A proximidade da realização da COP 30 em Belém do Pará tem colocado algumas dificuldades para que seja realizado um debate mais sereno e mais racional a respeito de quais seriam as posições mais adequadas para o Brasil adotar em relação à exploração do potencial petrolífero da chamada Margem Equatorial da foz do Rio Amazonas. A sensibilidade elevada em razão deste importante encontro das Nações Unidas introduz alguns ingredientes na salada geral em que se transformou a temática da sustentabilidade.
A trigésima edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas deverá ocorrer em plena Amazônia. A decisão do governo brasileiro de hospedar o evento no coração de uma das mais importantes reservas florestais do planeta é fortemente carregada de elevada simbologia política. Por um lado, coloca em evidência a relevância de nosso País como detentor de um bioma e de um território que são fundamentais para qualquer plano mundial de combate aos efeitos devastadores que a ação do ser humano tem proporcionado no meio ambiente. No entanto, por outro lado, o governo atual pode se colocar como vitrine, podendo ser fragilizado nesta controvérsia a respeito da ausência de medidas efetivas para mitigar os efeitos que a sanha tresloucada do capitalismo por lucro a qualquer custo provoca no globo.
O território amazônico concentra um conjunto amplo de fatores em questão no momento atual. Ele mantém a maior área de floresta nativa do mundo, com a impressionante capacidade de absorver gás carbônico e devolver oxigênio para a atmosfera. Ele possui uma reserva de água nos rios e no subsolo, além do fenômeno dos “rios voadores”. A área de dimensão continental abriga um sem-número de espécies animais e vegetais, muitas delas ainda desconhecidas e a grande maioria pouco conhecida e estudada. Por outro lado, ali vivem populações originárias que buscam manter seu estilo de vida de respeito e de admiração pela natureza.
POTENCIAL A SER EXPLORADA COM CAUTELA E PRUDÊNCIA
Ocorre que a opção estratégica adotada pelas nossas elites de abraçar o estímulo ao modelo neocolonial de divisão internacional do trabalho converteu o Brasil, ao longo das últimas décadas, em um grande exportador de “commodities” agrícolas, pecuárias e minerais. Além de contribuir enormemente para o processo de desindustrialização de nossa economia, essa trilha provocou o fortalecimento do agronegócio em todas suas dimensões: política, econômica, tecnológica, cultural, social e ambiental. Dentre outros aspectos devastadores, ganha relevo o ciclo que se inicia com a derrubada ilegal da floresta por meio do desmatamento criminoso, prossegue com a introdução da criação de gado em modo extensivo e finalmente se completa com a chegada da soja como monocultura transgênica.
Este é o coquetel perverso que mais contribui para o aquecimento do planeta e para a destruição do meio ambiente. Para além de todas as adversidades contra a sustentabilidade que o modelo carrega intrinsecamente consigo, o caso brasileiro é ainda marcado pelo uso indiscriminado de trabalho análogo à escravidão, pelo desrespeito aos direitos das populações indígenas e pelo aprofundamento da já imensa concentração de renda e de patrimônio.
O governo brasileiro, assim como a maior parte dos dirigentes de países do chamado sul global, sempre chamou a atenção para a necessidade de os países mais desenvolvidos assumirem suas responsabilidades na mudança de rota. Não há mais dúvidas científicas de que caminhamos para uma catástrofe anunciada, caso nada seja realizado de forma efetiva para alterar o modelo vigente em todas as partes. No entanto, a grande resistência vem justamente de lá. Os chamados países ricos se recusam sistematicamente a contribuir financeiramente para a colocação em marcha de um novo sistema de produção e de um novo modo de vida.
BRASIL NÃO PODE ABRIR MÃO DE FORMA ISOLADA E UNILATERAL
Pois é neste contexto mais amplo que, no dia 20 de outubro, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) resolveu finalmente conceder uma autorização à Petrobras para que a empresa inicie a exploração, em caráter preliminar, do potencial das reservas de petróleo em alto mar, a 500 km da divisa das costas dos estados do Amapá e do Pará. Tal decisão, que envolve um processo que tramita desde 2013 no órgão, foi concluído a apenas 20 dias do início da COP 30. Tal decisão coloca os holofotes todos do encontro internacional sobre as possibilidades abertas com tal permissão da exploração das reservas de óleo no subsolo da região.
A questão, porém, deveria ser analisada também sob o enfoque da soberania nacional. É inegável que existe um valor incomensurável, caso convertido em reservas internacionais, do potencial econômico ali existente e ainda inalcançado pelo ser humano. O mesmo tipo de debate ocorreu em 2006, quando foram anunciadas as primeiras descobertas do Pré Sal. Naquele momento, mais uma vez deu-se a polêmica se o Brasil deveria ou não aproveitar as possibilidades oferecidas pela exploração daquelas novas reservas. O ponto relevante é sabermos qual a melhor opção para o futuro de nosso País. Afinal, nossa participação na produção global de petróleo não é determinante, a ponto de influenciar de forma significativa o ritmo global de tal atividade.
Segundo dados apresentados por instituições que atuam na área, o Brasil participa com cerca de 3% da produção mundial de óleo. Ocorre que esse ramo de atividade é extremamente concentrado. Assim, por exemplo, os 5 maiores países concentram 50% da produção global. Se ampliarmos a lista para as 8 maiores nações, chegaremos a 62% do total. Isso significa que uma postura isolada de nosso País de reduzir unilateralmente a oferta de petróleo não teria o efeito desejado de provocar a necessária diminuição do consumo de tal matéria-prima em termos globais. Sem que seja articulado um movimento envolvendo os maiores exploradores de petróleo, iniciativas autônomas só teriam o efeito de prejudicar economicamente os países que adotarem tal conduta.
O Brasil tem avançado de forma significativa na diversificação de suas fontes de energia, incluindo cada vez mais mecanismos renováveis e que comprometem bastante menos a sustentabilidade e o meio ambiente. Segundo o mais recente relatório do governo para o setor – o Balanço Energético Nacional, alcançamos a marca de 88% de nossa eletricidade originária de fontes renováveis, um índice bastante superior à média global e dos países da OCDE. No que se refere à estratégia de substituição dos derivados de petróleo, o País segue ampliando a oferta de etanol e biodiesel, além do anúncio do compromisso em aumentar o combustível de aviação de origem vegetal (SAF, a sigla em inglês) no lugar do tradicional querosene.
TRANSIÇÃO RUMO ÀS FONTES RENOVÁVEIS E SOBERANIA NACIONAL
Dessa forma, a possibilidade de continuar explorando as reservas petrolíferas se converte em questão de soberania nacional. O modelo deveria ser alterado para que a Petrobrás, na condição de empresa estatal responsável pela atividade, seja a única autorizada a aprofundar essas atividades exploratórias e de pesquisas. Tal procedimento de prudência impediria que as petroleiras estrangeiras possam cometer desastres em razão de sua absoluta falta de compromisso com qualquer projeto nacional de desenvolvimento. Ao colocar sua empresa de economia mista na linha de frente de exploração destas novas reservas, o governo federal se cercaria de cautela para implementar uma ação coordenada com os demais órgãos envolvidos, como o próprio IBAMA e o Ministério Público.
Por outro lado, o modelo deveria recuperar a ideia do Fundo Soberano, a ser constituído a partir dos ganhos e receitas derivadas desta atividade. Esse sistema foi pensado no início do Pré-Sal, mas aos poucos foi sendo desvirtuado em sua concepção original. A partir de sua recriação, este patrimônio financeiro deveria ser utilizado exclusivamente para a geração de recursos na área da educação e da ciência e tecnologia. Os recursos do Fundo Soberano não poderão ser utilizados, em nenhuma hipótese, para custear outros tipos de despesas orçamentárias.
Com certeza a época do anúncio da liberação por parte do IBAMA não foi a mais adequada do ponto de vista da agenda política. Este tipo de decisão contribui para aumentar ainda mais as enormes dificuldades já enfrentadas pelo Brasil como País que hospeda a COP30. Porém, não é possível que a narrativa das entidades ambientalistas seja a única a expressar alguma alternativa para o complexo caso em questão. Existem outras opções que não seja a simples proibição de explorarmos as reservas. Se os países mais ricos se comprometerem com uma agenda viável de respeito à sustentabilidade, o Brasil tem todas as condições de colaborar positivamente para tanto. Mas não podemos abrir mão desse potencial econômico de forma isolada e irresponsável para com as nossas gerações futuras.
* Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.











