Depoimentos de ex-participantes do governo Bolsonaro, que se afastaram dos criminosos, foram fundamentais para mapear a organização golpista comandada de dentro do Palácio do Planalto. Empresários investigados financiam as ações do grupo
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantou na segunda-feira (29) o sigilo sobre sua decisão que autorizou buscas e apreensões de empresários bolsonaristas que, no WhatsApp, defenderam um golpe de Estado no Brasil. O documento de 120 páginas foi produzido pelo juiz Aírton da Veiga, auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele dá detalhes de como funciona o “Gabinete do Ódio” e quem são os seus financiadores.
O relatório destrincha a ação do grupo que, sob as ordens do Palácio do Planalto, espalha as fake news e ameaças contra adversários do atual governo e ministros do STF. Ele foi elaborado em resposta à Polícia Federal que avaliou a operação de busca e apreensão na casa de empresários que, em um grupo de whatsapp, defendiam um golpe de Estado caso o candidato Luiz Inácio Lula da Silva viesse a vencer as próximas eleições.
Leia aqui a íntegra do documento
Segundo o juiz, a ação da Polícia Federal aconteceu “em virtude da presença de fortes indícios e significativas provas apontando para a existência de uma verdadeira ‘organização criminosa’ de forte atuação digital e com núcleos de ‘produção’, de ‘publicação’ de ‘financiamento’ e ‘político’ (…) com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”. Segundo Aírton da Veiga, a operação da PF visava atacar o núcleo de financiamento.
A investigação contou com depoimentos de pessoas que inicialmente participaram do esquema bolsonarista e que, depois, ao tomarem conhecimento das atividades criminosas, se afastaram por discordar dos métodos fascistas adotados pelo grupo palaciano.
DEPOIMENTOS
Foram eles o deputado Nereu Crispim, que foi eleito pelo PSL e hoje está no PSD, o deputado Alexandre Frota que trocou de partido e hoje é filiado ao PSDB e a ex-líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann, que também trocou o PSL pelo PSDB.
Frota disse em depoimento saber da existência de “grupos responsáveis pela criação e disseminação de notícias falsas, ataques e mensagens de ódio a figuras e instituições públicas”. Frota mencionou um grupo que funcionaria na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) no gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos); outro chamado “Carteiro Reaça” organizado pelo deputado estadual Gil Diniz (PL), que foi assessor de imprensa do presidente Jair Bolsonaro quando era deputado federal.
GABINETE DO ÓDIO
Haveria, ainda, segundo Frota, outro grupo chamado “Vapor Waves”, que coordenaria diversas contas nas redes sociais. Segundo Frota, esses grupos seriam coordenados pelo “Gabinete do Ódio” de que fazem parte José Matheus, Felipe Mateus e Tércio Arnaud, assessores presidenciais que trabalham sob a coordenação Felipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República.
Nereu Crispim também descreve em detalhes como funciona a organização criminosa istalada dentro do governo que inicialmente o atacou por ele discordar dos métodos usados pelos bolsonaristas. Crispim, que era um pequeno empresário da área de transporte no Rio Grande do Sul e que entrou para a política por sugestão de Bolsnaro, quando viu o que se passava no interior do governo, se afastou. A partir desta decisão, começou um inferno na vida do parlamentar.
PERSEGUIÇÃO AO DEPUTADO NEREU CRISPIM
O deputado gaúcho começou a ser perseguido e ameaçado pela milicia digital de Bolsonaro. Acusações fabricadas envolviam a vida pessoal do deputado e de sua mulher. Crispim iniciou uma investigação por conta própria e descobriu que as ordens partiam de dentro do Palácio do Planalto e havia uma extensa rede pelo país, bancada com dinheiro público ou com financiamentos de empresários, para atacar desafetos e desestabilizar a democracia.
Em seu depoimento, o deputado Nereu Crispim contou que durante suas investigações obteve muitas informações da advogada da filha de Olavo de Carvalho, que era rompida politicamente com o pai. Segundo Crispim, ela esclareceu muita coisa em relação ao “gabinete do ódio” montado dentro do Planalto. “Aí surgiram os nomes de Sara Winter, Osvaldo Eustáquio, Luciano Hang, Paula Marisa, Allan dos Santos, Paulo Generoso e Tomé Abdusch”, afirmou.
Segundo o deputado, Paula Marisa assumiu o esquema de centralização de produção e disseminação de mentiras e ataques a adversários e às instituições democráticas depois que medidas judiciais foram tomadas contra Allan dos Santos e Paulo Eustáquio. Segundo Crispim, a advogada da filha de Olavo de Carvalho pode dar mais detalhes das ligações de Paula Marisa com Allan dos Santos e Luciano Hang, que teria levado de avião uma quantia milionária para Olavo de Carvalho nos EUA.
O deputado conta também que Paula Marisa participava de reuniões junto com Carla Zambelli e Bia Kicis no Palácio do Alvorada para discutir com a equipe do gabinete do ódio instalada no terceiro andar da sede do governo tendo total autonomia para atuar. A coordenação do gabinete era do vereador Carlos Bolsonaro, que chegou a iniciar a instalação de uma “Abin paralela”. A intenção foi denunciada na época pelo general Santos Cruz, que ainda participava do governo.
AGENTES POLÍTICOS DO GOLPE
CENTRAL PREPARA MATERIAL PARA SER DISSEMINADO
No mesmo dia 17 de dezembro de 2019, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) deu depoimento no mesmo sentido. No dia 5 de fevereiro de 2020, o deputado Heitor Rodrigo Pereira Freire (União-CE) também presta depoimento detalhando a atuação de grupos semelhantes no seu estado, o Ceará. No mesmo dia 17 de dezembro de 2019, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) deu depoimento no mesmo sentido. No dia 5 de fevereiro de 2020, o deputado Heitor Rodrigo Pereira Freire (União-CE) também presta depoimento detalhando a atuação de grupos semelhantes no seu estado, o Ceará.
PERFIS CRIMINOSOS
O documento detalha que, no curso das investigações, foi possível perceber que as ações de ataque eram coordenadas, porque apareciam simultaneamente em diversos sites e perfis.
O juiz que auxilia Alexandre de Moraes aponta, então, os empresários Luciano Hang, Edgar Gomes Corona, Reynaldo Bianchi Junior e Winston Rodrigues Lima como “possíveis responsáveis pelo financiamento de publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo” ao STF. Tais empresários integrariam um grupo denominado de “Brasil 200 Empresarial”.
ARRANJOS ENTRE OS MEMBROS VISAVA ATINGIR MAIS PESSOAS
De acordo ainda com Alexandre Frota, em uma conversa no Aeroporto de Congonhas, em que estavam Bolsonaro e seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), ouviu Carlos dizer que era necessário fazer impulsionamento de postagens.
CARLOS BOLSONARO
O vereador, filho do presidente, falou, então, no empresário Otávio Fakhoury como fonte desse financiamento. Mais tarde, diz Frota, esse empresário “adquiriu ou financiou” a compra de um portal chamado Crítica Nacional, que passou a atuar como “forte disseminador” de fake news e ataques à reputação de adversários. Uma casa no Lago Sul, que então estava ocupada pelo blogueiro Alan do Santos, do Terça Livre, poderia ser “a sede” da milícia de ataques virtuais.
Foram esses indícios que determinaram a ação de busca e apreensão, segundo o juiz. O texto aponta, ainda, as deputadas Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) como integrantes do “núcleo político” da organização.
O documento cita também o relatório da CPI das fake news com a conclusão que o empresário Otávio Oscar Fakhoury comandava o núcleo de financiamento do esquema criminoso conforma gráfico a seguir.
A divulgação das investigações foi necessária para sustentar as operações contra empresários que debatiam a possibilidade de um golpe caso o presidente Jair Bolsonaro perca a eleição.
Na decisão, Moraes diz que “a autoridade policial sustenta, inicialmente, que chegou ao seu conhecimento uma orquestração de pessoas socioeconomicamente ativas (empresários de ramos distintos) no sentido de praticar crimes, dentre eles os tipos previstos nos arts. 288 (associação criminosa) e 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) do Código Penal”.
Frota relata que em determinado momento disseminou-se pelas redes sociais a falsa notícia do impeachment do ministro do STF Gilmar Mendes. “Ao que sabe o depoente, esse trabalho coordenado (…) valeu-se especialmente de contas do Twitter não identificadas, sob os nomes fictícios de ‘Lef Dex’, ‘Os Brasileirinhos’ e ‘Leitadas do Loen’”.
FINANCIADORES
Os empresários golpistas investigados são: Luciano Hang, da Havan – dois endereços em Brusque (SC) e um em Balneário Camboriú (SC) José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan – no Rio de Janeiro Ivan Wrobel, da Construtora W3 – no Rio de Janeiro José Koury, do Barra World Shopping – no Rio de Janeiro Luiz André Tissot, do Grupo Sierra – em Gramado (RS) Meyer Nigri, da Tecnisa – em São Paulo Marco Aurélio Raimundo, da Mormaii – em Garopaba (SC) Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu – em Fortaleza. Todos negam as acusações.
O documento detalha que, no curso das investigações, foi possível perceber que as ações de ataque eram coordenadas, porque apareciam simultaneamente em diversos sites e perfis.
O juiz que auxilia Alexandre de Moraes aponta, então, os empresários Luciano Hang, Edgar Gomes Corona, Reynaldo Bianchi Junior e Winston Rodrigues Lima como “possíveis responsáveis pelo financiamento de publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo” ao STF. Tais empresários integrariam um grupo denominado de “Brasil 200 Empresarial”.
O deputado da oposição, Orlando Silva (PCdoB-SP), que foi relator do projeto contra fake news na Câmara dos Deputados, comentou as denúncias do envolvimento dos empresários no esquema golpista do Planalto. “Alexandre de Moraes tornou público o relatório da PF que embasou as medidas judiciais contra os empresários bolsonaristas. Não eram só conversas de WhatsApp. Eles financiaram divulgação de fake news e os caminhões usados para ameaçar o STF no 7 de Setembro. Cometeram crimes”, observou o parlamentar.