
Com o país crescendo, produzindo e a vida do povo melhorando, tudo ficaria mais fácil
Em palestra realizada na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, na sexta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumentou que “a desigualdade tem que ser corrigida com o ajuste fiscal”. Ele destacou que, se não for assim, “depois a desigualdade será maior”.
EQUILÍBRIO FISCAL
Ou seja, na opinião do ministro, as coisas só melhoram se as contas públicas estiverem equilibradas. Uma tese que não se confirmou em nenhum momento na história do Brasil e também em nenhum lugar do mundo. E o mais interessante é que o próprio ministro admitiu isso, durante a palestra. “Historicamente, ajuste fiscal é sinônimo de supressão de direitos no Brasil“, disse ele. É verdade. O ministro Haddad tem toda razão.
Desde Joaquim Murtinho, na República Velha, passando pela ditadura antinacional implantada em 1964 e, depois, por toda a era neoliberal, ajuste fiscal é sinônimo de arrocho sobre o povo, desvios bilionários para as elites e estagnação econômica. Ela sempre serviu para contrair os investimentos produtivos do Estado e cortar as despesas com o povo. Tudo para desviar religiosamente os recursos públicos para os poderosos de plantão e os setores parasitários da sociedade.
Na época do café, quando o Brasil ainda era um fazendão, o mantra de que só se pode gastar o que se arrecada, era desmoralizado com a compra sistemática e bilionária, pelo governo, de quase toda a produção encalhada de café. O latifúndio não podia ter prejuízo. O governo não tinha os recursos, mas se endividava cinicamente com os banqueiros ingleses, em nome de todo o país, para cumprir a “missão” de salvar a lavoura dos coronéis.
Já para os serviços públicos, para melhorar a vida do povo ou para industrializar o país, não havia um tostão. Aí o equilíbrio fiscal era rigoroso. Só pode gastar o que se arrecada. Não pode haver “desequilíbrio fiscal”, bradavam os produtores de café e os banqueiros, principalmente os ingleses. Hoje o país se endivida cada vez mais para pagar juros e mais juros.
MANTRA NEOLIBERAL
Durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso o país seguiu ouvindo que era preciso cortar gastos públicos, a começar pela Previdência Social – e assim foi feito -, arrochar salários, reduzir direitos sociais e vender as estatais para “equilibrar as contas públicas”. Foram vendidas dezenas de empresas públicas, atacou-se o direito à aposentadoria, o desemprego aumentou, as indústrias fecharam e os salários foram achatados. E o que aconteceu com o país? O país se desindustrializou e as contas públicas continuaram desequilibradas.
Não há porque continuar seguindo a farsa dos financistas e os dogmas ultrapassados do neoliberalismo. Eles já comprovaram que só beneficiam os setores parasitários da sociedade. O arrocho fiscal e a política de juros altos estão arrasando a economia do país. Nenhum programa compensatório, por melhor que seja, consegue conter a deterioração social causada por esta política econômica. O “ajuste fiscal”, por mais que se diga o contrário, é sinônimo de enriquecimento cada vez maior de uma elite minúscula e o empobrecimento cada vez maior da grande maioria da população.
Desde as polêmicas de Getúlio Vargas com os próceres positivistas, no final da década de 1920, que ficou estabelecido que só se consegue um equilíbrio saudável das contas públicas com o crescimento econômico e o desenvolvimento. Foi derrotada a falsa tese dos banqueiros e produtores de café, de que só depois de saneadas as contas, poderia haver crescimento da economia.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Desde que essas teses esdrúxulas voltaram a ser aplicadas no Brasil, a partir do final da década de 1980, o país vem sofrendo – com pequenos lapsos de resistência – um processo de decadência econômica, de empobrecimento e desindustrialização. Direitos sociais foram abolidos, as relações de trabalho se deterioraram e a miséria explodiu.
A atual politica fiscal está asfixiando o país e o setor produtivo e propiciando que a elite possuidora de títulos públicos desviem R$ 1 trilhão todos os anos do Orçamento da União. Essa soma gigantesca, destinada a algumas dezenas de milhares de pessoas, é maior do que os orçamentos da Educação, da Saúde e da Assistência Social somados.
A ditadura fiscal, atualmente em vigor, é um mecanismo extremamente concentrador da renda. Não há justificativa em se argumentar que se não houver ajustes fiscais, haverá mais miséria. A vida mostra que é exatamente o contrário. Quanto mais ajustes fiscais, mais o país empobrece.
MUDAR POLÍTICA ECONÔMICA
Em suma, há que se mudar com urgência os rumos da atual política econômica. O Estado precisa canalizar os seus recursos para a produção, para os serviços públicos e o crescimento. Orçamento público, estatais e bancos públicos devem puxar o conjunto a economia e não alimentar a sanha voraz da especulação financeira.
Um país com juros reais de 10%, e que transfere R$ 1 trilhão anualmente aos bancos, inviabiliza completamente a produção e o crescimento sustentável. O máximo que se consegue nestas condições são pequenos e fugazes “voos de galinha”.
E, por mais que seja justo e necessário taxar os de cima – que pagam proporcionalmente muito menos impostos – não há elevações de impostos que resolvam a drenagem brutal de recursos para a agiotagem proporcionada pelas atuais taxas de juros. É um verdadeiro “dinheiroduto” sangrando o país. É urgente estancar essa sangria desatada.
A justiça tributária deve se feita simultaneamente com a redução drástica dos juros básicos da economia e com o crescimento da produção. Com uma política monetária mais decente e mais compatível com a produção, a capacidade de arrecadação e de investimento público se robustecem, e isso dará ao governo Lula a autoridade e a força política necessárias para realizar o crescimento e a tão necessária justiça tributária no Brasil.
SÉRGIO CRUZ