“Privatizar os Correios é um erro, principalmente por ser uma empresa estratégica para logística, integração e comunicação digital. Além do mais, é lucrativo”, afirma o economista Uallace Moreira, em artigo que reproduzimos a seguir, pela importância do tema e pela tentativa do governo Bolsonaro em se desfazer de um patrimônio lucrativo e muito respeitado pelo povo brasileiro.
Privatização dos Correios: por que a raiva com empresas públicas?
Por Uallace Moreira*
Privatizar os Correios é um erro, principalmente por ser uma empresa estratégica para logística, integração e comunicação digital. Além do mais, é lucrativo. “Correios devem ter lucro bilionário no ano de 2020″, essa foi uma reportagem do Jornal Valor Econômico, mostrando o lucro da empresa desde 2017. É importante deixar em evidência as mentiras para privatizar os Correios. Por exemplo, espalharam a falácia de que a empresa teve nos últimos anos prejuízo econômico. Em 2018 a empresa registrou lucro de R$ 161 milhões e de R$ 667,3 milhões em 2017, apesar da crise enfrentada pelo Brasil. Em 2019, o lucro foi de R$ 102,1 milhões e em 2020 a projeção era de lucro de R$ 836,5 milhões. O que não contam: a privatização dos Correios levará a aumento no preço de fretes. Querem demitir 70 mil funcionários, ou seja, 70% dos trabalhadores da empresa, em um país onde o desemprego já alcança uma situação extremamente grave. Sobre os anos dos prejuízos, Marcos Cesar Alves da Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios, afirma que “A partir de 2010, o governo começou a retirar dividendos muito acima do lucro anual da própria empresa, enxugou o caixa da empresa. A empresa chegou a ter R$ 7 bilhões no caixa”. Ou seja, houve um processo, deliberado, de desmonte da empresa. Em seguida, “entre 2012 e 2013 por razões eleitorais o governo segurou o reajuste das tarifas postais, e nós perdemos mais ou menos R$ 1,2 bilhão em receitas”. Sempre é assim: para vender uma estatal, promove-se um processo de desinvestimento da empresa, fragilizando e precarizando seus serviços para depois legitimar o discurso de privatização, de entrega de uma empresa estratégica.
É relevante levar em consideração as experiências de dois países que privatizaram seus serviços de correios. No caso de Portugal, todos os indicadores de qualidade do serviço postal pioraram. Desde 2012 a evolução dos CTT foi de queda em termos de negócios e queda nos níveis de qualidade do serviço. Com as privatizações dos correios em Portugal, o serviço ficou pior e mais caro. Mas o pagamento dos dividendos para os acionistas só se elevou. Ou seja, é a dinâmica da redução dos custos, aumento do lucro e a sociedade que se exploda. E o mais curioso: com queda da rentabilidade da empresa. Mas o setor privado não é mais eficiente do que a estatal? Parece que os indicadores, no caso de Portugal, dizem o contrário. Mas é importante notar que embora tenha havido a queda de rentabilidade e piora na qualidade dos serviços, manteve-se a lógica de distribuição dividendos para acionistas. Na Inglaterra, 5 anos desde a privatização do Royal Mail, as consequências estão sendo sentidas mais do que nunca, com péssimo serviços e custos mais elevados. Mas com lucros distribuídos/dividendos para os acionistas do “mercado”. Mais de £ 700 milhões foram pagos em dividendos a acionistas privados desde a privatização da empresa em 2013. O Royal Mail, como único provedor de serviços universais do Reino Unido, é obrigado por lei a garantir que o serviço esteja disponível para todos em todo o país. No entanto, novos dados mostram um aumento de 51% nas reclamações dos consumidores sobre o desaparecimento de pacotes.
Essa experiência brasileira com resultados negativos das privatizações está inserida em um movimento de reestatizações que vem acontecendo no mundo entre 2000 e 2017, de acordo com estudo publicado pelo Transnational Institute (TNI). De acordo com o estudo, desde 2000, aproximadamente 884 serviços foram reestatizados no mundo. As reestatizações aconteceram com destaque em 5 países centrais do capitalismo: Alemanha (348 reestatizações), França (152 reestatizações), EUA (67 reestatizações), Reino Unido (65 reestatizações) e Espanha (56 reestatizações). Reestatização é um movimento em que o estado reassume as empresas que antes foram privatizadas. De acordo com o estudo, o processo de reestatização ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins, em detrimento do bem-estar da população dos respectivos países. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas habitacionais e funerárias. O processo de privatização dos correios é um verdadeiro atentado contra os interesses nacionais, principalmente considerando seu papel essencial de logística, integração e a sua infra estrutura existente, que garante vantagem competitiva para a empresa. Tudo isso corre sério risco de ser destruído.
Fontes:
https://rib.ind.br/riscos-economicos-da-privatizacao-dos-correios/
https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/privatizacao-dos-correios-levara-a-aumento-no-preco-de-fretes-diz-benevides/
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/11/25/correios-devem-ter-lucro-bilionario-no-ano.ghtml
https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/12-graficos-que-mostram-a-evolucao-dos-ctt-desde-a-privatizacao
https://www.dinheirovivo.pt/empresas/ctt-falham-todos-os-indicadores-de-qualidade-do-servico-postal-12691422.html
https://www.bnews.com.br/artigo/895,o-contrassenso-da-proposta-de-privatizacao-do-governo-bolsonaro-a-reestatizacao-das-empresas-na-economia-mundial.htmlProfessor de Economia – Universidade Federal da Bahia (UFBA)
*Uallace Moreira é economista e Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O artigo foi reproduzido do site do economista Paulo Gala, Mestre e Doutor em Economia EESP/FGVhttps://www.paulogala.com.br/privatizacao-dos-correios-por-que-a-raiva-com-empresas-publicas/