
“A CPI, sem objeto determinado, realizou diversas sessões em seis meses de atuação, sem apresentar o contraditório, com um relator sem legitimidade, acusado de liderar um esquema de contrabando para os Estados Unidos e Europa de madeira extraída ilegalmente na Amazônia”, diz um trecho do comunicado do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), sobre o relatório final apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito, que tenta incriminar o movimento.
O deputado federal, o bolsonarista Ricardo Salles (PL-SP), que se tornou réu na Justiça Federal por corrupção passiva, associação criminosa, facilitação ao contrabando, advocacia administrativa e obstrução à fiscalização ambiental, apresentou nesta quinta-feira (21) o relatório final produzido após quatro meses de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Relator da CPI instalada em maio deste ano, Salles defende, no texto, o indiciamento de 11 pessoas – a maioria, dirigentes do MST. Nomes como o do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias; e José Rainha, ex-líder do MST que atualmente coordena a Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL), também constam na lista.
“O MST destaca que o conjunto de denúncias sinalizadas no documento são frágeis, mal escritas, obtidas a partir de provas suspeitas, repletas de devaneios bolsonaristas. Reafirma uma perspectiva de criminalização contra a luta pela terra no Brasil”, continua o comunicado.
O relatório de Salles será votado pelos integrantes da Comissão na próxima terça-feira (26). A expectativa, entretanto, é que o texto seja rejeitado. Isso porque ao longo dos trabalhos da CPI, que teve início com maioria bolsonarista e ruralista, a bancada governista e pró-MST aumentou e as sessões da comissão, dia a dia, foram caindo em descrédito.
Além disso, durante os trabalhos da comissão, três pedidos de requerimento que tornariam públicas informações sobre a dívida ativa, financiamento e multas ambientais de empresas ligadas ao agronegócio foram rejeitados, o que evidenciou a falta de compromisso dos membros da oposição. Os pedidos partiram de deputados da base do governo, minoria na comissão. Maioria, os bolsonaristas atuaram para garantir que esses dados não se tornem públicos.
O requerimento 40/2023 pedia ao “Ministro de Estado da Fazenda, Senhor Fernando Haddad, informações sobre os valores inscritos na Dívida Ativa da União – DAU, relativas a créditos concedidos no âmbito do Sistema Nacional e Crédito Rural-SNCR, e os relativos a dívidas tributárias” e foi rejeitado.
Outra solicitação dos governistas negada pelos bolsonaristas, o requerimento 41/2023, solicitava ao “Sr. Ministro de Estado da Agricultura, cópia, capa a capa, em meio dos convênios e outros instrumentos, no período de 2018 a 2022, que tiveram como objeto a liberação de recursos públicos para a realização de eventos, nacionais e internacionais, do agronegócio.”
O requerimento 42/2023 – também rejeitado – solicitava “à Ministra de Estado do Meio Ambiente, as seguintes informações e respectivas cópias, em meio eletrônico, dos processos administrativos de concessão de cancelamento, revogação e/ou anistia de infrações e multas ambientais no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2022.”
O último, o requerimento 42/2023 – também recusado – pleiteava “à Ministra de Estado do Meio Ambiente, as seguintes informações e respectivas cópias, em meio eletrônico, dos processos administrativos de concessão de cancelamento, revogação e/ou anistia de infrações e multas ambientais no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2022.”
“Por que o medo que a oposição saiba informações do Ministério da Fazenda, relativo a créditos conseguidos no ambiente do Sistema Nacional de Crédito? Por que o medo de saber do Ministério da Agricultura sobre a liberação de crédito para financiamento de eventos do agronegócio?”, questionou o deputado federal Paulão (PT-PA).
Durante as sessões da CPI, também houve ataques e desrespeito a deputadas, como no caso de Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que teve o microfone cortado por mais de uma vez por Salles e por outros deputados da boiada bolsonarista quando tentava fazer denúncias.
INVASÃO DE RESIDÊNCIAS
Outro fato esdrúxulo ocorrido no decorrer dos trabalhos, foi a ida de uma comissão de deputados pró-Bolsonaro ao Pontal do Paranapanema, interior de São Paulo e berço de assentamentos do MST, em plena segunda-feira laboral, resultando na invasão das casas das pessoas – inclusive filmando com celulares o interior das residências, numa total violação do direito à privacidade.
Em uma gravação, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) aparece acompanhando a visita, reforçando que os deputados não podem “invadir a residência dos trabalhadores”. O presidente da CPI do MST, por sua vez, retruca que a “instrução processual” é dada por Salles, e o relator acrescenta: “Isso não é uma residência”. Uma clara ironia e desrespeito ao fato de que algumas das residências violadas eram barracos protegidos por lonas.
“RÉULATOR”
O MST repudia os pedidos de indiciamento de representantes do movimento. “É uma forma de intimidação e perseguição”. “Repudiamos os pedidos de indiciamento contra os trabalhadores e as trabalhadoras Rurais Sem Terra citados no documento. Essa manobra é uma forma de intimidação e perseguição contra as lideranças do MST que lutam pela Reforma Agrária Popular”.
“Salles ataca lutadoras e lutadores reconhecidos historicamente em seus estados por combaterem as desigualdades sociais no campo brasileiro. Não aceitaremos esse tipo de perseguição”, continua o documento.
“Salles, o ‘réulator”, ao apresentar o relatório é visível o seu isolamento político e a tentativa de posicionar acusações no grito, ignorando totalmente os fatos e a realidade. As cenas finais desta CPI são melancólicas e nem deveria ter começado”, alfinetou o movimento.
“Em um país, onde brasileiros e brasileiras ainda passam fome e a concentração de terra ainda é uma realidade, apontamos a luta pela terra e da Reforma Agrária como medidas centrais para se discutir um projeto político para o campo, enfrentando os reais problemas do povo e garantindo o direito de viver e produzir alimentos saudáveis”, finalizou o texto do MST.
A votação do relatório final do réu Ricardo Salles foi adiada para a próxima semana, após um pedido coletivo de vista. Partidos progressistas avaliam apresentar um relatório paralelo da CPI.