Especialistas e técnicos forenses do Paraguai afirmaram na quarta-feira (11) que os restos mortais encontrados na mansão do ex-ditador Alfredo Stroessner, em Cidade do Leste, são de três homens maiores de idade e que um dos crânios foi alvejado à bala.
Segundo o diretor de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça do Paraguai, Rogelio Goiburu, o local é conhecido como a “Casa do Terror” pelo histórico construído por Stroessner ao longo dos 35 anos em que dirigiu com mão de ferro o país (1954 a 1989). “A mansão possivelmente foi não só um lugar onde se faziam torturas, mas também era um cemitério”, ressaltou o pesquisador, o que torna necessário continuar a procura por mais vestígios humanos.
Goiburu informou que o material achado na casa do ditador será encaminhado à Argentina, que tem melhor experiência em extração de perfil genético de ossos, para posteriormente, “ser comparado com o sangue de familiares de desaparecidos nas ditaduras do Paraguai e da Argentina em uma base de dados”.
“Já tínhamos notícias de que algo ocorria aqui, as pessoas haviam comentado que neste lugar se torturava e se ouviam gritos à noite na época da ditadura. Por isso queremos investigar em profundidade para ver se nesta casa se matava pessoas e se estupravam meninas, porque Stroessner era um pedófilo”, acrescentou Goiburu.
Como jornalista, o presidente do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, Aluízio Palmar já publicou denúncias sobre jovens brasileiras que desapareceram induzidas e seduzidas para as festanças promovidas pelo ditador. “Na mansão tem uma suíte e mais três quartos, além da cozinha, três banheiros e sala de estar. No terreno há ainda três guaritas, um grande alojamento com cozinha e dois banheiros. Um túnel liga a mansão ao alojamento. Essa casa era usada pelo ditador quando ele vinha para a fronteira”, informou.
À frente de uma equipe de médicos forenses, Rogelio Goiburu – que é filho de um desaparecido – disse que existe a possibilidade que na casa não só se enterrassem pessoas desaparecidas no Paraguai, mas de outros países da região “no marco da Operação Condor”. Criada e comandada pelos Estados Unidos contra os movimentos nacionalistas e democráticos do Sul do continente, a operação envolveu os serviços de inteligência das ditaduras da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai para perseguir e eliminar opositores.
“Agora vamos ver se encontramos mais ossos aprofundando as escavações”, ressaltou Goiburu, lembrando que há um problema objetivo para o avanço das investigações, uma vez que o Paraguai não garante um “apoio efetivo”. Talvez isso possa ser explicado pelo fato de que o atual presidente, Mario Abdo Benítez, seja filho do secretário pessoal de Stroessner. De uma forma ou de outra, esclareceu, “não temos até o dia de hoje, passados 30 anos do final da ditadura, um orçamento destinado ao nosso trabalho, que é feito porque sentimos que nossa contribuição é fundamental se realmente queremos ter um país democrático”.
Em relação à Operação Condor, revela um informe da Comissão de Verdade e Justiça (CVJ) existe “um número muito significativo de paraguaios desaparecidos no estrangeiro e de estrangeiros desaparecidos no Paraguai”.
REGIME DE HORROR
A Comissão aponta o horror do regime de Stroessner contra qualquer oposicionista: 336 pessoas desaparecidas, 59 vítimas de execuções sumárias, 19.862 detidas de forma arbitrária, 18.772 torturadas e 3.470 forçadas ao exílio. Com testemunhos, denúncias e documentos atualizados pela Direção de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça, a cifra de desaparecidos alcança 459.
Além disso, 99.312 familiares ou pessoas próximas foram atingidas e sofreram pelas detenções, torturas ou tratamentos cruéis. Segundo a Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), 236 crianças e adolescentes foram presos e 17 nasceram na prisão.
Apesar de terríveis, tais números são subestimados, pois há uma enorme subnotificação do exílio e de outras formas de violência, particularmente dos milhares de estupros de mulheres e meninas por militares do alto comando e pelo próprio ditador.
LEONARDO WEXELL SEVERO