinhas os caminhos do poder”, afirmou o petista.
Segundo Raphael Neves, professor de direito constitucional da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o regimento interno do STF prevê a fundamentação publicizada dos votos. “Teria que haver uma alteração do próprio regimento interno da corte”, afirma.
Ana Beatriz Presgrave, especialista em direito constitucional e professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), aponta que o voto sigiloso não é possível nos moldes atuais do STF. Segundo ela, embora seja possível discutir se o modelo de deliberação deve ser público no Brasil, o molde de votação individual dos ministros não permite o sigilo dos votos.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu que o modelo de voto sigiloso “não representaria em tese uma falta de transparência, apenas prioriza a decisão do colegiado sobre as decisões individuais”. Ele deu como exemplo desse modelo o funcionamento da Suprema Corte dos EUA.
“É um modelo possível. Eu não tenho elementos a essa altura para dizer que um modelo é melhor do que o outro. Apenas acentuar que em ambos há transparência, em um se valoriza mais a posição transparente do colegiado, no outro se privilegia a ideia de cada um votando separadamente”, disse o ministro. E acrescentou: “Volto a dizer, não é um debate para agora, para este governo, para este congresso, mas em algum momento eu acho que é um debate importante para a nossa nação”.