
Mais de um século após a invenção do automóvel, em uma demonstração de que o obscurantismo wahabita também pode evoluir, do alto da sua magnanimidade o príncipe coroado Mohammad bin Salman autorizou em setembro do ano passado as mulheres sauditas a dirigirem, o que finalmente entrou em vigor no domingo (24). Melhor, nem precisam mais temer a chibata por tamanha ousadia. Algumas das que ousaram continuam presas.
Para justificar o preconceito contra as mulheres no volante, em 2013 um conhecido clérigo saudita, o xeque Saleh al-Louhaidan, chegou a asseverar que dirigir carros poderia danificar os ovários das mulheres e deformar a sua pelve, levando a malformações dos recém-nascidos.
“Tenho arrepios. Nunca imaginei em toda a minha vida que conduziria nesta avenida “, contou à AFP Samar Almogren, apresentadora de televisão e mãe de três filhos, enquanto descia a avenida Rei Fahd, principal artéria da capital saudita, ao volante do seu automóvel, poucos minutos depois da meia-noite. Em Jeddah, a cidade onde vive, as primeiras mulheres a conduzir foram recebidas com aplausos nas ruas, segundo a Al Jazeera.
A PricewaterhouseCoopers estimou em 3 milhões o número de mulheres que irão tirar carteira de motorista. As primeiras licenças de condução para mulheres começaram a ser emitidas no início do mês e em muitos casos tratou-se simplesmente da troca de uma carteira de motorista estrangeira por uma licença saudita.
Em parte a mudança não passa de um gesto de relações públicas, para melhorar a imagem do regime feudal absolutista em vigor no país, sob a tutela dos EUA. Conforme Hana Al Khamri, este regime “despojou as mulheres sauditas dos direitos que a maioria das mulheres muçulmanas desfruta”. Mas é também devido à imperiosa necessidade de alterar as bases econômicas do país, hoje totalmente dependente do petróleo, com o plano de que até 2030 as mulheres passem a ser cerca de 30% da mão de obra – contra os atuais 18%.
O grau de opressão a que as mulheres estão submetidas na Arábia Saudita é terrível, como relata Al Khamri. São legalmente tratadas como menor, “do berço ao túmulo”; precisam do consentimento de um guardião do sexo masculino “para poder estudar, viajar, trabalhar, casar ou obter alguns documentos oficiais”. Uma mãe divorciada ou viúva está sujeita à tutela de seu próprio filho adolescente. Como assinalou Al Khamri, “a luta das mulheres sauditas pela igualdade e pelo direito à cidadania plena está longe do fim”.