Medida atropela o relator, Edson Fachin, e atende pedido de Augusto Aras, que atua contra a Lava Jato em sintonia com o Planalto
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, antes de sair da presidência do órgão, o arquivamento de todos os inquéritos abertos no Supremo que tiveram como base a colaboração premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso desde 2016.
A decisão foi tomada pelo ministro no apagar das luzes de sua saída da presidência do tribunal e atinge 12 novas frentes de investigação autorizadas pelo ministro Edson Fachin, que homologou a colaboração premiada assinada pelo político com a Polícia Federal.
As primeiras tratativas entre Cabral e a Polícia Federal começaram no início de 2019, na época em que Cabral confessou pela primeira vez os crimes cometidos. “Meu apego a poder e dinheiro é um vício”, disse o ex-governador, em fevereiro do ano passado. No início deste ano, o relator da Operação Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, decidiu validar o acordo de colaboração premiada firmado por Cabral com a Polícia Federal.
O acordo foi homologado pelo Supremo por envolver autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, como ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e políticos.
Sérgio Cabral está preso e foi condenado a cerca de 280 anos de cadeia em ações da operação Lava Jato. O acordo entre Cabral e a PF foi então enviado para o STF e distribuído ao ministro Edson Fachin. Antes de homologar, o magistrado pediu manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, que se posicionou contra a homologação. Aras lembrou que Cabral ocultou informações e protegeu pessoas durante a negociação do acordo com os procuradores da operação no Rio.
Nos depoimentos prestados à PF, Cabral teria citado dezenas de políticos beneficiários do esquema de corrupção montado na gestão dele no estado e com membros do Judiciário. Entre os citados estariam ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por esse motivo, o acordo dependia da homologação do STF. Contrariando Aras, Fachin homologou em 6 de fevereiro o acordo. A defesa de Cabral pretendia usar a delação para brigar pela liberdade do cliente, sem o risco de interferir nas investigações ou cometer novos crimes.
No acordo Sérgio Cabral se comprometeu a devolver aos cofres públicos R$ 380 milhões recebidos como propina enquanto foi governador. Diferentemente de delações fechadas pela PGR, a PF não estabeleceu previamente os prêmios a serem concedidos ao colaborador, como redução de pena, por exemplo. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro também foi contra firmar colaboração premiada. A mesma posição adotada pelo procurador-geral da República.
Só que, em 2018, por 10 a 1, o STF decidiu que delegados de polícia – tanto da Federal como da Civil – podem fechar acordos de delação premiada. Por maioria, os ministros também firmaram o entendimento de que não é obrigatório que o Ministério Público dê um aval à colaboração feita com a polícia.
Após homologar o acordo e autorizar a abertura dos inquéritos, Fachin encaminhou a Toffoli os processos para que o então presidente do STF analisasse se seria o caso de redistribuí-los para outro integrante da Corte. Toffoli pediu um parecer de Aras, que opinou então pelo arquivamento das investigações. Na visão de Toffoli, o pedido de arquivamento realizado pelo titular da ação penal – o Ministério Público Federal – deve ser acolhido sem discussão de mérito.
A decisão de Toffoli, além de atropelar o ministro Edson Fachin, que havia homologado os acordos, foi tomada também a pedido do mesmo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que foi indicado por Jair Bolsonaro por fora da lista tríplice, e que tem atuado em sintonia com o Planalto contra as medidas de combate à corrupção. Aras “não viu” elementos para justificar as apurações das denúncias feitas por Cabral.
Na prática, a ação significa que nenhuma autoridade com foro privilegiado no STF poderá ser alvo de punições provenientes das acusações do ex-governador. Medidas como esta, associadas às decisões que estão sendo tomadas na Segunda Turma do STF, sem a presença do decano Celso de Mello, representam mais um revés na luta contra a corrupção.