O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas comparou os esforços financeiros de alguns países do mundo com as medidas anunciadas pelo governo brasileiro para enfrentamento da pandemia de coronavírus. A conclusão é que o pacote brasileiro “é absolutamente insuficiente”.
Considerando apenas as novas despesas, o pacote anunciado pelo governo de Jair Bolsonaro alcança um valor equivalente a apenas 2,05% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, informou o estudo, levando em conta as medidas anunciadas até domingo (22). Aqui está a discrepância: no Reino Unido e Espanha, as medidas anunciadas já ultrapassam 17% do PIB. A Alemanha e França anunciaram aportes de, respectivamente, 12% e 13,1% de seus produtos internos.
“Comparado com o que outros países estão fazendo que está se aproximando de 20% do PIB, o pacote brasileiro ainda está deixando muito a desejar”, disse Manoel Pires, ao divulgar o estudo no dia 23 de março.
Em valores, no Brasil, o total a ser gasto para enfrentamento de uma crise sem precedentes é de R$ 149,5 bilhões, enquanto o Reino Unido, com uma população quase quatro vezes menor que a do Brasil, já anunciou o equivalente a 2,3 trilhões de reais.
Com o avanço do coronavírus, os valores destinados ao combate ao coronavírus e de proteção às vidas e ao emprego estão aumentando por parte de muitos governos.
Segundo Pires, na Alemanha, os gastos do governo atingiram 37% do PIB na segunda-feira (23/03), com o governo anunciando mais um pacote de 800 bilhões de euros (cerca de R$ 4,4 trilhões).
REINO UNIDO
“No Reino Unido, o total de medidas anunciadas chegou a 17% do PIB. A medida mais significativa é a disponibilização de garantias públicas em montante de até £330 bilhões. A garantia pública reduz risco dos empréstimos bancários. Se o devedor não pagar o banco, o governo cobre o prejuízo. No último dia 20, o Tesouro Britânico anunciou que reporá até 80% da renda dos trabalhadores em lay off até o salário de £2.500 por mês, um patamar superior à renda mediana. Esse é o mais expressivo programa de transferência de renda, cujo impacto financeiro não foi anunciado. Mesmo sem anunciar esse valor, o que o Reino Unido já anunciou ultrapassa os 17% do PIB”, diz o Ibre.
“Nos EUA, os valores discutidos já chegam a 6,3% do PIB, mas há uma negociação em andamento no Congresso para elevar para 11,3% do PIB”, avaliou o Ibre, antes da aprovação do pacote pelo Senado americano de dois trilhões de dólares ou aproximadamente R$ 10 trilhões de reais, no dia 25 de março, estimado em 10% do PIB.
ESPANHA, ALEMANHA E FRANÇA
“A Espanha, por sua vez, anunciou um programa que até o momento atinge 17% do PIB. Além de garantias públicas para empréstimos e programas de renda para os informais, existem ações para garantir serviços públicos básicos como eletricidade, acesso à água e internet e manter a renda com a suspensão de hipotecas imobiliárias. A Alemanha e a França vão em caminhos muito similares. Só em volume de garantias, o suporte oferecido para as economias foi de 12% e 13,1% do PIB, respectivamente”.
NENHUM DINHEIRO NOVO
A diferença entre este valor real e o que o governo tem divulgado é que a maior parte das ações tomadas pelo presidente, que na última terça-feira chamou a pandemia de “gripezinha”, se trata apenas de antecipações de recursos do trabalhador, como o 13º salário de pensionistas e aposentados do INSS, além do abono salarial, seguro desemprego e saques ao FGTS.
Dos R$ 55 bilhões anunciados pelo BNDES, apenas R$ 5 bilhões para capital de giro de pequenas e médias empresas é dinheiro novo. A redução do compulsório, dinheiro recolhido pelo Banco Central, para que os bancos ampliem a oferta de crédito ou a criação de novas linhas de empréstimos, está sendo empoçado pelos bancos. Ou seja, nenhum esforço fiscal efetivo, nenhum dinheiro novo.
Dos aportes, a ampliação do bolsa família veio depois de um corte nos benefícios – mostrando que a reação do governo diante da crise é nula.
Para assistência aos 40 milhões de trabalhadores informais, a resposta foi o “coronavoucher”, uma migalha de R$ 200 mensais, ampliada pelo Congresso Nacional para R$ 600 reais.
Economistas – sem excluir até mesmo os mais neoliberais – são unânimes ao apontar a irresponsabilidade do governo federal em insistir nas medidas de arrocho fiscal em uma situação grave como a qual se instala.
“As pessoas vão ficar desassistidas durante muito tempo. Esse não é o momento de preciosismo em relação à dívida/PIB, preciosismo com déficit fiscal. Se tem um estado de calamidade declarada é exatamente para a gente fazer as medidas que têm que ser feitas”, defende a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE). É isso que diversos países do mundo têm feito.
“Essas medidas têm que atender não só as pessoas que recebem bolsa família, mas sobretudo os cerca de 36 milhões de desassistidos por qualquer programa social, além de dar muito recursos ao SUS”. A pesquisadora trabalha com algo em torno de 4 a 5% do PIB, mas afirma que os gastos poderiam chegar até 10% do PIB. “Se chegar a 10% do PIB, que seja. O país continua a existir ainda assim. Só que é essa conscientização que a gente tem que ter. Hoje o que tem que ser feito é salvar as pessoas e, obviamente, a economia também. As pessoas e a economia, nessa ordem”, completou.