Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (22)
(HP 30/10/2015)
CARLOS LOPES
Diante da erupção de denúncias e provas advindas da Operação Lava Jato – e também da Operação Zelotes – um vivente corre o risco de sentir-se meio tonto por falta de oxigênio. Ainda bem que este último é um elemento que pode ser perfeitamente estocado…
Prometemos ao leitor uma exposição mais longa do depoimento de Fernando Soares, conhecido por “Baiano”, sobre seus negócios com José Carlos Bumlai e a reunião que, com o então presidente da Sete Brasil, José Carlos Ferraz, houve com o ex-presidente Lula. É o que fazemos nesta página.
Esse depoimento, o “Termo de Colaboração (ou Termo de Declaração) nº 15 de Fernando Antonio Falcão Soares”, foi prestado ao Ministério Público Federal no dia 16 de setembro deste ano.
Talvez o leitor tenha a curiosidade de saber de onde surgiram – ou qual a necessidade – de tantos lobistas e intermediários.
A resposta está na explicação de Soares sobre a “Sete Brasil”: “é uma empresa criada pela Petrobrás (…), de acordo com a política de redução de ativos no balanço da estatal”.
Realmente, por que a Petrobrás necessita da Sete Brasil, uma empresa em que é amplamente minoritária, para construir sondas e navios-sondas? Para nada. Não é uma necessidade. Trata-se de uma política de privatização, uma política deliberada de impedir a Petrobrás de crescer, e, como é evidente agora, reduzir o seu tamanho e a sua capacidade de puxar o crescimento do país.
O plano de Duque, Barusco e outros ladrões, que conceberam a “Sete Brasil”, era usar o dinheiro da Petrobrás, do FGTS e do BNDES para construir sondas, e, depois, alugá-las – ou seja, embolsar mais dinheiro da Petrobrás. A propina, embora acessória, era parte inseparável desse “plano”.
Essas sondas seriam operadas por empresas como a Ocean Rig, com sede na Grécia, que aparece no depoimento de Soares, ou a Transocean, com sede na Suíça.
Seriam construídas pelo cartel do bilhão – o cartel de empreiteiras que monopolizou as obras da Petrobrás – expandindo essa monopolização para o ramo dos estaleiros, à custa da Petrobrás. Daí a conversa que Fernando Soares relata, em seu depoimento, com funcionários de Eike Batista, sobre a tomada de preços para a construção das sondas (“o pessoal da OSX disse ao depoente que considerava muito estranha a forma como tinha sido conduzida essa tomada de preços, porque a OSX seria o maior estaleiro em construção no Brasil, tinha condições de ter apresentado preços muito bons, mas, mesmo assim, a Sete Brasil/Petrobrás teria deixado a OSX fora da licitação, permanecendo no certame outras empresas que não teriam nem projetos de construção de estaleiros”).
Repare o leitor que estamos falando de contratos no valor total de US$ 82 bilhões (oitenta e dois bilhões de dólares), como está no Relatório de 2012 da Sete Brasil.
Quem ganhou esses contratos?
A Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Engevix, associadas a empresas japonesas (Kawasaki, Mitsubishi, Ishikawajima-Harima e Japan Marine United), além de duas empresas de Singapura (SembCorp Marine e Keppel).
Rigorosamente, as mesmas empresas cartelizadas que impunham – com a colaboração propinada de Duque, Barusco, Costa, Cerveró e Zelada – sobrepreços nas obras da Petrobrás.
Assim, estabeleceu-se o reino dos intermediários de propina. Alguns, como o sr. Hamylton Padilha e o próprio Fernando Soares – ou Júlio Camargo – eram intermediários de mais de uma empresa.
Que espécie de capacidade especial tinham esses indivíduos?
Apenas a de se entrosar, sem problemas morais ou político-ideológicos, num esquema corrupto, de assalto ao que pertence ao povo brasileiro, organizado desde cima.
Sob este aspecto, o depoimento de Fernando “Baiano” é muito instrutivo.
Procuramos, aqui, não cortar nada que fosse essencial. Soares, é forçoso reconhecer, procura incriminar o mínimo possível outras pessoas. Daí a frequência de expressões como “acredita que…” ou “tem quase certeza”.
Mas os fatos são inequívocos:
“… em 2011, o depoente tinha contratos com o grupo empresarial de Eike Batista;
“… um desses contratos consistia na construção do estaleiro da OSX, empresa de Eike Batista; a construção do estaleiro estava sendo feita pela empresa espanhola Acciona, representada pelo depoente;
“… em uma das conversas que teve com o pessoal da OSX, foi informado sobre uma tomada de preços para construção de navios sondas que a Sete Brasil iria fazer para posterior arrendamento à Petrobrás; tratava-se de algo em torno de vinte navios para exploração de petróleo na área do pré-sal”.
A rigor, eram 29 sondas. A Sete Brasil fora criada pelos srs. Renato Duque, indicado pelo PT para a Diretoria de Serviços da Petrobrás, e Pedro Barusco, gerente de Engenharia, depois vice-presidente da Sete Brasil. É a principal das “empresas EPC”, conhecidas como “empresas EPC do Duque”, intermediárias financeiras entre a Petrobrás e os fornecedores (v. HP 26/08/2015).
Mas, continuemos com o depoimento de Fernando Soares:
“… o pessoal da OSX disse ao depoente que considerava muito estranha a forma como tinha sido conduzida essa tomada de preços, porque a OSX seria o maior estaleiro em construção no Brasil, tinha condições de ter apresentado preços muito bons, mas, mesmo assim, a Sete Brasil/Petrobrás teria deixado a OSX fora da licitação, permanecendo no certame outras empresas que não teriam nem projetos de construção de estaleiros;
“… questionado sobre quem seria o ‘pessoal da OSX’ com quem o depoente conversava sobre o assunto, respondeu que se tratava do presidente da OSX na época, de nome Luís Carneiro, e do diretor da OSX, de nome Bellot, o qual veio posteriormente a assumir a presidência da empresa; Luís Carneiro e [Carlos Eduardo Sardenberg] Bellot foram anteriormente funcionários da Petrobrás;
“… tem quase certeza de que a licitação para contratação de empresa para construção dos navios sondas tratados no caso foi conduzida pela Petrobrás, especificamente pela Diretoria de Serviços, na época ocupada por Renato Duque;
“… na OSX havia o sentimento de que a Sete Brasil/Petrobrás teria algum interesse em privilegiar as empresas que permaneceram na licitação;
“… a Sete Brasil é uma empresa criada pela Petrobrás para exploração de petróleo no pré-sal, de acordo com a política de redução de ativos no balanço da estatal e de reativação da indústria naval no Brasil;
“… o pessoal da OSX considerava o contrato de navios sondas da Sete Brasil muito importante para o estaleiro da empresa;
“… o depoente se disponibilizou a fazer contatos e verificar se poderia ajudar na situação;
“… então procurou José Carlos Bumlai; o presidente da Sete Brasil na época era João Carlos Ferraz, o qual, de acordo com comentários do mercado, era um ex-funcionário da Petrobrás que havia sido indicado para o cargo por Antonio Palocci; em razão da relação entre Antonio Palocci e Bumlai, o depoente procurou este último”.
O INDICADO
Em março deste ano, João Carlos Ferraz confessou que recebeu, de propina, dois milhões de dólares (mais precisamente: US$ 1.985.834,55) dos estaleiros contratados pela Sete Brasil, isto é, do cartel do bilhão, entre maio e dezembro de 2013.
Disse Ferraz que foi “pressionado por colegas” a aceitar a propina.
A auditoria interna da Sete Brasil estimou o total de propinas na empresa, durante a administração Ferraz, em US$ 224 milhões. Segundo disse Pedro Barusco, ex-vice presidente da empresa, à PF e ao Ministério Público, dois terços desse total foram para o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, e um terço foi para funcionários da Sete Brasil e para o então diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, o parceiro de Vaccari no esquema.
É interessante o motivo que levou Fernando Soares a procurar Bumlai para resolver o problema da OSX: porque ouvira falar que Ferraz era uma indicação de Antonio Palocci – e que Bumlai era próximo de Palocci:
“… o depoente telefonou para Bumlai e marcou um encontro no escritório de Bumlai, situado na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, nº 3.530, em São Paulo, no primeiro semestre de 2011;
“… no encontro, o depoente relatou os fatos a Bumlai, falando inclusive sobre os comentários de que João Carlos Ferraz era uma indicação de Antonio Palocci;
“… Bumlai não sabia se João Carlos Ferraz era realmente indicação de Antonio Palocci; posteriormente, Bumlai procurou o depoente;
“… Bumlai disse que confirmou que João Carlos Ferraz era indicação de Antonio Palocci e afirmou que tinha como trabalhar no assunto;
“… o depoente conversou com o pessoal da OSX e disse que teria como ajudá-los a conseguir o contrato dos navios sondas da Sete Brasil;
“… o depoente mencionou a possibilidade de cobrar da OSX uma comissão de 5% (cinco por cento) do valor de cada navio sonda; houve discussão sobre o percentual dessa comissão; em razão de o depoente e o pessoal da OSX não saberem ainda o valor de cada navio-sonda, a definição exata do percentual dessa comissão ficou para ser negociada depois”.
NAVIOS-SONDA
É impossível que a OSX – e o próprio Soares – não soubessem que a Sete Brasil estimara em US$ 700 milhões o preço de cada navio-sonda. O estaleiro Atlântico Sul (Camargo Corrêa + Queiroz Galvão) ganhara os contratos para sete navios-sonda pelo preço de US$ 662 milhões a unidade.
Portanto, a OSX estava pechinchando a comissão. Entende-se: a comissão sugerida, de 5%, significava cerca de US$ 35 milhões por cada navio-sonda.
“… o pessoal da OSX autorizou o depoente a levar o assunto adiante; o depoente e Bumlai combinaram de tocar o negócio;
“… Bumlai disse que iria conversar ‘com as pessoas’;
“… até então o depoente não sabia quem seriam essas pessoas;
“… alguns dias depois, Bumlai telefonou para o depoente e pediu que solicitasse que o presidente da OSX, Luís Carneiro, telefonasse para João Carlos Ferraz para marcar uma reunião; segundo Bumlai, João Carlos Ferraz já estaria sabendo do assunto a ser tratado;
“… Luís Carneiro entrou em contato com João Carlos Ferraz e marcou uma reunião na OSX; essa reunião ocorreu no primeiro semestre de 2011;
“… participaram da reunião o depoente, Luís Carneiro, Bellot e João Carlos Ferraz;
“… o depoente, Luís Carneiro e Bellot falaram da possibilidade de a OSX construir os navios sondas da Sete Brasil;
“… João Carlos Ferraz disse que, nos contratos objeto da tomada de preços que já tinha sido concluída, sem a participação da OSX, ele não tinha mais como mexer;
“… no entanto, João Carlos Ferraz disse que a Sete Brasil tinha a possibilidade de contratar a construção de mais dois navios sondas”.
LONDRES
Neste depoimento, Soares não se refere ao que custou essa nova posição de Ferraz – mas é difícil achar que ele faria tal coisa apenas para contemplar a amizade de Bumlai com Palocci.
No entanto, as dificuldades posteriores parecem sugerir que Ferraz – ou seu grupo ou quem ele representava – não ficou satisfeito com a negociação.
“… com relação à construção desses navios sondas, a empresa construtora ficaria como sócia do navio, e seria necessária uma empresa para operação da sonda, que também seria sócia;
“… o depoente indicou para o pessoal da OSX a empresa Ocean Rig para operação dos navios sondas; disse que iria conversar com o representante da Ocean Rig, que era Hamylton Padilha;
“… levou Hamylton Padilha para uma reunião com o pessoal da OSX; nessa reunião, Hamylton Padilha disse que havia interesse da Ocean Rig no negócio; depois foi feita uma outra reunião com o depoente, o pessoal da OSX, João Carlos Ferraz e Hamylton Padilha; essas primeiras reuniões ocorreram na OSX; depois ocorreram reuniões na Sete Brasil;
“… João Carlos Ferraz passou também a ter reuniões com o pessoal da OSX e da Petrobrás;
“… todo o desenrolar das negociações era repassado pelo depoente para Bumlai;
“… havia um acerto entre o depoente e Bumlai no sentido da divisão da ‘comissão’ devida em razão do negócio; o depoente ficaria com metade e Bumlai com a outra metade da ‘comissão’;
“… inclusive houve uma reunião no exterior, provavelmente em Londres ou Paris, entre João Carlos Ferraz, Hamylton Padilha e o dono da Ocean Rig, um grego, para discutir a participação acionária da Ocean Rig no negócio dos navios sondas;
PESO MAIOR
É nesse momento que Bumlai mostrou quanto valia:
“… em determinado momento, ainda em 2011, o depoente comentou com Bumlai que achava que estavam existindo empecilhos ao fechamento do negócio; disse que achava que era necessária uma providência mais incisiva para concretização da negociação; considerava indispensável ‘um peso maior’ para que o negócio fosse ultimado;
“… Bumlai, diante disso, ficou de acertar uma reunião entre João Carlos Ferraz e o ex-Presidente Lula;
“… essa reunião foi efetivamente realizada em São Paulo, no final do primeiro semestre de 2011;
“… antes dessa reunião, o depoente se encontrou com João Carlos Ferraz e Bumlai;
“… esse encontro ocorreu em um restaurante italiano embaixo de um flat, onde almoçaram; mostrada ao depoente uma foto do Restaurante Tatini, na Rua Batatais, nº 558, no Flat Saint Paul, Jardim Paulista, São Paulo, tem quase certeza de que esse encontro tenha acontecido no referido restaurante;
“… na ocasião, o depoente apresentou João Carlos Ferraz a Bumlai;
“… Bumlai orientou João Carlos Ferraz sobre o que falar a Lula;
“… depois João Carlos Ferraz e Bumlai foram para a reunião com Lula;
“… essa reunião ocorreu no Instituto Lula;
“… o depoente ficou sabendo alguns dias depois do resultado; passou na Sete Brasil e conversou sobre o assunto com João Carlos Ferraz;
“… João Carlos Ferraz disse ao depoente que a reunião com Bumlai e Lula tinha sido muito boa, que Ferraz teria feito uma boa exposição ao ex- Presidente sobre a Sete Brasil, sobre a importância da empresa para a indústria naval brasileira e sobre as dificuldades enfrentadas para colocar os projetos pra frente; disse que Lula foi bastante amável com ele e teria assumido o compromisso de ajudar a dar mais velocidade nos assuntos da Sete Brasil, para viabilizar uma consolidação mais rápida da indústria naval brasileira;
“… o depoente continuou com as tratativas para a construção dos navios sondas da Sete Brasil pela OSX;
“… no decorrer das negociações, Bumlai indagou ao depoente sobre a possibilidade de ser obtido um adiantamento da sua parte na comissão que seria paga pela OSX;
“… o depoente respondeu afirmando que achava isso difícil, porque não tinham contrato assinado, não havia nem sequer definição de valores dessa comissão, e as negociações ainda estavam em curso; nesse contexto, o depoente não se sentia à vontade para solicitar um adiantamento à OSX;
“… nessa reunião Bumlai afirmou que precisava do dinheiro porque estava sendo pressionado para resolver um problema;
“… o depoente perguntou detalhes sobre a situação, para ver se poderia ajudar Bumlai;
“… Bumlai disse que estava sendo cobrado por uma nora do ex-Presidente Lula para pagar uma dívida ou uma parcela de um imóvel;
“… Bumlai não deu detalhes sobre esse imóvel; o depoente perguntou: ‘Mas você está sendo pressionado?’; Bumlai disse que tinha ficado de resolver esse problema;
“… o depoente perguntou o valor dessa dívida ou parcela; Bumlai disse que estava precisando de R$ 3 milhões e perguntou se o depoente poderia ajudar;
“… o depoente respondeu que naquele momento não tinha como dar uma resposta, mas que iria verificar e dar uma definição em seguida;
“… depois, por algumas vezes, Bumlai cobrou uma resposta do depoente;
“… em determinada ocasião, o depoente disse pessoalmente a Bumlai que não poderia ajudar com R$ 3 milhões, mas que poderia contribuir com R$ 2 milhões para resolver o problema;
“… o depoente não chegou a solicitar adiantamento da comissão ao pessoal da OSX; disse que não teria como pagar o valor a Bumlai em espécie; perguntou se Bumlai teria alguma empresa a ser usada para o repasse;
“… Bumlai indicou a empresa São Fernando, de aluguel de equipamentos, para ser feita a operação;
“… uma empresa representada pelo depoente, que lhe devia um valor, fez um pagamento à São Fernando, mediante a emissão de uma nota fiscal fictícia pela São Fernando;
“… acredita que a empresa que efetuou o pagamento seja uma das empresas contratadas para a construção do estaleiro da OSX ou da LLX, outra empresa de Eike Batista; o valor devido ao depoente pela empresa responsável pelo pagamento decorria de alguma comissão;
“… o valor pago não foi o valor exato de R$ 2 milhões de reais, tendo sido provavelmente uma quantia um pouco menor;
“… a contratação da OSX para construção dos navios-sonda da Sete Brasil acabou não ocorrendo;
“… diante da demora para o desfecho do negócio, o depoente chegou a comentar com seu sócio Luís Miguel Fernandes sobre o adiantamento da comissão a Bumlai, de maneira genérica, sem especificar o motivo e a destinação do adiantamento;
“… Bumlai não devolveu ao depoente o valor adiantado;
“… o depoente se compromete a tentar identificar a operação bancária referente aos fatos”.