Dezenas de milhares de pessoas exigiram na terça-feira (4) no centro de Praga a renúncia do primeiro-ministro Andrej Babis, apelidado pelos opositores de “Berlusconi checo”, e que é acusado em relatório da Comissão Europeia de usar fundos subsidiados europeus em causa própria, em uma das empresas de seu conglomerado Agrofert.
Segundo maior bilionário do país, com patrimônio de US$ 4,1 bilhões, ele é também dono de dois jornais e uma estação de rádio. Foi eleito em 2017 pela Aliança dos Cidadãos Descontentes (ANO, na sigla em checo) fazendo campanha contra a corrupção, depois de ocupar o cargo de ministro das Finanças. Nas recentes eleições ao parlamento europeu, seu partido foi o mais votado.
No ato na Praça Venceslau, viam-se bandeiras da República Checa e faixas exigindo “Demita-se” e “Basta”, além de estandartes azul-estrelados da União Europeia. Manifestantes pediram também a cabeça da ministra da Justiça, Marie Benesova, acusada de colocar panos quentes para livrar o primeiro-ministro, e clamaram pela “independência do judiciário”.
Segundo a France Presse, os fundos estruturais da União Europeia indevidamente repassados a uma das 900 empresas de Babis ultrapassam os 17 milhões de euros desde 2017. O primeiro-ministro alega inocência, asseverando que, para evitar conflito de interesses, transferiu o controle do grupo Agrofert para um fundo fiduciário.
Apontado como “liberal” e “populista”, Babis também tem se mostrado contra a adoção do euro pela República Checa e prometeu em sua campanha dirigir o país “como se dirige uma empresa”. Também tem se oposto às cotas de Bruxelas para receber refugiados e não esconde sua hostilidade aos imigrantes muçulmanos.
Depois da contra-revolução ‘de Veludo’ de 1989, o patrimônio público foi dilapidado durante a ‘terapia de choque’ e privatizações, para deleite dos oligarcas e de transnacionais, como a Volkswagem, que encaçapou a tradicional montadora checa Skoda, e a Telefónica, que absorveu a estatal de telecomunicações. Em 2012, o programa de privatizações foi suspenso.
Há dois anos atrás, um porta-voz do partido de Babis traçou seu retrato à BBC: “poucos políticos checos podem se comparar com ele em termos de eficiência, firmeza e capacidade de governar”. Acrescentou, ainda, que “poucos políticos checos podem falar várias línguas como ele. Poucos podem se gabar de ter o número do celular de Schläuble [então ministro alemão das Finanças] ou Macron”.
Um jornalista de perfil conservador, Ondrey Kundra, também ouvido pela BBC, assinalou que “Babis não é um homem do Kremlin”, mas por outro lado “não pode ser chamado de pró-europeu”. “Está em algum lugar no centro”, destacou, sublinhando que no momento a República Checa era o “único” país da Europa Central “cujo governo não tem um único partido populista”. A coalizão do ANO é com a social-democracia (SCCD).
Oposicionistas conservadores do partido ODS querem que Babis seja submetido a um voto de desconfiança, mas os analistas apontam que o legislativo está muito fragmentado para que isso seja conseguido. Zuzana Stuchlikova disse ao El País que “apesar das manifestações e da pressão da EU, a posição de Babis continua forte”. Ela acrescentou que Babis tem apoio do chefe de Estado, Milos Zeman, que compartilha com ele sua visão “antieuropeia e anti-imigração”.
A ministra Benesova considerou a manifestação “uma reação exagerada” daqueles que “não aceitaram os resultados da eleição”. No parlamento checo, o primeiro-ministro considerou a auditoria da UE, em que é acusado. de “ataque aos interesses da República Checa, um esforço para desestabilizar a República Checa”. Ele sinalizou que a resposta de seu governo ao relatório estará completa “em três a quatro meses”, após análise pelos ministérios envolvidos. Asseverou, ainda, que fez tudo dentro da lei checa, aliás, da “‘Lex Babis’, como aprovada pela Câmara dos Deputados”, e que “não há provas” .
Colocações que mereceram, de outro analista, um contundente comentário: “você está confundindo a Agrofert com a República Checa. Felizmente, nosso país não é sua antiga propriedade, mesmo que deseje”. A próxima manifestação está marcada para a próxima terça-feira (11), em Praga.
A.P.