De volta ao formato tradicional no Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, o pesquisador e escritor Elias Jabbour aborda o informe de que a estatal chinesa SMIC teria conseguido construir seu primeiro chip de 7 nanômetros – composto por transistores menores que um átomo. O que, se confirmado, implica em que a China estaria a dois passos de alcançar os EUA nesse tipo de tecnologia ultrassensível.
Uma questão – destacou Jabbour, de enorme significado para a luta de classes no âmbito internacional, cuja grande expressão na atualidade é “a possibilidade – ou não – da China conquistar sua independência tecnológica nos chips de 7 e 5 nanômetros”.
Possibilidade na qual a grande maioria dos pesquisadores especializados não acreditava: a China estaria duas gerações atrasada nessa questão em relação aos EUA.
Cada geração são cinco anos, que é o tempo útil de uma fábrica de semicondutores, que custa 25 bilhões de dólares. Então, para essa gente, seria literalmente queimar dinheiro, a China não teria muita saída, teria alcançado o limite tecnológico e os EUA teriam barrado seu desenvolvimento.
Só uma minoria como o nosso amigo Wallace Pereira – destacou Jabbour – dizia que não. “Que a trajetória chinesa de reconstrução do sistema nacional de inovação tecnológica, ao lado de uma engenharia financeira impressionante, ao lado de grandes empresas estatais e de mais 2 mil startups estatais que foram postas para funcionar assim que o governo Trump anunciou o bloqueio tecnológico à China, criou as condições para que a China pudesse alcançar os americanos nessa tecnologia sensível”.
Também era argumentado que o caso do Japão ia se repetir. Em 1985, quando estava alcançando os EUA em todos os domínios possíveis no campo da economia, os americanos impuseram os acordos de Plaza, obrigando o Japão a valorizar sua moeda. Impuseram cotas de exportação de automóveis para os EUA. Tudo isso dentro da chamada recuperação da hegemonia norte-americana lançada por Reagan.
Por sua vez, os ditos teóricos do desenvolvimento a convite tinham como tese de que, como a China se desenvolveu a partir da utilização do mercado interno americano para escoar seus produtos, os americanos poderiam dizer o momento em que a China pararia de crescer ou não.
O pesquisador comparou o atual momento vivido pela China com o episódio do final da II Guerra em que Truman fala a Stalin sobre sua nova arma capaz de devastar o Japão em horas e Stalin percebe que passou a haver um desequilíbrio estratégico em relação aos EUA e a partir daí a URSS tinha que correr atrás em relação à bomba atômica.
Para Jabbour, o anúncio da SMIC é um momento semelhante. Porque a China quebra uma barreira que para muitos parecia intransponível. “O mundo não é regido por leis cegas de mercado, não é uma brincadeira, é movido por guerras interestatais e é obvio que a China investiu muito dinheiro na compra de engenheiros taiwaneses, coreanos, para poder chegar nesse ponto e a essa possibilidade de construir esse chip de 7 nanômetros”, assinalou.
O pesquisador também relacionou esse momento com a provocativa visita de Nancy Pelosi a Taiwan. A China bloqueou Taiwan de forma aérea e naval, coisa que não aconteceu em 1997 quando o então presidente da Câmara americana visitou a ilha.
Isso – acrescentou – vai se somando a um caldo geopolítico que vai levando para a Ásia, para a China, para Taiwan, para o Mar do Sul da China, o local onde as coisas estão acontecendo hoje.
Jabbour também se referiu à convergência da Rússia com o espaço econômico chinês. Duas potências, uma econômica, outra militar e tecnológica, que é a Rússia. E a China também tem uma possibilidade imensa de transferir tecnologia para a Rússia e vice e versa.
Do meu ponto de vista – sublinhou o pesquisador – é uma questão que marca uma época a China ter alcançado os americanos nos chips de 7 nanômetros. Ao mesmo tempo, acrescenta, a Sansung já anunciou a possibilidade deles construírem os chips de 3 nanômetros.
Para Jabbour, o que resta aos Estados Unidos no momento, o que Joe Biden tenta fazer – “não sei se vai ter sucesso em relação a isso, não posso afirmar nem que sim nem que não por conta do alto grau de financeirização da economia americana” – é jogar para a frente a fronteira tecnológica no que cerne a essas questões de Tecnologia da Informação. E fazer com que a China tenha que voltar a correr atrás dos americanos.
O problema dessa hipótese “é que a economia norte americana é altamente financeirizada. Boa parte das empresas norte-americanas estão mais envolvidas no mercado de ações do que na produção de novos produtos”. A Pfizer, por exemplo, boa parte da sua receita não vem da venda de vacina ou remédios, mas da chamada tesouraria. “Ou seja, a partir da jogatina financeira no mercado de ação”.
Como assinalou Jabbour, a financeirização da economia americana é algo real e que pode atrapalhar essa tentativa de Biden de jogar a fronteira tecnológica pra frente.
A principalidade dessa questão para a luta de classes – ele realçou – é justamente o fato de que, aquilo que no passado o petróleo cumpriu no sentido de fazer com que as economias se movessem e de que fosse a principal fonte de energia, hoje é o acesso aos dados de milhões e milhões de pessoas. É o capital que existe a ser disputado. Então a luta de classes se dá pela disputa ao domínio dos dados, ao domínio da informação e todas as tecnologias de informação possíveis e imagináveis.
“Então, a China dá um passo gigantesco na superação desse bloqueio tecnológico e isso deve ser creditado a uma grande vitória do socialismo. É algo a ser comemorado: não existe pensamento único, o capitalismo não é eterno e, em um país como a China, que em 1949 tinha uma expectativa de vida de 35 anos de idade e mais de 90% da população analfabeta, hoje praticamente se quebra um monopólio colonial que as grandes potências mantinham desde a descoberta das Américas por Cristóvão Colombo”, afirmou Jabbour. E para concluir: “hoje a China rompe esse cerco e isso não é um fato qualquer”.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.