
Nos dois casos que estão relatados a seguir, fica patente o o objetivo do truculento comportamento da polícia israelense quando de suas ações contra civis palestinos: aterrorizar a população árabe-palestina na tentativa de quebrar a resistência à ocupação, assalto e dano ao povo palestino por parte do governo de Israel, seus ministérios, agências e exército. Um dano que inclui, ao longo dos últimos 72 anos, destruição de aldeias, expulsão de moradores, demolição de residências, prisão em massa, assalto a terras palestinas, cerco dos territórios palestinos com muros e postos de controle, além de leis e normas clara e abusivamente discriminatórias.
Uma agressão a um direito nacional e uma violação a todas as normas que regulam a convivência internacional entre os povos que não poderia ter outra consequência à resistência pelos mais diversos meios. A violência militar e policial é um dos recursos do regime de Israel para, na tentativa que tem se demonstrado vã, dobrar o povo palestino que – pela vontade dos atuais governantes israelenses – já teria deixado de existir. Não conseguem.
A leitura dos dois relatos publicados no dia 23, o primeiro no portal Palestine Post 24, originalmente intitulado “Palestino relata um ataque brutal por cachorro israelense: ‘Sangrei por duas horas’” e o outro, do articulista do jornal Haaretz, Gideon Levi, sob o título: “Tiro da polícia israelense deixou este palestino deficiente. Agora os policiais estão de volta para perturbá-lo”, são dois flagrantes desse terrorismo institucionalizado. Vamos a eles.
N.B.
SANGRANDO
*Um professor de 39 anos, foi selvagemente mordido por um cão militar israelense durante uma razia em sua casa na ocupada Cisjordânia. Aqui contamos sua horrível experiência
“Eu acordei quando ouvi explosões, olhei para a porta de minha casa (localizada na Cisjordânia palestina ocupada) e ela estava destruída por uma bomba das Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês)”, inicia o professor Mabruk Jarrar, de 39 anos, o relato da atrocidade, em seu depoimento gravado em vídeo pela agência de notícias Russia Today (RT).
Enquanto ele reunia sua família em um quarto, escutou diversas outras explosões. Depois que a porta foi derrubada “avançou um cachorro que começou a me atacar e morder o meu ombro. Depois ele começou a morder a minha perna. Eu gritei”.
“Depois de estar sangrando por mais de duas horas e meia eles me levaram ao hospital”, prosseguiu Jarrar.
A selvageria, que deixou Jarrar com necessidade de enxerto de pele, aconteceu no dia 3 de fevereiro, em uma ação na casa de Jarrar, na aldeia de Burkin.
As forças de ocupação israelenses estavam buscando alguém, que, alegam, matou um colono israelense – Rabbi Raziel Shevach.
Durante a razia, os soldados também forçaram a mulher de Jarrar e uma irmã dela (que tem necessidades especiais) a se despirem para revista em seus corpos. Prenderam dois irmãos do professor, um deles ainda está sob custódia.
“Eu considero isso um crime de guerra. Eles atacaram minha casa e assustaram meus filhos e minha mulher”, disse Jarrar.
De acordo com o jornalista Max Blumenthal, o uso de cães de ataque contra palestinos integra uma política já de longa duração.
“Esse caso foi tratado pelos militares israelenses como um tipo de incidente isolado mas, para qualquer um de nós que acompanha a situação na Cisjordânia, está longe de ser um caso raro.
“É parte evidente da política israelense o uso de cães pelas equipes que perpetram razias contra os palestinos”, declarou Blumenthal à agência RT.
Um representante da organização Quebrando o Silêncio, composta de ex-soldados israelenses, também em declaração à RT, disse que “tais casos não são incomuns”.
“Estes cachorros aplicam uma pressão de 1.000 quilos por polegada. Além disso, os soldados israelenses o insultavam”, prosseguiu Blumenthal.
“E agora, o grupo palestino Al-Haq (dedicado à defesa e direitos legais) estão processando não apenas Israel, mas a empresa holandesa Four Winds K9 – que tem fornecido o que ela chama de cães mordedores ao exército de Israel – por violarem as convenções da ONU (Israel) ou companhias operando em zonas de conflito (a empresa holandesa).
Então este é um processo muito significativo e representa uma reação a uma muito mais vasta política daquilo que o jornalista chama de “linchamento por cães”.
*Matéria publicada pelo portal Palestine Post 24
INSOLENTE PERTURBAÇÃO A UM DEFICIENTE
Depois de atirar em Khalil Mahmoud na cabeça em 2015, tornando-o deficiente físico por toda a vida, a Polícia de Fronteira de Israel apareceu em sua casa na semana passada para intimá-lo para interrogatório sem oferecer explicação para isso**

Um jovem homem deambula com ajuda de um andador em sua pequena sala de estar, movendo-se devagar, arrastando seu paralisado pé esquerdo, sua mão direita dependurada. Sua aparência é de cortar o coração. Seu rosto é de uma pessoa assustada. Está distorcido e sua cabeça foi toda costurada. O lado direito é afundado no local onde uma bala entrou em seu crânio, sua boca é contorcida. A fala é lenta e difícil.
Khalil Mahmoud, de 21 anos, vive com seus parentes no bairro cercado de Isawiyah, na Jerusalém Oriental, vizinho ao Monte Scopus. Quatro anos atrás, um policial deste setor do exército atirou na sua cabeça, deixando-o severamente incapacitado. Na quinta-feira, uma grande força de polícia chegou a sua casa para levá-lo preso.
Um sorriso entristecido atravessa seus lábios no momento em que entramos em sua casa esta semana. Seu pai, Ahmed, o acompanha com gentileza até o sofá. A bala na cabeça, a severa incapacitação, a invasão policial em sua casa e a intimação para questionamento a este deficiente, a esta pessoa presa a sua casa, enquanto se negam a esclarecer do que ele é suspeito – tudo é aceito neste lugar com um sorriso e a expressão: É a vontade de Alá.
Ahmed tem 48 anos, é um pintor de paredes, pai de seis filho. Khalil, o segundo mais velho, levou um tiro na cabeça em 9 de outubro de 2015. Ele tinha 17 anos, na época um estudante secundarista. Foi um período em que Isawiyah estava tensa. A tia de Khalil falecera dois dias antes e a família estava recebendo visitas de condolências em um centro social. Naquela noite, seu pai pediu a Khalil para ir até a casa de vizinhos para devolver dinheiro que estes lhe haviam emprestado. Aquela caminhada de cinco minutos selou o destino do jovem. Khalil correu para perto de um confronto entre jovens locais e a unidade de Polícia de Fronteira – um confronto no qual não tomara parte, ele diz hoje, em sua fala amarrada. Ele levou um tiro de rifle M-16, uma bala penetrou no lado direito de seu crânio, onde permanece alojada até hoje.
“A bala está no estacionamento”, ele brinca.
Nos últimos meses, Isawiyah, um bairro atingido pela pobreza e que parece um campo de refugiados, tem sido sistematicamente e quase sem parar submetido a abusos por parte da Policia Distrital de Jerusalém. No caminho para a casa de Mahmoud, que fica na parte superior de uma estreita alameda, um senhor de idade, Kayed Mahmoud, se apoia em um corrimão em luta para subir a ladeira. Duas semanas atrás, como nos foi dito, policiais chegaram a sua casa e o alertaram de que, se qualquer um de sua família fosse pego atirando pedras, perderia sua residência e direitos como morador de Jerusalém. Outro residente, Abd al-Iyan, que está nos seus 50 anos e tem que estar sempre acompanhado de um balão de oxigênio, também foi intimado para questionamento duas semanas atrás. Não está claro o porquê nem qual a finalidade. Esta é a vida em Isawiyah.
Alguns minutos depois de que Khalil levou um tiro, nos conta Ahmed, jovens vieram e contaram o que havia acontecido e disseram que seu filho tinha sido levado para o Hospital Makassed, que também fica na parte leste da cidade. No momento em que Ahmed chegou lá, Khalil já estava na sala de cirurgia. Ele ficaria os próximos quatro meses no hospital e passaria por sete operações. Durante todo aquele período, não se moveu nem falou.
Depois que os médicos em Jerusalém anunciaram que eles não podiam fazer mais nada por Khalil, seu pai o transferiu para um hospital militar na Jordânia, em Amã. Ele foi para lá com outro adolescente, Nahleh, do campo de refugiados de Jalazun, na Cisjordânia, que também tinha sido atingido na cabeça em condições similares.
Ahmed e sua mulher, Maida, acompanharam seu filho até lá, deixando seus outros cinco filhos em Isawiyah aos cuidados dos avós.
Depois de 25 dias no hospital na Jordânia, Khalil falou pela primeira vez depois de ter recebido o tiro. Mas, depois de outros quatro meses, os médicos jordanianos também declararam que não tinham mais o que fazer por ele e o dispensaram.
Um tio que disse conhecer um médico francês prometeu que, através da organização Médicos Sem Fronteiras, Khalil poderia continuar sua reabilitação na França. A família alugou um apartamento em Amã e esperou por três meses para que os acertos acontecessem até que perderam as esperanças e voltaram para Isawiyah. Então, já tinha se passado perto de um ano desde que Khalil fora ferido. (Nahleh, do campo de Jalazun, permaneceu na Jordânia até recentemente).
Khalil mais tarde passou por fisioterapia no Hospital Universitário de Hadassah, no Monte Scopus. Ele tem esperado, há dois anos, por uma cirurgia plástica em outro setor do hospital, no bairro de Ein Karem.
Além de se alimentar, diz seu pai, Khalil não é capaz de fazer nada por si só. Recentemente uma cadeira de rodas, que foi emprestada a ele, por um curto período, pela organização de voluntários, Yad Sarah, para que ele pudesse sair um pouco, foi tomada de volta e agora se torna muito difícil para ele sair de casa. Ainda assim, seu pai, Ahmed, conseguiu levá-lo a Yafo, bairro árabe original da região de Tel Aviv, para ver o mar que tanto ama.
Khalil diz que gostaria de estudar alguma coisa, mas está com dificuldade de encontrar alguma organização com um sistema que possa ajudá-lo.
A Prefeitura de Jerusalém, através do departamento de assistência social, conseguiu para ele um curso de inglês para incapacitados no vizinho bairro de Beit Hanina. Ele passa seus dias assistindo televisão e usando as mídias sociais. À medida que o tempo passa, as antes frequentes visitas de amigos começam a rarear. No mês que vem ele deve voltar a outra rodada de reabilitação.
Na semana passada, na quinta-feira, Khalil estava em casa, como de costume, junto com sua mãe, seu irmão mais velho, Salah, de 23 anos, e seu irmão mais novo, Bakher, que tem 12. O pai deles estava no trabalho. Khalil dormiu até tarde naquele dia, afinal não há razão para levantar pela manhã.
Perto das 11 da manhã, ele nos diz, foi acordado por um barulho no lado de fora da casa. Depois ouviu que batiam na porta, mas pensou que era na casa de algum vizinho.
Bakher abriu a porta. Uma grande força policial – parte deles da Polícia de Israel, outros com uniformes da Polícia de Fronteira – se espalhou pela casa enquanto outros aguardavam do lado de fora. Khalil se viu repentinamente cercado em seu quarto. Eram realmente muitos policiais, disse, “talvez 30”. Havia mais alguns em roupas civis, provavelmente detetives. Os outros usavam capacetes e estavam fortemente armados, como se uma ousada operação contra o inimigo estivesse em curso.
Os “bravos” policiais se espalharam tornando os quartos da casa lotados. Tendo se certificado de quem era Khalil, conduziram uma busca em seu quarto, confiscaram quarto troféus de madeira de oliveira, que Khalil tinha recebido de diversas organizações palestinas como demonstrações de estima e solidariedade pelo seu sofrimento.
Khalil recebeu cópia de um documento: “Informe de busca, sem inclusão de penetração ou busca em materiais de computação”. O que foi confiscado? “Quatro troféus de madeira de tipos diferentes”. Os que assinavam o formulário amarelo: Rotem, Erez, Motti e Tanat. Os confiscadores aparentemente não possuíam sobrenomes.
“Porque Khalil está assim?”, um policial perguntou ao seu irmão Salah que respondeu: “Porque a Polícia de Fronteira atirou nele quatro anos atrás”. O policial disse a Salah que eles iriam prender Khalil. “Como vocês vão prendê-lo?” perguntou o irmão indignado. “Ele não pode andar e mal pode falar!”.
O policial disse que iria ligar aos seus superiores e checar. Saiu para o lado de fora da casa. Quando retornou, anunciou, como se com magnanimidade, que, ao invés de ir preso, estava intimado a comparecer no quarto 4, da famigerada Composição Russa na Jerusalém Oriental (onde são conduzidos interrogatórios de palestinos detidos na Cisjordânia ocupada).
Ele perguntou a Salah se alguém na família teria carteira de habilitação e um carro, caso contrário a polícia viria para levar seu irmão.
Ele entregou um formulário: “Intimação para comparecer diante da Polícia. Quarto 4, Muskubiya (nome árabe para a Composição Russa). Domingo. Referente a: Questionamento. Por favor pergunte pelo capitão Regev e traga sua carteira de identidade”.
Ao final do formulário há um espaço para o carimbo da unidade de polícia que faz a intimação, mas não há carimbo. Nem a patente ou número do policial que subscreve o formulário estão aí, apesar de serem elementos requeridos. Quando os policiais viram que ele não podia vir só e quase não consegue falar, emitiram um formulário idêntico para seu pai. Em nenhum momento esclareceram o motivo pelo qual Khalil estava sendo intimado.
Um porta-voz da Polícia Israelense declarou ao Haaretz esta semana: “O arquivo de investigação está em aberto e, pela natureza das coisas, nós não fornecemos informações sobre investigações em andamento. Nós queremos enfatizar que a Polícia de Israel respeita os direitos dos deficientes e faz um esforço para facilitar as coisas para eles o máximo possível. Ao mesmo tempo, a polícia investiga toda ofensa de forma profunda e ampla com o objetivo de chegar à verdade”.
O porta-voz não deu nenhuma informação referente às suspeições relacionadas a Khalil Mahmoud.
A força policial estava na residência por meia hora, diz Ahmed, acrescentando que ele decidiu que eles não vão comparecer à estação de polícia. Khalil diz, em ritmo muito lento: “Porque eu devo ir para um interrogatório? Eu não fiz nada”. Seu pai acrescenta: “Sim, porque ir?”
Ahmed está convencido de que a tentativa de aprisionamento de seu filho e a intimação contra ele para interrogatório tem a finalidade de mandar uma mensagem geral para o bairro de Isawiyah: Até os deficientes serão presos ou levados para interrogatório. Aparentemente, todos em Isawiyah estão na mira, até um jovem severamente incapacitado que levou um tiro na cabeça com munição viva por policiais e está paralítico por toda a vida.
**Esta segunda parte é uma matéria do jornalista israelense Gideon Levi