“O mundo nos está tratando como ameaça global. E a CPI começaria evidentemente pelo governo federal, que é o coordenador de uma situação nacional como essa”, destacou o senador
Em entrevista à Folha de S. Paulo, neste sábado (17), o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) não poupou críticas ao governo federal por sua condução omissa e irresponsável na pandemia de Covid-19. “Não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal”, disse o senador. Para Tasso, “o país vive um momento de verdadeiro desastre”.
PACHECO TENTOU EVITAR CPI
Ele disse que não concordou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que achava que não era o momento para uma CPI. “O presidente Pacheco (DEM-MG) é mineiro. E como bom mineiro ele é muito cauteloso nas suas iniciativas e decisões. E ele tinha uma opinião de que era inoportuno, no auge da pandemia, se instalar uma CPI porque poderia tirar o foco das discussões no Congresso e criar uma nova crise. Posição que discordo frontalmente dele”, disse Jereissati.
Para o senador, não houve nenhuma interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) nos assuntos do Poder Legislativo. “Eu não acho que há interferência nenhuma do Supremo. O Supremo tomou uma decisão em cima de uma provocação feita por nós, pelo Senado. Foi tudo perfeitamente legal, esperado. Tem jurisprudência”, afirmou. Sobre a ampliação do escopo da CPI, Tasso disse que é uma manobra para desviar o foco.
“Vejo essa inclusão como uma maneira de tirar o presidente e o governo federal do foco e colocar todo mundo no mesmo balaio. Não há a menor possibilidade de que uma CPI de 11 membros possa investigar 27 governadores e mais de 5.000 prefeitos”, ponderou.
“Inclusão de Estados e municípios é uma maneira de tirar o presidente e o governo federal do foco”
“O espírito dessa CPI desde o início foi de investigar fatos e omissões na condução da pandemia, quais as razões que fizeram que o país chegasse ao ponto em que nós estamos hoje, esse verdadeiro desastre (foram registradas mais de 365 mil mortes). O mundo nos está tratando como ameaça global. E a CPI começaria evidentemente pelo governo federal, que é o coordenador de uma situação nacional como essa. E não especificamente procurar um ato de desvio de recursos pontual aqui e ali”, argumentou o senador.
Para mostrar a responsabilidade de Bolsonaro pelo desastre Jereissati deu como exemplo o que aconteceu no EUA. “Olha o que aconteceu nos Estados Unidos simplesmente com a mudança de liderança nacional. Eles eram, até o fim do governo Trump, um grande fiasco em função dos números da pandemia em relação à potência que são”, disse.
“Em semanas, com outra liderança, com outra postura, isso mudou. O líder é sempre uma referência, é aquele que conduz e dá rumo aos seus governados. Então, não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal. Isso foi constatado por organizações mundiais. É quase unanimidade”, apontou o parlamentar.
CPI JÁ PRESSIONA O GOVERNO
Tasso afirmou que a própria CPI é uma forma de pressionar para que o governo faça alguma coisa contra o vírus. “Só com a perspectiva de que haveria uma CPI, o governo Bolsonaro tomou duas atitudes importantes. Uma foi a troca do Pazuello. A outra foi a substituição de Ernesto Araújo no Ministério de Relações Exteriores”, disse Tasso.
“Acho que ele (Ernesto) foi o pior ministro da história do Brasil”, acrescentou. “O que não mudou ainda para melhor? O próprio Bolsonaro. O presidente parece que mudou em relação à vacina, mas não mudou em relação ao afastamento social. Na vacinação nós estamos avançando, eu reconheço. Mas para o distanciamento social, nós dependemos de uma campanha ampla, como todos os outros países fizeram”, prosseguiu o senador.
“Ernesto foi o pior ministro da história do Brasil”
“A CPI pode provocar essa mudança. Se no andamento da CPI, por exemplo, houver provas de que a atuação da Presidência da República obstruiu e boicotou um processo de afastamento social, isso pode realmente forçá-lo ou, pelo menos, pensar duas vezes para se portar de maneira diferente”, disse Tasso, ao comentar sobre a possibilidade da CPI provocar mudanças no comportamento do governo.
Ainda sobre a responsabilização de Jair Bolsonaro, Tasso disse que vai depender dos casos. “Isso só os juristas podem responder. Mas me lembro que no julgamento do mensalão, houve uma teoria nesse sentido: mesmo que ele não seja o mandante, ele tinha provavelmente -isso vai ter que ser discutido – o domínio do fato”, afirmou.
COMEÇAR PELO INÍCIO
Sobre como deve ser o roteiro da CPI, Tasso disse que o relator vai apresentar o plano de trabalho. “Eu começaria pelo início, que é o tema mais recorrente até agora que é o distanciamento social. O Mandetta já falava sobre isso e do uso da máscara. E o Bolsonaro quase que de uma maneira ostensiva ia para rua com manifestantes, se misturando à multidão sem máscara e contradizendo o Mandetta. Aquele período foi de intensa confusão na cabeça dos brasileiros. Bolsonaro disse que era uma gripezinha. Então nós já começamos errado”, observou o senador.
“Aí depois entrou um Pazuello que disse: “Um manda e o outro obedece”. Assim, não dá para dizer que Bolsonaro não sabia [das decisões do Ministério da Saúde], porque o próprio ministro Pazuello disse isso. Depois chegou a questão de desacreditar a vacina. Eu tentaria fazer uma cronologia das omissões e erros até chegar aqui”, prosseguiu Tasso Jereissati.
Sobre a possível politização da CPI, Tasso foi categórico. “Se não fizermos as investigações de maneira muito técnica e imparcial, não estaremos fazendo nosso papel. Eu acho que quem está mais preocupado que a CPI seja política é o próprio presidente Bolsonaro. A maioria dos senadores não está vendo isso com perspectiva eleitoral. Temos que enfrentar e olhar para a história; qual julgamento que a história vai fazer desse episódio que é o maior morticínio da história do Brasil”, disse.
Sobre um possível impeachment como resultado das investigações, o senador foi mais cauteloso. “Eu sou contra o impeachment. É um processo demorado e perderíamos o foco completamente do combate à pandemia”, argumentou, acrescentando que “se ficar comprovado, de uma maneira bastante técnica, a influência dessas atitudes do presidente [como gerando aglomerações e desincentivando o uso de máscaras] no aumento do número de mortes, esse seria o único fundamento que poderia levar a um pedido de impeachment”.
“Até a CPI concluir os trabalhos e, se um processo desses for aberto, aí já é quase eleição de 2022. Essa CPI não pode ter caráter eleitoreiro, porque ela perde a credibilidade”, destacou.
AMEAÇAS SÃO BRAVATAS
Tasso afirmou que as ameaças à democracia feitas por Bolsonaro estão perdendo credibilidade. “Eu sempre tive medo disso. Ele sempre teve essa tendência, revelada durante anos de atuação na Câmara. Hoje eu tenho menos medo dessas frases de efeito dele e acho mais que são bravatas. Estão perdendo credibilidade essas ameaças que ele faz”, afirmou.
Sobre o PT, Tasso disse que há um melhor ambiente para um diálogo. “Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós. O grande inimigo dele é a extrema direita. E há uma mudança de percepção. Isso virar uma aliança agora e ainda em 2022? Eu acho quase que impossível. Mas uma abertura maior de diálogo eu acho perfeitamente possível”, afirmou o senador do PSDB.