“Temos o desafio de tratar a ciência como política de Estado. Para isso, vamos lançar uma nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que enfrente e supere os grandes desafios do país”, apontou a nova ministra
Tomou posse numa concorrida solenidade no Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília, nesta segunda-feira (2), a engenheira elétrica Luciana Santos, primeira mulher na história a ser titular da pasta. A posse contou com a presença de outros ministros, de reitores, pesquisadores, professores, parlamentares e servidores da pasta.
Também estavam presentes o atual ministro, Paulo Alvim, que passou o cargo para Luciana, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e a ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Em seu discurso, a ex-deputada, ex-prefeita de Olinda, vice-governadora de Pernambuco e Secretária de Ciência e Tecnologia do estado, presidente nacional do PCdoB e agora ministra, se comprometeu a retomar investimentos em pesquisa e atualizar o valor de bolsas do CNPq e Capes. “Investimentos em pesquisa não podem ser tratados como esmola”, disse ela.
Assista ao discurso de Luciana
Ela criticou o governo anterior dizendo que os recursos do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia tiveram uma redução de 5,5 bilhões de reais para 500 milhões de reais, o que considerou um “apagão do financiamento público”. Segundo ela, a medida provisória que contingencia o orçamento da pasta fará parte do pacote de revogações a ser editado pelo novo governo.
No discurso, ela acenou com a revalorização das universidades como espaço de conhecimento e desenvolvimento. “Não é lugar de balbúrdia”, disse ela. A cerimônia aconteceu às 15h30, no Auditório do MCTI, no Bloco E da Esplanada dos Ministérios.
Luciana também se comprometeu com a recuperação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), a única fábrica de chips semicondutores no Brasil. No governo Bolsonaro, entrou para o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), mas não atraiu compradores e passa por um processo de liquidação – atualmente parado.
Formada em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco, Luciana Santos é presidente nacional do PC do B, partido ao qual está filiada desde 1987. Em 2018, foi eleita vice-governadora do Pernambuco. Foi deputada estadual entre 1997 e 2000, e deputada federal de 2011 a 2018. Comandou a prefeitura de Olinda por 2 mandatos, de 2001 a 2008. Em 2009, fez parte do governo estadual de Eduardo Campos, do PSB, como secretária de Ciência e Tecnologia em 2009.
Leia o discurso de Luciana na íntegra
Senhoras e Senhores.
Com muita honra, recebemos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a missão de cuidar da ciência brasileira.
Ao assumir esse Ministério — posto que já foi brilhantemente exercido por Renato Archer e Hélio Jaguaribe, verdadeiros patronos desta Casa, pelo nosso saudoso Eduardo Campos, por Aldo Rebelo e pelo meu professor e amigo Sérgio Resende –, abraço o compromisso de trabalhar incansavelmente para que a ciência e a tecnologia e a inovação sejam pilares do desenvolvimento nacional.
Atuaremos recompor o orçamento da ciência brasileira. Faremos isso com toda a nossa capacidade de trabalho e de articulação com o Congresso Nacional. Lembro, contudo, que o engajamento da comunidade científica e da sociedade brasileira é decisivo para assegurar recursos públicos para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Trabalharemos ainda pela atualização das bolsas de pesquisa do CNPq e da Capes, que, vinculada ao Ministério da Educação, é essencial na formação de capital humano. As bolsas de pesquisa não podem ser tratadas como esmola, mas como um investimento no futuro do país. Não podemos admitir a evasão de talentos, e nos empenharemos na construção de políticas públicas para atrair o interesse e viabilizar o acesso dos nossos jovens às universidades e institutos de pesquisa, cuidando para que meninas e mulheres tenham seus espaços assegurados nas carreiras científicas e tecnológicas.
A ciência tem o papel precípuo de garantir a autonomia do país, mas o que vimos na pandemia da Covid-19 foi o elevado grau de dependência externa do Brasil de tecnologias e insumos. A corrida mundial por equipamentos e produtos para o tratamento da doença e a fabricação de vacinas gerou uma acirrada disputa entre os países, incluindo as nações mais desenvolvidas.
Nesse sentido, destaco o papel fundamental de duas instituições brasileiras: a Fiocruz e o Instituto Butantan – referências globais em pesquisa e desenvolvimento. Essas duas instituições confirmaram a robustez e a qualidade do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia – um Sistema cujo funcionamento depende, principalmente, do Estado. Lembro que a maioria das pesquisas científicas desenvolvidas no país é empreendida em universidades, centros de pesquisa públicos ou entidades mistas, com participação estatal.
Porém, vivemos recentemente um verdadeiro apagão no financiamento da ciência brasileira. Para se ter uma ideia, os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, principal fonte de financiamento público da ciência, foram reduzidos de 5 bilhões e meio de reais em 2010 para apenas 500 milhões de reais em 2021. São recursos que seriam aplicados no desenvolvimento e na produção de medicamentos e vacinas e em pesquisas sobre tratamento de doenças, como o câncer. Recursos que seriam investidos em ações de inovação e na infraestrutura de institutos que se dedicam, por exemplo, às áreas de energia, petróleo, mobilidade, meio ambiente e tecnologia da informação. Trata-se de uma afronta a legislação aprovada no Congresso Nacional.
Deste modo, a recuperação do Orçamento Federal para a ciência e a execução integral recursos do FNDCT são medidas urgentes imediatas.
Senhoras e Senhores,
Temos o desafio de tratar a ciência como política de Estado. Para isso, vamos lançar uma nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que enfrente e supere os grandes desafios do país. O tempo é de afirmação da ciência e não da sua negação.
Vamos expandir e consolidar o sistema nacional de ciência tecnologia e inovação, combatendo as múltiplas assimetrias que ainda existem em seu interior. Vamos ter foco em programas nacionais que alavanque a capacidade do país em áreas estratégicas, como complexo industrial e tecnológico da saúde, as tecnologias da informação e da comunicação visando a transformação digital do país, transição energética, o programa espacial, o programa nuclear e tecnologias críticas na área da defesa.
Temos de atender às demandas atuais mais urgentes e às políticas social, industrial e do meio ambiente, que serão implementadas pelo governo Lula/Alckmin. Uma Estratégia que reflita as aspirações do Brasil como nação desenvolvida e inclusiva.
Também retomaremos a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, principal instrumento para fortalecer o diálogo com a Academia e o setor empresarial.
Estamos, neste ano, começando um ciclo importante na história do nosso país.
No mundo contemporâneo o desenvolvimento tem a ver com formação, pesquisa, tecnologia e inovação. Precisamos ter a pesquisa cada vez mais enraizada na sociedade, viva nas startups e encubadoras, e pulsantes com a iniciação científica forte nas escolas, no ensino médio e na graduação.
Nesse sentido — como destaquei, exatamente há um ano para o prefácio do livro “História da Física no Recife, por ocasião dos 50 anos do trabalho do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco — o conhecimento é a chave de nossa liberdade. Possibilita empregos de melhor qualidade com maior remuneração, amplia oportunidades e é fator de redução das desigualdades.
Aqui, enfatizo a relevância desse nosso trabalho para a superação das desigualdades sociais, regionais e para a inclusão cidadã. A ciência precisa estar a serviço do nosso povo. De quem mais precisa das políticas públicas e da ação do Estado.
O domínio da ciência é fundamental para tornar competitivas nossas empresas, aumentar a produtividade e a produção de riqueza e nos posicionar com altivez no mundo, combatendo a dependência de tecnologia estrangeira.
Vivemos em uma fase de grandes transformações na sociedade brasileira e também no plano mundial.
Os conflitos bélicos recentes e a pandemia da covid-19, colocaram em xeque as grandes cadeias globais de suprimento, e deixaram em evidência nossas vulnerabilidades externas.
Hoje, mais do que nunca, a noção de soberania, está intrinsecamente associada ao domínio científico e tecnológico. Para consolidarmos o nosso lugar no concerto das Nações em um mundo cada vez mais multipolar, é necessário priorizarmos o avanço da Pesquisa e inovação para a construção de uma sociedade mais justa e ecologicamente sustentável e de uma economia do desenvolvimento.
Entre as prioridades que orientarão o nosso trabalho que se inicia à frente do Ministério quero destacar, ainda, as seguintes diretrizes:
O nosso compromisso com a expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação com redução das assimetrias regionais, a partir de investimentos na infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento pela FINEP (FNDCT) e ampliação do programa de bolsas do CNPq.
Apoiaremos projetos estruturantes de complexos industriais-tecnológicos e de inovação em áreas estratégicas para o desenvolvimento do Brasil, em áreas como saúde, informação e comunicação digital, energia, alimentos e defesa, mobilizando de forma integrada variados instrumentos de apoio e fomento como o crédito, fundos de investimento, subvenção econômica e parcerias entre empresas e instituições de C&T.
Daremos prioridade a estruturação de um programa integrado de desenvolvimento da Amazônia, com foco na biotecnologia e na exploração sustentável da biodiversidade da região.
Retomaremos o programa de satélites de sensoriamento remoto em parceria com a China, viabilizando as missões CBERS 5 e CBERS 6 e a continuidade das atividades de observação e monitoramento por ele sustentados, inclusive na região amazônica.
Queremos estruturar e executar o projeto do Reator Nuclear Multipropósito Brasileiro (RMB).
Além disso, pretendemos fortalecer o Programa Espacial Brasileiro. Dentre os grandes desafios, está o de ter autonomia no acesso ao espaço, por meio de veículos lançadores nacionais, e o de ter autonomia no sistema de geoposicionamento. Para isso, fortaleceremos o sistema de coordenação do programa especial, por meio da AEB, em coordenação do o INPE e a FAB.
Em consonância com o próprio parecer do Tribunal de Contas da União, reverteremos a liquidação do CEITEC, e recomporemos uma política nacional de semicondutores, que defina claramente seu papel e missão.
Dá mesma forma a cooperação internacional estará em nossas prioridades de atuação.
Junto a isto buscaremos estruturar programas de desenvolvimento de tecnologias sociais e assistivas para superar carências, promover direitos e garantir maior integração da sociedade brasileira.
A viabilização e execução desses eixos e projetos demanda a execução integral dos recursos do FNDCT, aspecto que será, como já disse, prioridade em nosso trabalho.
A gestão que se inicia liderada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva tem compromisso com a ciência. Nosso presidente tem um legado simbólico: foi o presidente que mais investiu nas universidade públicas e que mais incentivou as políticas de acesso e permanência no ensino superior, mesmo não tendo um diploma de graduação. É um homem com visão estratégica, que sabe o valor do conhecimento científico e o papel que a CT&I tem na construção de uma Nação soberana, democraticamente forte e próspera.
Em seu discurso de posse ressaltou que “o futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional planejada, em diálogo com o setor produtivo, centro de pesquisas e universidades junto com o MCTI, os bancos públicos estatais, a agência de fomento à pesquisa.”
Muitas das questões e princípios que citei aqui, em linhas gerais, estão tratadas nos eixos apresentados nas diretrizes do Programa de Governo da Coligação Brasil da Esperança, e nas contribuições do GT da Transição. Quero, inclusive, fazer um agradecimento a todas as pessoas que participaram e contribuíram neste Grupo de Trabalho da Transição pelo esforço e trabalho diligente, que resultou em um documento sólido, que nos guiará nos próximos passos.
Os desafios aqui elencados somente serão possíveis de serem materializados com o apoio e a dedicação do corpo de funcionários do Ministério. Quadros de excelência, que tem uma vida dedicada a este trabalho, como Marilyn Peixoto da Silva Nogueira e Roberto Colares Gonsalves, que há 30 anos compõe o quadro deste Ministério. Em nome deles expresso o meu agradecimento e chamado a todos e todas para que possamos construir juntos, um novo momento da ciência, da tecnologia e da inovação no país.
Temos, de fato, uma grande jornada pela frente, mas quero dizer a vocês que estou extremamente motivada e determinada. Se os desafios são imensos, as perspectivas são maiores ainda. Temos um povo talentoso, capaz, criando e construindo experiências as mais diversas em cada recanto desse país. Vamos aproveitá-las.
Vou usar essa motivação e toda a experiência acumulada nos meus anos de gestão pública para – contando com uma equipe de alto nível e profunda experiência na área trabalhando ao meu lado — fazer valer o fato histórico de ser a primeira mulher ministra da CT&I no Brasil.
Essa gestão vai honrar as milhares de mulheres que produzem e pesquisam nesse país, e sua luta por respeito, inclusão e valorização. Vai honrar a luta antirracista e das pessoas negras por espaço nas pós-graduações e no campo de pesquisa. Vai honrar todo esse contingente de pesquisadores e pesquisadoras que se desdobram para seguir aqui, em solo brasileiro, produzindo e construindo a inteligência coletiva nacional.
Quero agradecer a cada um de vocês que está aqui, partilhando esse momento. Agradecer a todo mundo que contribuiu com uma opinião ou avaliação para esse início de gestão. A comunidade acadêmica e de T&I de todo o Brasil, e em especial do meu Pernambuco. Mas quero pedir licença a vocês para fazer um agradecimento especial ao meu partido, o PCdoB, pela confiança para esta função.
E também à minha família. Minha mãe, irmãos, filha, enteados e companheiro. Nós sabemos o quanto essa rede de apoio nos fortalece e permite que possamos nos dedicar ao espaço público e romper as barreiras que historicamente nos reservaram o espaço privado e os bastidores dos espaços de poder e decisão.
Me permitam, ainda, uma homenagem ao meu querido pai, engenheiro eletricista e professor de matemática Milton Santos. Ao ser humano revolucionário e extraordinário que ele foi, pelos ensinamentos e contribuições na minha formação política e pessoal. Devo ao meu pai a base dos valores que me impulsionam, a garra para enfrentar os desafios, não importa de que tamanho sejam, e até mesmo a alegria que busco conservar para fazer tudo isso com um sorriso no rosto!
Meus caros e caras,
A ciência é um substantivo feminino, e tenho a noção da responsabilidade de ser a primeira mulher a ser Ministra de Ciência e Tecnologia e Inovação, espero que este exemplo inspire muitas outras. Assim como nos inspirou, em outros tempos, a figura extraordinária de Bertha Lutz, bióloga e feminista, e a pernambucana Naide Teodósio e como nos inspira atualmente – entre tantas outras mulheres nas mais diversas áreas – a Doutora Jaqueline Goes, biomédica responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV2, apenas 48h após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil.
Temos muito trabalho a fazer. Após quatro anos de negacionismo e retrocesso civilizatório, a ciência volta a ser prioridade. Isso significa olhar a ciência e a tecnologia como ferramentas para geração de valor, de inovação, de soluções para os desafios nacionais, de inclusão social e melhoria da qualidade de vida da população.
Vamos em frente e vamos juntos, que assim se acerta mais. É como se diz, sabiamente, “se temos futuro para a espécie no planeta ameaçado ambientalmente e para uma sociedade com menor iniquidade, isto só será possível com mais e não com menos ciência”
Me permitam encerrar essa saudação com alguns versos do eterno Gonzaguinha:
Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
Sigamos! Muito obrigada