O vice-presidente do PCdoB e diretor de redação da Hora do Povo, Carlos Lopes, participou do lançamento do livro “Produção versus Rentismo – Trabalhadores e Empresários pela reindustrialização do Brasil”, realizado no último dia 4, no Sindicato dos Engenheiros, e alertou para o risco de estagnação da economia diante da falta de uma política que priorize o crescimento industrial.
Em sua intervenção, Carlos Lopes afirmou que “um país que não tem aumento na produtividade industrial está condenado a se estagnar”.
“Não vai ser o agronegócio que vai tirar o Brasil desse buraco que está e não vão ser a taxas de investimento de 16, 17 ou 18% que vai resolver o nosso problema. Até na época da ditadura, nós chegamos a ter uma taxa de 25% de investimento. Então, é evidente que ou a gente vai por esse caminho, ou o nosso caminho vai ser o do rentismo, o da agiotagem, de tudo isso que nós estamos vendo no momento atual”, sentenciou.
O encontro, organizado pelo organizador do livro, Carlos Pereira, reuniu representantes dos trabalhadores, empresários, economistas e estudantes para debater a retomada da indústria nacional, as políticas de investimentos e os caminhos para o crescimento do país.
A seguir, a íntegra da contribuição de Carlos Lopes para o debate sobre a necessidade de reindustrializar o país:
Aliança entre trabalhadores, empresários nacionais e Estado é determinante para o crescimento
CARLOS LOPES
Agradeço o convite e a honra de estar aqui presente – e falar – no lançamento do livro organizado pelo meu velho e grande amigo, Carlos Pereira, com quem convivi e convivo desde os tempos de estudante na UFRJ.
É uma observação corrente – e, eu diria, que se tornou quase rotineira – a de que o Brasil, depois da Revolução de 30, foi o país capitalista que mais cresceu no mundo, por cinco décadas seguidas.
Por isso mesmo, cabem, aqui, algumas observações.
Quando dizemos que o Brasil foi o país capitalista que mais cresceu, estamos dizendo, ao mesmo tempo, que o capital privado, e, preponderantemente, a iniciativa privada nacional, foi um fator determinante nesse crescimento.
Evidentemente, não estamos pretendendo que os demais fatores, que possibilitaram esse crescimento continuado por 50 anos, não tenham sido determinantes.
Mas essa é exatamente a questão.
A base sociopolítica que edificou o nosso desenvolvimento, a partir de 1930, foi formada por uma aliança entre os trabalhadores, os empresários nacionais e o Estado Nacional.
Lembro aqui, entre os empresários nacionais, os nomes de Roberto Simonsen, fundador da Fiesp e do Ciesp, e Euvaldo Lodi, primeiro presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), fundador do SENAI e do SESI.
Entretanto, a aliança a que nos referimos, característica do que se chamou nacional-desenvolvimentismo, foi interrompida pelo golpe de Estado de 1964 e pela ditadura que se instalou em seguida.
Mas a tentativa do primeiro governo da ditadura, empreendida por Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, de “limpar o terreno” para as empresas estrangeiras, falindo as empresas de capital nacional, que, inconvenientemente para o entreguismo, ocupavam a economia brasileira, foi um fracasso.
É verdade que conseguiram – seguindo o seu mestre, Eugenio Gudin, o mesmo que, no governo Café Filho, após a morte de Getúlio, emitira a famigerada Instrução 113 da Sumoc – arrochar os salários, concentrar a renda, estrangular os gastos públicos e o crédito.
Em suma, transformaram a economia em um inferno para as empresas nacionais, deixando-as sem o mercado que era constituído pelo salário dos trabalhadores, sem as encomendas do Estado e sem financiamento.
É isso o que explica, por exemplo, que, em 1964, as empresas nacionais ocupavam 60% do setor de material elétrico e comunicações, o que caiu para 7,2%, oito anos depois.
Mas essa “limpeza” para que os monopólios privados estrangeiros ocupassem o terreno antes ocupado pelas empresas nacionais, não redundou em crescimento da economia. Pelo contrário, em 1965 a produção industrial caiu 4,7%.
Enquanto isso, e não por coincidência, o salário mínimo real em São Paulo diminuiu 35% nos quatro anos que vão de 1964 a 1968.
E apenas vamos lembrar que as remessas de lucro líquidas para o exterior – isto é, subtraídos os investimentos diretos estrangeiros que entraram no país durante o mesmo período – aumentaram 119,72% em três anos (1964-1967).
Diante desse caos, a ditadura mudou o seu modelo econômico, instalando uma corruptela do nacional-desenvolvimentismo com uma estranha aliança que, marginalizando os trabalhadores, submetidos a um terrível arrocho salarial, era, então, entre o capital estrangeiro, o capital nacional e o Estado.
Obviamente, isso não demorou muito tempo – e a queda da ditadura, apesar do II PND, tornou-se inevitável.
Por quê?
Gostaríamos, aqui, de recorrer a um texto de Celso Furtado, publicado pela primeira vez em 1952, e depois republicado no livro Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, de 1961.
Diz Furtado, nesse texto:
“O teto da taxa de inversões parece haver-se elevado, no Brasil, se compararmos o período de intenso crescimento recente com outras etapas de rápido desenvolvimento que conheceu a economia brasileira, em particular o período compreendido entre 1925 e 1929. A mais elevada taxa de capitalização bruta que conheceu o Brasil, nos anos vinte, foi de 15 por cento em 1927, e, nos anos trinta, 16 por cento em 1937. Ora, em anos recentes essa taxa se situou entre 18 e 20 por cento.
“A essa elevação não será estranho o fato de que a dívida externa e a propriedade por pessoas não-residentes de fatores de produção operando no país diminuíram, em termos relativos, de forma significativa. Os dados disponíveis indicam que as inversões estrangeiras representavam no Brasil, em 1929, 23 por cento do capital reprodutível existente no território nacional, e que essa proporção teria baixado para 7,5 por cento em 1950.
“Para melhor compreender a importância desse fato deve-se ter em conta que o produto territorial de determinado país — no caso o Brasil — divide-se em três partes: uma se destina a satisfazer as necessidades de consumo da população, outra os propósitos de capitalização dos inversionistas, e uma terceira é transferida ao exterior. Se se qualifica como poupança a diferença entre o que se produz dentro do país e o que se consome no mesmo, a capitalização e as transferências ao exterior deverão dividir entre si a parte do produto poupada. Compreende-se, assim, que, quanto maior seja o montante relativo das transferências ao exterior, menor terá que ser a proporção do produto que a economia poderá dedicar às inversões dentro do território nacional. Não se pretende afirmar que as inversões tendam necessariamente a contrair-se quando crescem as transferências ao exterior; pelo contrário: em situação normal umas e outras crescem paralelamente e se contraem também simultaneamente, pois ambas estão determinadas pelo montante dos lucros. Mas, como as transferências ao exterior competem não com o consumo, mas com as inversões, é evidente que o limite máximo da taxa de capitalização será tanto menor quanto maior for a proporção do produto que absorvam aquelas transferências.
“Infelizmente, a escassez de dados sobre a balança de pagamentos, em períodos pretéritos, não nos permite obter o necessário rigor para uma análise desse tipo no caso brasileiro. Contudo, não deixa de ter interesse observar que, mesmo no período 1925-29, que se caracterizou por importantes entradas de capital estrangeiro, foi significativo o saldo positivo da balança comercial brasileira (exportações f.o.b. e importações c.i.f). Esse saldo se elevou, no referido período, a 11,3 por cento do valor das exportações. Como não se acumularam divisas provenientes de exportações, tal saldo revela que a entrada líquida de capitais não foi suficiente para cobrir o serviço do capital estrangeiro existente no país, tendo sido necessário que a economia dedicasse aproximadamente 10 por cento do valor das exportações, para atender àquele serviço.
“Existem fortes indícios de que entraram no país importantes quantidades de capital no período 1925-29, além dos empréstimos públicos. Não fosse essa entrada de capitais, o serviço dos capitais estrangeiros teria pesado ainda mais, dado o elevado nível dos lucros que caracterizou a segunda metade dos anos vinte. É o que se depreende da observação de períodos anteriores, pois nos primeiros dez anos do século o saldo positivo da balança comercial ascendeu a 35 por cento do valor das exportações e, ainda em 1923-24, voltou a alcançar 30 por cento.
“Admitindo que a importância relativa do capital estrangeiro tenha diminuído na proporção que se indicou — isto é, de dois terços, com respeito ao produto territorial — ao intensificarem-se as atividades econômicas em anos recentes, houve evidentemente maior possibilidade de que a taxa de inversão alcançasse mais elevados níveis” (cf. Celso Furtado, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, 3ª ed., Fundo de Cultura, 1965, pp. 107 e segs.).
Independente das decorrências que Celso Furtado tira a partir desses dados, o que temos aqui é um aumento do investimento dentro do país, ao mesmo tempo em que há uma diminuição do investimento estrangeiro. Portanto, o aumento do investimento é devido, sobretudo, ao capital nacional.
Naturalmente, isso não deve nos fazer com que recusemos qualquer aporte de capital estrangeiro. Mas está claro, no texto de Furtado, qual é o principal aporte do investimento na economia brasileira, se queremos que ela se desenvolva, se queremos que ela cresça.
Pois o nosso problema, hoje, se coloca nos mesmos termos. É necessário refazer a aliança que impulsionou a nossa economia durante tantos anos, aquela entre os empresários nacionais, os trabalhadores e o Estado nacional.
Não existe nenhuma racionalidade em permanecer sob o modelo econômico da ditadura – agravado pelo Consenso de Washington e o neoliberalismo – nos dias de hoje, quase 40 anos após a falência política do regime autoritário.
É preciso um novo modelo para a economia brasileira – e, para isso, é necessário levar em conta a rica experiência de nosso passado.
“Produção versus Rentismo” é uma publicação da Editora Página 8. O livro pode ser adquirido no site da editora:
https://www.editorapagina8.com.br/