O ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, defendeu as instituições democráticas, atacadas por Bolsonaro, e afirmou que não há espaço para ameaças ao “país invocando falso apoio das Forças Armadas para aventuras”.
“Manipular a opinião pública, estimulando ódio e divisão entre a população é péssimo. Temos mais coisas em comum do que divergências. Democracia é tolerância e entendimento”, assinalou o ex-ministro em artigo publicado no jornal O Globo, na quarta-feira (3). No texto, Moro faz críticas ao governo de Bolsonaro sem citar seu nome.
“Há espaço para todos. Não há problema na presença de militares no governo, considerando seus princípios e preparo técnico. Não há espaço, porém, para ameaçar o país invocando falso apoio das Forças Armadas para aventuras”.
Segundo Moro, “combater a corrupção continua sendo um objetivo primário para fortalecer a economia e a democracia, mas não se pode fazer isso enfraquecendo as instituições de controle com ameaças e interferências arbitrárias. Tampouco servem a esse objetivo a celebração de algumas questionáveis alianças políticas e a retomada de velhas práticas”.
“É melhor, como outros já disseram, ‘colocar a bola no chão’, agir com prudência, observar a lei, respeitar as instituições, buscar o consenso necessário para combater a pandemia, assim protegendo as pessoas, bem como para recuperar empregos e a economia”, disse.
Moro defendeu que “os órgãos policiais, encarregados de apurar crimes, por vezes, dos próprios governantes, não podem ficar sujeitos ao arbítrio do mandatário de ocasião”.
O ex-ministro da Justiça também criticou o comportamento de Bolsonaro diante da pandemia. O ex-juiz pediu uma “busca de consenso” para o combate ao coronavírus e afirmou que insistir na maneira tosca de tratar o problema, até agora, “nada ajudou contra a pandemia ou para recuperar a economia”. “Não parece ser o melhor caminho”.
Moro pediu demissão do Ministério da Justiça por conta das tentativas de Jair Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal e proteger sua família e aliados de investigações.
No artigo, Sérgio Moro faz análise de que Jair Bolsonaro não separa o Estado de sua pessoa e vê os Poderes Judiciário e Legislativo como “inconvenientes”.
“É essencial separar o Estado da pessoa do governante. As instituições de Estado, ainda que sujeitas a algumas orientações políticas, estão vinculadas à aplicação neutra e apartidária da lei”.
“Os órgãos do Estado, afinal, têm sua atuação regrada pela lei e por finalidade atender o bem-estar comum e não cumprir os caprichos e arbítrios do governante do momento”.
“Não é o caso de falar em totalitarismo ou mesmo em ditadura, no presente momento, mas o populismo, com lampejos autoritários, está escancarado”.
“Judiciário e Legislativo são inconvenientes quando não se dobram à vontade do Executivo”.
Em um governo como o de Jair Bolsonaro, “órgãos vinculados ao Executivo devem cumprir acriticamente a pauta do Planalto e estão sujeitos a interferências arbitrárias”.
“Os exemplos se multiplicam. Radares devem ser retirados das rodovias federais, ainda que isso leve ao incremento dos acidentes e das mortes; agentes de fiscalização ambiental devem ser exonerados se atuarem efetivamente contra o desmatamento ou queimadas; médicos devem ser afastados do Ministério da Saúde, pois a pandemia do coronavírus atrapalha a economia, e agentes policiais federais não podem cumprir ‘ordens absurdas’ quando dirigidas contra aliados político-partidários”.
“Precisamos no momento de união. Há uma pandemia com número assustador de vítimas. Há a necessidade de planejar e buscar a recuperação econômica”, continuou.
“Para tanto, políticas públicas racionais e previsíveis são imperativas. Crises diárias, ameaças autoritárias, instabilidade, ódio, divisões, nada disso é positivo”, disse.
“Não é difícil unir as pessoas em um momento de crise e em prol de um objetivo comum, especificamente salvar vidas e empregos e fazer do Brasil um grande país. Para tanto, é necessário fazer a coisa certa, sempre, sem tentações populistas ou autoritarismo”.
“Há tempo para o governo se recuperar e é o que todos desejam. Mas precisa começar, já que a crise é grave e não permite perder mais tempo do que já foi perdido”, concluiu.