Em parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que sejam suspensos os efeitos da medida provisória editada por Bolsonaro que limita o bloqueio e a remoção de conteúdos falsos, publicados em redes sociais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o STF suspendesse liminarmente a MP. A mesma, apresentada na segunda-feira da semana passada (6), na véspera dos atos de 7 de setembro, foi uma resposta do governo à atuação das principais plataformas da internet e um aceno à militância digital bolsonarista, que tem sido alvo de remoções nas redes sob acusação de propagar conteúdos falsos.
A MP pode permitir a propagação de informações falsas e o discurso de ódio.
“A alteração legal repentina do Marco Civil da Internet pela MP 1.068/2021, com prazo exíguo para adaptação, e previsão de imediata responsabilização pelo descumprimento de seus termos geram insegurança jurídica para as empresas e provedores envolvidos, mormente em matéria com tanta evidência para o convívio social nos dias atuais”, destacou Aras em parecer entregue para embasar a discussão de cinco ações em que partidos políticos pedem que o STF suspenda a MP.
“Aliado a isso, tenha-se em mente que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – denominado ‘Lei das Fake News’ -, que visa a disciplinar matéria abrangida pela medida provisória ora impugnada, sendo prudente que se aguarde a definição sobre os valores contrapostos, após amplo e legítimo debate, na seara apropriada”, diz outro trecho do documento.
Aras quer que a suspensão da medida valha até uma decisão definitiva do STF, quando poderá manter ou invalidar o texto apresentado por Bolsonaro.
PARECER IGNORADO
Ao publicar a MP, o governo ignorou parecer interno que apontava problemas na alteração do Marco Civil da Internet, lei que regulamenta o uso da rede no Brasil. A MP, de acordo com analistas, limita a remoção de fakenews, desinformação e conteúdos de ódio em redes sociais.
Segundo documentos, a Consultoria Jurídica do Ministério do Turismo apontou durante a tramitação interna da MP, ou seja, antes da publicação no “Diário Oficial da União”, que o texto dificultava a moderação pelas redes sociais e poderia estimular a circulação de informações falsas.
A MP está em vigor desde a publicação, mas deve ser votada em no máximo 120 dias pelo Congresso para que continue valendo. Criticada por especialistas e contestada no Supremo Tribunal Federal (STF), a MP corre o risco de ser devolvida ao Palácio do Planalto.
Um parecer dos advogados do Senado deve ser usado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para embasar a devolução do texto ao Planalto. No documento, a Advocacia do Senado aponta que a MP desrespeita os requisitos fundamentais previstos na Constituição, incluindo os de relevância e urgência.
Em 24 de agosto, ao analisar uma redação preliminar da MP, o consultor-jurídico do Ministério do Turismo, Márcio Luís Dutra de Souza, viu problemas nos artigos que tratavam especificamente da “justa causa” para remoção de conteúdo pelas plataformas.
Souza disse que o texto proposto estabelecia “um rol taxativo das hipóteses de justa causa para a ocorrência de moderação”. Assim, as plataformas estariam autorizadas a realizar a ‘moderação’ no âmbito das redes sociais por elas disponibilizadas aos usuários somente nas hipóteses expressamente estabelecidas” pelos artigos.
Com isso, avaliou o consultor jurídico, havia o risco de ofensa ao princípio da livre iniciativa pela imposição em relação à fixação dos termos de uso das plataformas.
“Desse modo, afigura-se juridicamente mais adequado o estabelecimento de opções regulatórias meramente exemplificativas no rol de condutas aplicáveis à moderação/limitação de conteúdo e contas, somada à supressão de qualquer cláusula que iniba as empresas de estabelecerem sua regulação própria de moderação no âmbito de suas plataformas, caso ofendam eventuais termos de uso ou políticas estabelecidos”, conclui Souza.
Outro problema apontado no parecer do consultor tratou da desinformação – especificamente a “ausência do tratamento da questão da desinformação”.
Souza indicou que o texto analisado por ele não possuía proposta regulatória que tratasse da desinformação, o que poderia entrar em conflito com o entendimento do STF de que informações fraudulentas veiculadas de forma massiva não estariam protegidas pelo direito constitucional da liberdade de expressão.
“A veiculação de comando normativo que venha a limitar o eventual crivo das plataformas em relação ao conteúdo produzido por particulares sob o manto da aplicação irrestrita da liberdade de expressão, poderá, eventualmente, estimular à veiculação indiscriminada de notícias falsas, com a produção de desinformação, o que, evidentemente, afronta o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal acima indicado”, disse o consultor jurídico no parecer.
Souza inclusive contraditou outros entendimentos dentro da própria pasta, de que a lista de possíveis “justas causas” para a retirada de conteúdo não impedia o combate à desinformação, apenas tornando-o mais criterioso.
“A fixação de um rol taxativo de hipóteses de justa causa poderá impedir que as plataformas atuem de maneira eficaz para limitar, na forma dos seus termos de uso, conteúdos deliberadamente construídos para veicular notícias falsas ou para gerar desinformação intencional , por consequência, causar danos em razão do abuso de direito configurado”, conclui ele.