
Em mensagem lida pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, o chefe do Executivo criticou o “unilateralismo” e as “grandes potências” que “agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas”
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participou nesta terça-feira (27), no Palácio Itamaraty, da cerimônia em comemoração ao Dia do Diplomata. O evento marcou também a entrega da Ordem de Rio Branco e a formatura da Turma Eunice Paiva do Instituto Rio Branco.
O vice-presidente leu para os formandos a mensagem enviada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que não pode estar presente à solenidade por motivos de saúde. Ele destacou em sua mensagem os desafios crescentes para a diplomacia brasileira em um cenário global de instabilidade. “Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia. Na política, a democracia está em perigo. Na diplomacia, cresce o unilateralismo”, afirmou.

Segundo Lula, a defesa de uma ordem internacional mais justa passa, necessariamente, pelo fortalecimento do multilateralismo e pela atuação conjunta no combate à fome e à pobreza. “É inconcebível que se gastem US$ 2,4 trilhões por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar”, escreveu.
O presidente Lula voltou a criticar o que chamou de carnificina de Israel em Gaza. “Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas. A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal. O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes”, afirmou, destacando que “a comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino”.
O chefe do Executivo falou também sobre a guerra da Otan contra a Rússia, usando a Ucrânia como bucha de canhão. “Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito. Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória”, disse Lula.
A necessidade de reconstruir mecanismos de integração na América do Sul também teve destaque na mensagem do presidente. Ele criticou a marginalização do Sul Global nas decisões internacionais. “Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global”, apontou Lula.
“O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas. Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil. Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos. A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador. Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura”, prosseguiu o presidente.
Ao encerrar a mensagem, o presidente fez menção ao caráter plural da nação brasileira, citou o estudo que mostrou a grande miscigenação da população e fez um apelo para que a pluralidade do povo brasileiro sirva de exemplo no cenário internacional. Ele destacou que essa diversidade deve ser a marca da atuação diplomática do país. “Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior”, concluiu.
Leia, na íntegra, a mensagem de Lula lida por Geraldo Alckmin
Ao longo de quase onze anos como presidente, tive o privilégio de comparecer a quase todas as formaturas de egressos do Instituto Rio Branco.
Com a cerimônia de hoje, cerca de 700 diplomatas já se formaram em meus três mandatos.
Eles correspondem a quase metade dos 1.600 membros do corpo diplomático brasileiro.
Em seus 80 anos de existência, o Instituto Rio Branco contribuiu de forma decisiva para o profissionalismo do serviço exterior brasileiro e foi fundamental para a inserção internacional do país.
Mas o peso da responsabilidade que recai sobre a diplomacia brasileira é hoje maior do que nunca.
Voltei a ser presidente em uma época de negação da política.
Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia.
Na política, a democracia está em perigo.
O extremismo ameaça as instituições pelas quais Eunice Paiva, homenageada pelos formandos de 2024, e muitos outros lutaram para construir e defender.
Na diplomacia, cresce o unilateralismo.
Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.
Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.
O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização.
A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, paraninfa desta turma, retrata em sua obra o silenciamento da população negra.
Indígenas e mulheres partilham dessa dor.
Migrantes são criminalizados por desejarem uma vida melhor.
Levado às últimas consequências, o apagamento do outro leva a seu extermínio.
A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal.
O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes.
A comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino.
Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.
Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.
A única solução é o diálogo entre as partes.
Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.
Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos.
Esse equívoco contaminou, nos últimos anos, o processo de integração em nossa região.
Dar prioridade ao entorno não é uma escolha, é uma necessidade.
Estradas, ferrovias e linhas de transmissão não têm ideologias.
A circulação de pessoas e de bens passa ao largo das desavenças entre governantes.
Reunir os doze presidentes sul-americanos, como fizemos em 2023, tornou-se praticamente impossível.
Mas o Brasil não pode perder do horizonte a revitalização dos órgãos da integração. Precisamos reconstruir a UNASUL e dotar a CELAC de maior institucionalidade.
Em junho, promoveremos a segunda Cúpula Brasil-Caribe.
Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global.
O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas.
Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil.
Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos.
A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador.
Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura.
A Ásia como um todo vem se consolidando como eixo dinâmico da economia global.
Temos no Japão um parceiro de longa data e na Índia um vasto campo inexplorado de colaboração.
Com vários países do Sudeste Asiático, já temos volume de comércio superior ao que possuímos com sócios tradicionais.
A relação com a Europa continua estratégica.
Dentro de alguns dias estarei na França, país importante na construção de uma ordem multipolar.
O acordo Mercosul-União Europeia é um símbolo contra o protecionismo.
Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.
Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.
A defesa dos valores democráticos é, hoje, a mais importante missão que compartilhamos.
Laços históricos conectam o Brasil não só ao continente europeu, mas também ao africano.
Temos com a África uma dívida que só pode ser paga em solidariedade, cooperação e transferência de tecnologia.
Foi com esse espírito que realizamos na semana passada o Segundo Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, e que se encerrou com a visita de Estado do presidente João Lourenço, de Angola.
Em breve, sediaremos, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos BRICS.
O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945.
Quando a ONU foi fundada, ela contava com apenas 51 membros. Hoje somos 193 nações na organização.
Não é admissível que cinco países tornem os demais reféns de suas vontades e interesses.
A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.
Há quem critique o conceito de Sul Global, argumentando que somos muito diferentes entre nós.
Mas países de renda baixa e média continuam na periferia de um sistema que só beneficia o centro.
Os países ricos foram, historicamente, os grandes responsáveis pela mudança do clima, mas serão os mais pobres quem sofrerão o maior impacto.
A noção de justiça climática será crucial na COP30, em Belém.
É preciso lembrar que embaixo de cada árvore há uma pessoa.
É inconcebível que se gastem 2,4 trilhões de dólares por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
A presidência brasileira do G20 deixou como legado a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está trabalhando para erradicar esses flagelos de uma vez por todas.
Caras formandas e caros formandos,
O multilateralismo é ferramenta fundamental para que o Brasil atinja seus objetivos nacionais.
Não poderemos falar em justiça tributária sem que haja um entendimento internacional sobre a tributação de super-ricos.
Não conseguiremos coibir violações de direitos em plataformas digitais sem que haja um esforço coletivo para regulá-las.
Não lograremos preservar a Amazônia sem que todos os países façam sua parte para combater o aquecimento global.
O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente.
Precisamos combater o extremismo e as desigualdades lá fora com o mesmo vigor com que lutamos aqui dentro.
Em pouco mais de um mês, nos despedimos do Papa Francisco, do presidente Mujica e do fotógrafo Sebastião Salgado.
O humanismo e a solidariedade que eles representavam são fonte de inspiração para o mundo.
A ciência mostrou recentemente que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.
Sem desconsiderar a história de violência por trás da miscigenação que nos caracteriza, é significativo que o povo brasileiro tenha a pluralidade inscrita em seu DNA.
Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior.
As recentes premiações do cinema brasileiro em festivais internacionais dão prova da vitalidade da cultura nacional e da nossa política audiovisual.
Quero aproveitar essa cerimônia para cumprimentar Fernanda Torres, Walter Salles, Kleber Mendonça, Wagner Moura e todos os que contribuíram para esse feito.
Estou certo de que a turma Eunice Paiva contribuirá para continuar fazendo do Brasil uma força positiva para a humanidade e para o planeta.
Muito obrigado.