
Proposta garantiria uma trégua no Mar Negro para possibilitar as exportações de grãos ucranianos e de grãos e fertilizantes russos. ‘EUA ouviram sinal de Moscou’, avaliou o chanceler russo, sobre as negociações em Riad
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, comentou em uma entrevista à TV Pervy Kanal as negociações entre as delegações russa e norte-americana em Riad, na Arábia Saudita, na segunda-feira, que duraram mais de 12 horas e tiveram como tema principal as questões de segurança marítima no Mar Negro.
De acordo com o chanceler russo, Moscou é a favor da retomada da Iniciativa do Mar Negro em uma forma “mais aceitável para todos”, mas para isso a Rússia precisa de “garantias claras” que só podem vir de uma ordem de Washington ao líder do regime de Kiev, Vladimir Zelensky.
O acordo anterior, sobre a exportação de produtos agrícolas ucranianos e russos, foi assinado em Istambul em julho de 2022 para retomar os embarques de grãos que haviam sido bloqueados devido ao conflito. Um ano depois, a Rússia não renovou o acordo, já que apenas as exportações ucranianas de grãos haviam sido efetivadas, enquanto as cláusulas relativas à garantia das exportações de grãos e fertilizantes russos não saíram do papel.
“Os EUA ouviram o sinal da Federação Russa sobre as garantias; [Washington] entende que somente elas podem alcançar um resultado positivo na cessação dos ataques terroristas e dos ataques em Kiev”, disse Lavrov. Ele reiterou que a delegação russa em Riad lembrou aos EUA que o fracasso anterior da Iniciativa do Mar Negro foi devido à “intercessão da Ucrânia”.
Levando em conta tal histórico, “queríamos que não houvesse ambiguidade desta vez”, enfatizou o ministro das Relações Exteriores da Rússia.
Lavrov disse que Moscou apoia a renovação da Iniciativa do Mar Negro e se preocupa com “a segurança alimentar em países africanos e outros países do Sul e do Leste”.
Ele também lembrou dos esforços do presidente turco, Tayyip Erdogan, por diversas vezes, para renovar a iniciativa, o que foi impedido pelas “mudanças de ideia” de Zelensky no último momento. Quando a Rússia concordou “com todas as exigências”, de acordo com Lavrov, “Erdogan ligou para Putin e disse que Zelensky havia mudado de ideia”.
Lavrov observou, ainda, que diferentemente dos EUA sob a nova administração, a Europa insiste no caminho de visar infligir uma derrota estratégica à Rússia. Ele mencionou a “coalizão dos dispostos” e a anunciada intenção de enviar ‘tropas de paz’ na Ucrânia após um cessar-fogo, e acrescentou que os atuais líderes europeus “provam sua total incompetência política todos os dias”.
Em Riad, o chefe da delegação russa, senador Grigory Karasin, disse à agência de notícias TASS que “tudo foi discutido, foi um diálogo rico e difícil, mas muito útil para nós e para os americanos. Muitas questões foram discutidas. Claro, nem tudo foi decidido, nem tudo foi acordado, mas o fato de tal conversa ter ocorrido, me parece, é muito oportuno, dada a chegada de uma nova administração e novos políticos que vieram para a reunião de grupos de especialistas”.
Por sua vez o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se referiu a comentários do presidente Trump em suas redes sociais sobre a reunião de Riad, de que as partes já teriam concordado com “contornos de um acordo futuro”. Para Peskov, aparentemente está se falando “sobre o desejo e a prontidão dos países de seguir o caminho de um acordo pacífico. Realmente há um entendimento comum aqui.” “Em geral, é claro, ainda há muitos aspectos que precisam ser resolvidos”, acrescentou.
MARATONA EM RIAD
Como registrou a RT, ninguém esperava que as chamadas consultas técnicas se transformassem em uma maratona de negociações a portas fechadas de mais de 12 horas que iria muito além da agenda oficial, com três paradas, no Hotel Ritz-Carlton de Riad.
Ao lado de Karasin, a delegação da Rússia incluiu Sergey Beseda, assessor do diretor do Serviço Federal de Segurança. Pelos EUA, o diretor de planejamento de políticas do Departamento de Estado, Michael Anton, o diretor sênior para a Europa no Conselho de Segurança Nacional, Andrew Peak, bem como assistentes do enviado especial para a Ucrânia, Keith Kellogg, e do conselheiro de Segurança Nacional, Mike Walz.
Iniciada pela manhã, após o almoço as equipes de negociação trabalharam “criativamente” por mais uma hora e meia e depois fizeram um segundo intervalo, já tendo completado uma maratona de negociação de quase sete horas. Foi feita uma terceira pausa após as 18:00, horário local, e continuaram trabalhando.
A declaração conjunta sobre os resultados das negociações entre a Rússia e os EUA – cuja divulgação chegou a ser anunciada para esta terça-feira – não foi adotada devido à posição da Ucrânia, disse o senador Vladimir Chizhov, primeiro vice-presidente do Comitê de Defesa e Segurança do Conselho da Federação Russa, em uma entrevista à Rossiya 24.
No domingo, delegações dos EUA e do regime de Kiev se reuniram. A delegação ucraniana incluiu o ministro da Defesa Rustem Umerov, o vice-chefe do gabinete de Zelensky Pavlo Palisa e o ex-chefe do Estado-Maior, Anatoliy Bargilevich.
Segundo o The New York Times, a delegação ucraniana permaneceu em Riad na segunda-feira para possíveis consultas adicionais com o lado norte-americano após suas negociações com os russos.
Ao jornal russo Komsomolskaya Pravda, o respeitado cientista político Marat Bashirov avaliou que “a Iniciativa de Grãos do Mar Negro significa o fim das ações militares no espaço marítimo. E, portanto, das tentativas de atacar a Ponte da Crimeia. E proíbe o uso de drones no espaço aéreo do Mar Negro”. Ele registrou que “todos esses ataques foram realizados pela Ucrânia com o apoio de inteligência das forças da Otan. Ou seja, a Otan limitará sua assistência – e isso é um golpe para as capacidades de Kiev. Isso liberará nosso trabalho nos portos dos mares Azov e Negro e enfraquecerá a ameaça de ataques à Crimeia e à costa de Krasnodar. E a Turquia voltará a ser um centro de comercialização de grãos.”
VIOLAÇÕES DE ZELENSKY
As descrições sobre o caráter “produtivo” das discussões em Riad indicam que as repetidas violações do regime de Kiev ao acordo verbal do segundo telefonema Trump-Putin de uma trégua de 30 dias nos ataques à infraestrutura energética devem ter sido debatidas.
Várias horas após a Rússia concordar com a trégua energética sugerida por Trump, em 19 de março três drones ucranianos atacaram uma instalação em Kuban do Consórcio do Oleoduto do Cáspio, americano-cazaque.
Na manhã de 22 de março, Kiev realizou dois ataques com drones ao posto de distribuição de gás Valuyka, na região de Belgorod. Na noite de 23 de março, forças de defesa aérea russa repeliram um ataque de quatro drones de Kiev a um campo de condensado de gás na Crimeia.
Na noite de 24 de março – mesmo dia das negociações em Riad -, os ucranianos atacaram novamente a estação de bombeamento de petróleo de Kropotkinskaya, na região de Krasnodar.
O Consórcio do Oleoduto do Cáspio declarou oficialmente que, após este ataque, o fornecimento de petróleo americano-cazaque através da estação não será retomado tão cedo.
Sobre tais ataques, o Ministério da Defesa russo afirmou que “ao contrário das declarações de Zelensky, incluindo aquelas transmitidas ao lado americano, o regime de Kiev continua os ataques usando UAVs de ataque e sistemas HIMARS na infraestrutura de energia. Lembremos que a Ucrânia não pode direcionar ataques de mísseis americanos sem assistência externa”.
“ELIMINAR AS CAUSAS PROFUNDAS DA CRISE”
Putin, no segundo telefonema com Trump desde a posse do presidente norte-americano, disse a este que, para uma paz duradoura era preciso “eliminar causas profundas da crise” na Ucrânia.
No ano passado, Putin havia precisado que, para uma solução pacífica da guerra por procuração da Otan contra a Rússia para anexar a Ucrânia, era imprescindível respeitar os legítimos interesses de segurança russos e os direitos dos russos étnicos na Ucrânia.
A saber: restauração do status neutro da Ucrânia, sem bases estrangeiras e sem armas nucleares; nada de Otan. Restauração dos direitos [língua e religião] dos russos étnicos, que passaram a ser perseguidos desde o golpe da CIA em Kiev em 2014. Desmilitarização e desnazificação da Ucrânia.
Reconhecimento da reunificação do Donbass, Crimeia, Kherson e Zaporizhia com a pátria-mãe russa. Restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa, com o retorno da Otan às linhas de 1997 e respeito ao compromisso de “nem 1 cm” de expansão a leste de quando da reunificação alemã.
Em abril de 2022, em Istambul, os principais pontos chegaram a ser acordados entre Kiev e Moscou , mas Zelensky rasgou o acordo, após ordem de Biden de continuar a guerra. A Rússia também reiterou que não aceitaria um “Minsk III”, uma referência a acordos deliberadamente sabotados para rearmar a Ucrânia.
A bem dizer, as raízes da atual crise remontam à decisão em 1999 do então presidente Bill Clinton de violar os acordos com a União Soviética e, depois, Rússia, anexando à Otan em 12 de março a Polônia, Hungria e República Checa. 12 dias antes de bombardear a Iugoslávia para esquartejá-la e passar por cima da Carta da ONU.
Até a corda estourar com o fim, aliás pelo próprio Trump, do Tratado de Proibição de Mísseis Intermediários (INF), que evitou a guerra nuclear na Europa por três décadas, assinado por Gorbachev e Reagan, em 2019, tornando inadiável a restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa e a extirpação do tumor maligno nazista e russófobo instaurado pelo golpe da CIA em Kiev em 2014.
Em dezembro de 2021, Biden apostou na guerra, ao descartar os acordos propostos pela Rússia a Washington, de restauração da segurança coletiva na Europa e fim da expansão da Otan. Em seguida, decretou as mais drásticas sanções já impostas a um país, destinadas a destruir economicamente a Rússia e derrubar Putin.
Na conferência de Munique de 2021, Zelensky anunciou que não iria mais cumprir os acordos de pacificação de Minsk e falou em ter armas nucleares. A premiê alemã Angela Merkel e o presidente francês François Hollande, fiadores dos acordos de Minsk, confessaram depois que o real objetivo sempre foi rearmar o regime de Kiev.
Em abril de 2022, Biden vetou a paz Rússia-Ucrânia, que chegou a ser rubricada em Istambul, ordenando a Zelensky, através do então premiê britânico Boris Johnson, que foi pessoalmente a Kiev, que continuasse a guerra e garantindo armas e dinheiro.
Agora, no famoso bate-boca na Casa Branca, Trump disse ao presidente de prazo de validade vencido, Zelensky, que a guerra estava perdida e que ele “não tinha as cartas”. Numa manifestação de sua disposição de não herdar a guerra de Biden, e de alguma forma neutralizar a Rússia, para que Washington possa se concentrar no enfrentamento à China, cujos avanços na alta tecnologia e no desenvolvimento a cada dia surpreendem o mundo.
Enquanto o declínio dos EUA é tão notório que até virou seu lema MAGA da campanha presidencial. E o mundo multipolar está nascendo.