Sergei Lavrov denunciou que certos países usam da “chantagem política à força bruta” para manter seu autoproclamado status de “líderes mundiais”. O chinês Wang Yi exigiu o devido respeito à Carta da ONU
A tentativa de impor ao resto do mundo seus ditames – indisfarçavelmente expressada, em que pesem as risadas – pelo presidente Donald Trump na 73ª Assembleia Geral da ONU, foram respondidas exemplarmente pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, e pelo chanceler chinês, Wang Yi, que se manifestaram em favor do multilateralismo, do diálogo, da paz, da soberania, da não intervenção e da Carta da ONU e repudiaram os atropelos à lei internacional.
Em seu pronunciamento na abertura, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, já havia rechaçado o unilateralismo e o caos nas relações internacionais. A 73ª Assembleia Geral foi concluída nesta segunda-feira (1), com a presidente, a equatoriana María Fernanda Espinosa Garcés, saudando a quase unanimidade sobre o “papel insubstituível da ONU”.
“Somos testemunhas de uma colisão de duas tendências opostas” no cenário mundial, assinalou Lavrov. “Por um lado, os princípios policêntricos da ordem mundial estão se fortalecendo e novos centros de crescimento econômico estão tomando forma. Nações se esforçam para preservar sua soberania e escolher os modelos de desenvolvimento consistentes com sua identidade étnica, cultural e religiosa”, ressaltou o ministro russo. “Por outro lado, vemos o desejo de uma série de estados ocidentais de manter seu autoproclamado status de “líderes mundiais” e de frear o movimento irreversível em direção à multipolaridade”. Para este fim – denunciou -, “vale tudo, incluindo chantagem política, pressão econômica e força bruta”.
Lavrov advertiu que “tais ações ilegais desvalorizam o direito internacional, que está na base da ordem mundial do pós-guerra” e se referiu aos que não só questionam “a força legal dos tratados internacionais” mas ainda declaram “a prioridade das abordagens unilaterais sobre as resoluções da ONU”. Ele afirmou que “estão sob ataque” os princípios básicos de solução do Oriente Médio, o Acordo Nuclear com o Irã, os compromissos no âmbito da OMC e o Acordo multilateral sobre o clima.
O chanceler russo acusou os ‘colegas ocidentais’ de buscarem “substituir o Estado de Direito nos assuntos internacionais por uma ‘ordem baseada em regras’ – compostas de acordo com a conveniência política, num caso claro de duplo padrão”.
“Acusações injustificadas de interferência nos assuntos internos de determinados países são feitas enquanto se engajam simultaneamente em uma campanha aberta para minar e derrubar governos democraticamente eleitos”, afirmou Lavrov. Buscam atrair “certos países para alianças militares construídas para atender às suas próprias necessidades, contra a vontade do povo desses países”, enquanto “ameaçam outros estados com punição por exercerem a liberdade de escolha de seus parceiros e aliados”, acrescentou.
Por sua vez, o chanceler chinês, Wang Yi, repudiou os “ataques” ao multilateralismo e à Carta da ONU. “Devemos ficar comprometidos com o multilateralismo ou deixar o unilateralismo prevalecer?”, questionou. “Devemos buscar manter a arquitetura da ordem mundial ou permitir que seja erodida até o colapso?”, acrescentou. “Estas são questões de importância crítica que surgem no futuro de todos os países e no destino da espécie humana, questões que todos os países devem refletir cuidadosamente e buscar responder”.
O representante chinês manifestou o compromisso da China com a Carta da ONU, a não intervenção e o diálogo e advertiu contra “mentalidades soma-zero e o unilateralismo”.
As “ambições egoístas de um grupo restrito de países” foram denunciadas por Lavrov, que denunciou “o alto preço” que isso está custando à comunidade internacional. Com a diplomacia e o compromisso “sendo substituídos por ditames e sanções externas e unilaterais decretadas sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU”.
Lavrov rechaçou os “veredictos sem julgamento ou investigação” e atribuições de culpa por parte dos “colegas ocidentais” com base em “altamente provável”. “Já passamos por isso. Lembramos bem quantas vezes falsos pretextos foram usados para justificar intervenções e guerras, como na Iugoslávia em 1999, no Iraque em 2003 e na Líbia em 2011”, sublinhou. “Agora, os mesmos métodos estão sendo usados contra a Síria”, denunciou, apontando o ataque com mísseis de abril.
Lavrov denunciou que a tentativa fracassada de usar extremistas para mudar de fora o regime sírio “quase levou ao colapso do país e ao surgimento de um califado terrorista em seu lugar”. Ele afirmou que foi a ação ousada da Rússia em resposta ao pedido do governo sírio, apoiado diplomaticamente pelo processo de Astana, que “ajudou a evitar esse cenário destrutivo”. Ele enfatizou que é “inaceitável ignorar o prolongado problema palestino” e alertou contra “as abordagens unilaterais e tentativas de monopolizar o processo de paz”.
“MUNIQUE:1938”
A seguir, Lavrov chamou a todos a não repetirem os erros do passado e assinalou que “este ano é o 80 º aniversário do Acordo de Munique, que coroou o criminoso apaziguamento do Terceiro Reich e serve como um triste exemplo das consequências desastrosas que podem resultar do egoísmo nacional, desrespeito ao direito internacional e busca de soluções em detrimento de outros”. Ele denunciou que hoje em muitos países há uma campanha crescente para reescrever a história – como ocorre com o atual governo da Ucrânia, que glorifica criminosos que lutaram sob as bandeiras da SS – e exigiu a implementação do Protocolo de Minsk.
O chanceler russo congratulou-se com os desenvolvimentos positivos na Península coreana e advertiu que a falta de progresso na ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes e no estabelecimento de uma zona livre de armas de destruição em massa no Oriente Médio foi agravada pela retirada unilateral dos EUA do JCPOA, violando a Resolução 2231, apesar “de o Irã estar totalmente em conformidade”.
Lavrov ressaltou a “relevância da ONU” sob as atuais “circunstâncias turbulentas”, como o “único fórum existente para superar diferenças e coordenar as atividades da comunidade internacional”. “Diktats e coerção, tão típicos da era colonial, devem ser de uma vez por todas jogados na lata de cinzas da história”. “Tenho a esperança de que a cultura do diálogo e do respeito finalmente prevalecerá”.
ANTONIO PIMENTA