
“Hoje é uma das noites mais importantes e simbólicas de toda minha trajetória. Ser homenageado por uma escola como a Portela é a maior glória que um artista pode alcançar na vida”, afirmou Milton Nascimento, o grande homenageado da Portela e, por que não dizer, um dos grandes homenageados de todo o desfile do Grupo Especial do carnaval carioca 2025.
Embora em termos de espetáculo, beleza e precisão técnica, que, na disputa do desfile das escolas é o que conta para ser ou não campeã, a Grande Rio desponte como favorita, nada se compara à majestosa presença do cantor, compositor e multi-instrumentista Milton Nascimento, aos 82 anos, no alto do carro alegórico fechando o carnaval na Sapucaí.
Pena a Portela ter desperdiçado um enredo por natureza já tão grandioso como Milton Nascimento, não optando simplesmente por contar a trajetória musical de quase sessenta anos do artista, entrelaçada com a história do povo brasileiro e do Brasil nessas últimas décadas.
A decisão por um enredo tortuoso, com uma concepção sem foco no artista, sua obra, o contexto em que foi criada e o que ela representou e ainda representa para a cultura brasileira, acabou fazendo com que a escola se perdesse em uma história mirabolante de uma procissão que “saía de Madureira para chegar até Três Pontas”, no interior de Minas Gerais, onde o artista foi criado, apenas fazendo alusões com palavras soltas das letras de suas músicas.
Simplesmente falar sobre suas músicas e sua carreira já seria suficiente para brilhar em várias Sapucaís.
O “Clube da Esquina”, a canção “Travessia”, com Fernando Brant; os festivais de canções – palcos de um turbilhão de criatividade musical que marcaram uma das gerações mais ricas da Música Popular Brasileira; suas composições virando hinos na boca da juventude que resistia à ditadura; A América do Sul, as parcerias e encontros com alguns dos grandes nomes da nossa música e da música internacional como Mercedes Sosa, Paul Simon, Sarah Vaughan, Quincy Jones, e tantos outros.
Sua voz inigualável na interpretação de “Coração de Estudante”, de Wagner Tiso, que se tornaria o Hino das Diretas Já.
Mas quase nada de tudo isto se mostrou na avenida, com uma única e importante ressalva, a canção “Maria, Maria”, entoada por toda a arquibancada no ‘esquenta’ da bateria antes de entrar na avenida. As Marias, do imaginário do nosso povo, e a Maria do Carmo – a empregada doméstica, mãe solteira que o criou até morrer de tuberculose e o deixou, aos dois anos, aos cuidados da avó, outra empregada doméstica, viúva… que o criou até ser adotado por outra família –, esta sim, ou melhor, estas sim, as Marias, estiveram muito bem representadas pela escola na Ala das Baianas.
De qualquer forma, vale um grande aplauso para a Portela, só pela escolha do homenageado.
ANA LÚCIA