Disse isso três dias depois que pastores ligados a ele foram flagrados cobrando propina de prefeitos para liberar verbas do MEC. Luis Ricardo Miranda, o servidor da Saúde que denunciou a propina das vacinas, foi perseguido, exonerado e está fora do país, num esquema de proteção de testemunhas
A piada da semana foi contada por Jair Bolsonaro em seu discurso no evento nacional do PL, ocorrido neste domingo (27), em Brasília. “Acabou a farra com dinheiro público“, disse ele aos presentes. Só não houve risadas na plateia porque quem o fizesse certamente perderia a boquinha que têm no governo. Não se sabe se Milton Ribeiro e os seus fieis “vendilhões do MEC” estavam presentes ou se estavam naquela hora pedindo propinas a prefeitos.
RACHADINHAS E VENDILHÕES DO TEMPLO
Logo em seguida, outra piada saiu da cartola do “mito”. “Todos sabem como nos portamos. Se aparecer, nós colaboraremos para que os fatos sejam elucidados“, afirmou o chefão das rachadinhas e do “orçamento secreto”. Neste caso, Bolsonaro foi preciso. “Se aparecer”, disse ele. A ordem, no entanto é muito clara. Desde que ele assumiu o governo, a determinação de seus agentes é: “não pode aparecer nada”. Os denunciantes têm que ser calados a qualquer custo.
A primeira medida tomada neste sentido foi estourar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), o órgão de fiscalização que descobriu a movimentação criminosa de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz na “rachadinha”. O “faz-tudo” dos bolsonaros, um ex-sargento da PM, movimentou R$ 7,2 milhões entre 2016 e 2018. Os dois lavavam dinheiro roubado da Assembleia Legislativa do Rio e, para isso, usavam funcionários fantasmas e até as milícias do estado.
USO DE MILÍCIAS PARA LAVAR DINHEIRO
Raimunda Magalhães e Danielle da Nóbrega, mãe e ex-mulher de Adriano da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras e da Muzema e também do Escritório do Crime, uma espécie de “Central Geral” usado pelas milícias para assassinatos de aluguel, eram funcionárias fantasmas de Flávio. Segundo o Coaf e o MP-RJ, ao todo, R$ 400 mil foram transferidos por elas para a conta de Queiroz. Bolsonaro iniciou uma perseguição feroz ao Coaf até colocá-lo no terceiro escalão do Banco Central, sem nenhuma condição de fiscalizar mais nada.
Todos se lembram que Bolsonaro iniciou também uma cruzada contra a direção geral da Polícia Federal e, particularmente, contra a superintendência da PF do Rio de Janeiro. O motivo é que a PF do Rio estava no encalço de seu filho, Flávio, na Operação Furna da Onça, que investigava os desvios de verbas na Assembleia Legislativa do Rio. A pressão para aparelhar a instituição foi tanta que nesta ocasião houve até a ruptura entre Bolsonaro e Sérgio Moro, que, na ocasião, era ministro do governo.
A ordem era parar qualquer investigação das falcatruas da família e dos amigos de Bolsonaro. Para isso, o “capitão cloroquina” tomou outra providência. Nomeou Augusto Aras, que não foi escolhido pelos procuradores, como era a norma, para a Procuradoria Geral da República (PGR). Queria repetir o famoso ex-ocupante do cargo, Geraldo Brindeiro, que ficou tristemente conhecido como o Engavetador Geral da República. Aras tem se saído a contento do Planalto.
PERSEGUIÇÕES NA RECEITA FEDERAL
Mas não ficou só nisso. Tinha que calar qualquer um que denunciasse a roubalheira dentro do governo Bolsonaro. Principalmente aquela levada a cabo por integrantes da família. A bola da vez foram os dirigentes da Receita Federal. O órgão havia detectado, com a ajuda do Coaf, irregularidades nas declarações de renda e de bens de Flávio Bolsonaro. Ele estava lavando dinheiro também através da compra e venda de imóveis e de sua loja de fachada, que vendia chocolate em um shopping de luxo na Zona Oeste do Rio.
Iniciou-se a perseguição aos servidores que detectaram os desvios. Usaram até a Abin (Agência de Inteligência do governo) para acusar os servidores da Receita de terem cometido irregularidades. Teriam, segundo a família Bolsonaro, invadido ilegalmente a privacidade dos bens do “zero um” e de sua mulher. Exigiram a exoneração dos funcionários.
“A Receita Federal do Brasil, por intermédio de sua corregedoria e de sua inteligência, em especial, por intermédio de seus escritórios Escor07 e Espei07, vem, rotineiramente, alimentando informalmente os demais órgãos de controle, com dados sensíveis e sigilosos, para, no momento oportuno, investigar os alvos escolhidos e devassados previamente”, afirmou Flávio na petição apresentada pelos advogados.
Apesar de toda a pressão, a investigação do Fisco concluiu pela improcedência das três teses do filho de Bolsonaro. Os investigadores relembraram que a acusação dos auditores-fiscais suspeitos de enriquecimento ilícito não tinha resultado em nenhuma prova de ato ilegal pela corregedoria, apontou que os dados do relatório de inteligência do Coaf não tinha nenhuma informação estranha àquele órgão, e disse que “todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado”, não existindo, portanto, o alegado “manto da invisibilidade”.
DERRUBADA DO CORREGEDOR
Começou então uma violenta pressão por parte de Flávio Bolsonaro e do Planalto para fazer o novo corregedor e contornar a situação desfavorável. Onde já se viu desobedecer o chefe desse jeito. Houve, porém, resistência do secretário-especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que indicou o auditor Guilherme Bibiani para o cargo. O posto ficou vago desde julho, quando encerrou o mandato de três anos do antigo corregedor, José Pereira de Barros Neto.
Em 7 de dezembro, o governo exonerou o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que vinha há meses sofrendo pressão de Flávio Bolsonaro que pressionava Tostes Neto a nomear uma pessoa de sua preferência na corregedoria do órgão. No dia 1º de fevereiro deste ano, o ministro Paulo Guedes (Economia) nomeou como novo corregedor da Receita Federal o auditor-fiscal João José Tafner, simpatizante da família Bolsonaro.
A ordem é calar qualquer denunciante para o Planalto e Bolsonaro poderem repetir a demagogia de que não há corrupção em seu governo. É só perguntar o destino do servidor do Ministério da Saúde que, crédulo na honestidade de Bolsonaro, o procurou, junto com seu irmão, o deputado federal Luiz Miranda, do antigo DEM do DF, para denunciar um esquema de corrupção bilionário na compra de vacinas no Ministério da Saúde. O ingênuo bolsonarista foi exonerado, passou a ser perseguido e hoje está fora do país com sua família num esquema de proteção à testemunhas.
PASTORES E PROPINAS NO MEC
Depois de tentar passar a ideia mentirosa de que não há corrupção, num cinismo proferido três dias depois do escândalo dos pastores pedindo propinas a prefeitos para liberar verbas do Funde Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), Bolsonaro passou a agredir seus adversários. “Essa terra é a nossa terra, esse é o nosso Brasil. O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é uma luta da esquerda contra a direita, é uma luta do bem contra o mal. E nós vamos vencer essa luta porque eu estarei sempre na frente de vocês. Vocês nos fortalecem, nos dão ânimo, nos encorajam a mostrar que esta luta não será em vão”, acrescentou.
O mal para ele é todo mundo que defende a democracia e o bem são suas milícias que pregam a violência para calar a sociedade. O “bem” de Bolsonaro são os recolhedores de propina de seu governo. Ou de fora do governo, mas que mandam mais do que os servidores de carreira.
Em outro trecho do discurso, Bolsonaro, antevendo sua derrota eleitoral, voltou a ameaçar a democracia. Citou uma possível tomada de “decisão contra quem quer que seja”. “Digo que, se para defender a nossa liberdade, para defender nossa democracia, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado e este exército é composto por cada um de vocês. Poderemos até perder umas batalhas, mas não perderemos a guerra por falta de lutar. Vocês sabem do que estou falando, é um momento agora, um misto de alegria, confraternização, e certeza de estarmos pregando aqui para o futuro do nosso Brasil”, disse.
A fala foi interpretada como quem está com muito medo do que vai ocorrer na relação dele com a Justiça depois que perder o cargo.
S.C.