Numa manifestação inédita na PF, o delegado Bruno Calandrini denunciou a seus colegas que as investigações sobre o escândalo de propinas no MEC estavam sofrendo interferência do governo. Ele agora vai para o setor de crimes cibernéticos
A direção da Polícia Federal informou no tarde desta terça-feira (28) que o delegado Bruno Calandrini, responsável pelo inquérito do MEC e que mandou prender o ex-ministro e seus comparsas, foi transferido de função. Ele sai do departamento de investigações especiais, onde estava lotado, e vai para o de crimes cibernéticos. O delegado denunciou em carta a seus pares que a investigação do MEC, conduzida por ele, estava sofrendo interferência e obstrução direta do Palácio do Planalto.
QUEM NÃO DEVE NÃO TEME
A verdadeira operação de guerra de Bolsonaro montada para tentar paralisar as investigações sobre as propinas do MEC só tem um explicação: “quem deve teme”. Ele foi citado duas vezes pelo ex-ministro Milton Ribeiro, preso na semana passada junto com os demais criminosos que atuavam ilegalmente no MEC. A primeira foi para dizer que era de Bolsonaro a ordem para abrigar e atender a todos os pedidos que viessem dos pastores propineiros, Gilmar Santos e Arilton Moura. Este áudio chocou a opinião pública e trouxe o escândalo à luz do dia.
Logo em seguida, diversos prefeitos denunciaram que os dois pastores estavam cobrando propina para liberar as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a que os municípios tinham direito. As propinas deviam ser pagas, segundo os prefeitos, em dinheiro vivo, em ouro e até na compra de bíblias profanadas com fotos do ministro e dos pastores trambiqueiros.
Nesta mesma ocasião, o empresário paulista Edvaldo Brito denunciou à CGU (Corregedoria Geral da União) que Arilton havia cobrado propina de R$ 100 mil para agendar um reunião do ministro com cidades do interior de São Paulo.
O segundo áudio, obtido pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, mostrou o ex-ministro, já fora do governo, conversando com sua sua filha e dizendo que havia recebido um telefonema de Bolsonaro avisando-o que seria preso nos próximos dias e que haveria uma operação de busca e apreensão em sua casa. Quando a filha alertou Ribeiro de que ela estava falando de um celular normal, Ribeiro, diz: “Ah, é? Então nos falamos mais tarde”.
BOLSONARO AVISOU EX-MINISTRO SOBRE OPERAÇÃO SIGILOSA
Segundo a interceptação telefônica feita pela Polícia Federal, em 9 de junho, Ribeiro disse a uma filha que Bolsonaro havia lhe relatado “pressentimento” de que o ex-ministro poderia ser usado para atingir o presidente. Na conversa, Ribeiro também fala da possibilidade de ser alvo de busca e apreensão, como de fato foi, dias depois. Confira!
“Hoje, o presidente me ligou. Ele está com um pressentimento novamente de que podem querer atingi-lo através de mim, sabe?”, disse Ribeiro. Em seguida, o ex-ministro afirma: “Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa, sabe? Bom, isso pode acontecer, se houver indícios, mas não há porquê.” Ou seja, Bolsonaro usou o seu cargo para obter informação privilegiada e praticou o crime de obstrução de Justiça ao avisar um investigado de que ele seria alvo de uma operação sigilosa.
O deputado Israel Batista (PSB-DF), que pediu ao STF para analisar o caso, afirmou que o próprio Ministério Público considerou que “há elementos que indicariam a possibilidade de vazamento das apurações no caso, com possível interferência ilícita por parte de Jair Bolsonaro. Prova disso, é que, segundo veiculado, o MPF requereu o envio de auto circunstanciado ao Supremo apontando indício de interferências ilícitas nas investigações policiais e judiciária”, diz o pedido.
Em suma, há provas fortíssimas de que uma quadrilha se instalou no MEC para extrair propinas de prefeitos e empresários em troca de liberação de verbas do FNDE. Há provas de que os criminosos tinham ligação direta com o ministro da Educação e com Jair Bolsonaro. Só Arilton Moura esteve no Palácio do Planalto mais de 45 vezes. Agora, surge a prova de que Bolsonaro cometeu crime de obstrução de Justiça ao tentar obstruir a operação da Policia Federal.
CÁRMEN LÚCIA VÊ GRAVIDADE NA INTERFERÊNCIA
As provas de irregularidades são tão eloquentes que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (28) que vê “gravidade” na interferência do presidente Jair Bolsonaro nas investigações de corrupção no Ministério da Educação. A ministra enviou para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR) o pedido de validação de abertura de inquérito. “Considerando os termos do relato apresentado e a gravidade do quadro narrado, manifeste-se a Procuradoria-Geral da República”, escreveu Cármen em despacho.
As últimas cartadas dos aliados de Bolsonaro foram a tentativa de impedir a instalação da CPI, inclusive tentando inutilmente retirar assinaturas – o pedido foi entregue com 31 assinaturas, três a mais do que o necessário, cobrando que outras CPIs sejam instaladas na frente da CPI do MEC. Agora, vem a notícia de que Bruno Calandrini foi afastado de sua função.
A PF alega que ele pediu para deixar o cargo antes da operação contra corrupção no Ministério da Educação e que, embora mude de setor, ele seguirá com o inquérito do ex-ministro.
O delegado Bruno Calandrini, chefe do inquérito que apura suposto tráfico de influência no Ministério da Educação e Cultura (MEC), foi exonerado do setor da Polícia Federal responsável por investigar autoridades com foro privilegiado. A troca foi formalizada no dia 16 de junho, antes da operação que prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, de acordo com a PF. Calandrini havia denunciado a colegas da PF, em mensagem interna, que sofreu interferência na execução da operação em que o ex-ministro foi preso.