
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, defendeu na última quinta-feira, 10, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, contra dispositivo da Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, que alterou a abrangência da Justiça gratuita. A ADI contesta a restrição da Justiça gratuita aos pobres, o que, segundo Fachin, “pode conter em si a aniquilação do único caminho que dispõe esse cidadão para ver garantido seus direitos sociais trabalhistas”.
A ADI foi aberta em agosto do ano passado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pediu para serem derrubados os artigos 790-B, 791-A e 844 da nova lei. Esses artigos responsabilizam a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da Justiça gratuita. A nova lei também exige que, quando obtiverem crédito em um processo, o beneficiário deverá pagar esses honorários, mesmo o valor sendo proveniente de outra ação.
Fachin pediu para antecipar o voto, que foi pela inconstitucionalidade das mudanças. Já Luís Roberto Barroso, relator do processo, apresentou voto validando parte das mudanças. Segundo Barroso, a forma como estava a lei anteriormente (gratuidade plena, sem nenhum ônus ao trabalhador pobre, independente do resultado) “incentivava” os cidadãos a entrarem na justiça; classificando a única chance de defesa jurídica dos direitos dos trabalhadores pobres como “um incentivo estatal a litigância fútil”, como se as buscas da Justiça pelos trabalhadores para questionar a violação de direitos trabalhistas ocorressem sem motivações reais.
Para Ubiraci Dantas, o Bira, presidente da CGTB, que está apoiando a ADI na qualidade de Amicus Curiae (pessoa, entidade ou órgão com profundo interesse em uma questão jurídica, na qual se envolve como um terceiro por considerar ter intensa conexão com o caso), “a característica neoliberal presente no pensamento do ministro Barroso acabou se sobressaindo, mas falou muito mais alto a sapiência e noção da realidade do Ministro Fachin. Afinal, quem acredita que é válido retirar a gratuidade da justiça por que o trabalhador é aventureiro não vive no Brasil. Não é possível alguém achar que hoje a grande maioria das ações trabalhistas é infundada. Se o trabalhador tiver de pagar sucumbência e advogados, então a tendência é não processar ninguém, ainda que tenham sido cometidas as maiores atrocidades contra ele, por medo de perder e ter de pagar”, denunciou o sindicalista.
O argumento do relator foi contestado por Fachin em seu voto, que apontou que “mesmo que os interesses contrapostos a justificar as restrições impostas pela legislação ora impugnada sejam assegurar uma maior responsabilidade e um maior compromisso com a litigância para a defesa dos direitos sociais trabalhistas, verifica-se, a partir de tais restrições, uma possibilidade real de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores pela imposição de barreiras que tornam inacessíveis os meios de reivindicação judicial de direitos, o que não se pode admitir no contexto de um Estado Democrático de Direito”.
O jurista argumenta que a proteção judicial ao trabalhador de baixa renda, através da gratuidade, sempre foi parte do direito brasileiro e encontra-se fortemente consolidada pela jurisprudência, em especial da segunda turma, “que associa tais garantias ao direito de ter direitos, reafirmando que restrições indevidas a estas garantias institucionais podem converter as liberdades e demais direitos fundamentais por elas protegidos em proclamações inúteis e promessas vãs”. O ministro lembra que “desde a Constituição de 1934, o direito à gratuidade da justiça é reconhecido como um direito de âmbito constitucional, fazendo parte do regime de garantias e direitos essenciais para a vida política e social brasileira”
Mesmo contestando a gratuidade, o próprio relator reconheceu que a reforma trabalhista “não enfrentou nem a complexidade da legislação, nem os descumpridores contumazes da legislação trabalhista”, disse Barroso. Logo, o ministro propôs que os beneficiários da justiça gratuita só terão que pagar honorários a advogados e perícia se receberem créditos que superem o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), hoje em R$ R$ 5.645,80. Além disso, o montante a ser pago fica limitado a 30% do valor líquido dos créditos recebidos.
Nesse sentido, Fachin ressaltou que “dos obstáculos, que comumente são indicados ao acesso à Justiça, os de ordem econômica costumam ser os primeiros e mais evidentes. Considerando que os custos da litigação perante o Poder Judiciário são muito altos, e que a jurisdição cível é bastante onerosa para os cidadãos em geral, verifica-se que há um afastamento significativo das classes economicamente mais frágeis do acesso à Justiça institucionalizada”, e acrescenta que “a desigualdade social gerada pelas dificuldades de acesso isonômico à educação, mercado de trabalho, saúde, dentre outros direitos de cunho econômico, social e cultural, impõe que seja reforçado o âmbito de proteção do direito que garante outros direitos, especialmente a isonomia. A restrição, no âmbito trabalhista, das situações em que o trabalhador terá acesso aos benefícios da gratuidade da justiça, pode conter em si a aniquilação do único caminho de que dispõem esses cidadãos para verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas”.
A votação foi suspensa por pedido de vistas (mais tempo para análise da matéria) do ministro Luiz Fux e não há prazo para que as votações sejam retomadas. O processo foi aberto pelo STF na quarta-feira (9) e, na ocasião, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que “a propósito de obter redução de demandas temerárias na Justiça do Trabalho, essa nova lei padece de vício de proporcionalidade, ao impor restrição desmedida a direitos fundamentais”.