
O ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, em entrevista concedida ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na segunda-feira (11), afirmou não conhecer a floresta Amazônia e considerou o líder seringueiro Chico Mendes como “irrelevante”. “O que importa quem é Chico Mendes agora?”, disse Salles.
Já ao final do programa, o apresentador do “Roda Viva”, Ricardo Lessa, perguntou a opinião de Salles sobre Mendes, ao que ele respondeu: “Eu não conheço o Chico Mendes, escuto histórias de todos os lados. Dos ambientalistas mais ligados à esquerda, que o enaltecem. E das pessoas do agro que dizem que ele não era isso que contam. Dizem que usava os seringueiros pra se beneficiar”, afirmou.
Lessa rebateu: “Se beneficiar do que? Ele é reconhecido pela ONU”.
O ministro, então, disparou: “O que importa quem é Chico Mendes agora?”.
As declarações sobre o ambientalista ocorreram após uma firme defesa do auto-licenciamento de empresas que vão atuar em áreas de preservação ambiental, mesmo confrontado pelos jornalistas com o fato de que as tragédias de Mariana e Brumadinho (MG) aconteceram após licenciamentos relâmpago.
Segundo Salles, a ideia é adotar uma política de licenciamentos em que haja “objetividade” pois, assim, os empreendimentos que ofereçam riscos, como as de mineração, sejam melhor executadas.
Ao longo da entrevista, o ministro ainda relativizou os critérios de multas às empresas que cometem crimes ambientais e ainda propôs um processo de “acordo negociado”, uma espécie de anistia aos infratores.
Pressionado a oferecer respostas em respeito às vítimas de Mariana e Brumadinho, Salles não se posicionou pela punição às mineradoras pelos maiores crimes ambientais já ocorridos no país e afirmou que a resposta está sendo dada através da presença de autoridades nos locais das tragédias. “O respeito às vítimas é essa resposta rápida, objetiva, a presença do governo em peso. Três ministros estiveram lá [em Brumadinho] no primeiro dia. O próprio presidente foi ao local”, disse.
FRAUDE NO TIETÊ
O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, de 43 anos, não é ambientalista, nem ruralista. Ele é advogado. Natural de São Paulo, em 2018, ele disputou, sem sucesso, uma vaga para deputado federal pelo Partido Novo. Salles preside o Movimento Endireita Brasil, que defende uma nova direita no cenário político brasileiro.
O ministro foi condenado em primeira instância pela Justiça por favorecimento de empresas de mineração, adulterando mapas de zoneamento do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Tietê, enquanto foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Salles é também investigado pelo Ministério Público Estadual por intermediar processos administrativos e outras atividades supostamente ilícitas na Junta Comercial de São Paulo.
A declaração do ministro ocorreu pouco tempo antes de sua viagem para o oeste do Pará, que deve acontecer nesta quarta-feira, 13. Ricardo Salles integrará uma comitiva do governo ao lado dos ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
“Apesar da ignorância de Salles, a luta de Chico permanece viva”, diz Marina Silva
A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência da República, Marina Silva, que foi amiga e uma das pessoas mais próximas de Chico Mendes, condenou as declarações do ministro bolsonarista e relembrou a trajetória do líder seringueiro.
“O Ministro do Meio Ambiente não sabe da relevância de Chico Mendes por motivos óbvios: não é ambientalista e é desinformado. Chico faz parte do Panteão da Pátria e é reconhecido mundialmente”, publicou Marina Silva.
Chico Mendes foi um seringueiro, sindicalista e ativista político brasileiro. Defensor da floresta Amazônica e dos povos que dela dependiam para viver, combatendo o extrativismo predatório, por uma extração sustentável para as pessoas e a floresta, e criou o conceito de reserva extrativista. Em 1987, foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Global 500 da ONU, que reconhece as personalidades que lutam pelo meio-ambiente.
Ele foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 por pistoleiros nos fundos de sua casa.
“A última vez que nos encontramos, ele disse repetidamente: ‘pois é, nega véia, dessa vez, eu acho que não tem mais jeito. Os cabras vão me pegar’. Eu só lembro de ter dito: ‘não tem jeito o quê, Chico?’. E ele reafirmava: ‘eu acho que eles vão me pegar’. Tentei insistir pra que ele fosse pra cidade pra denunciar. E ele respondeu: ‘não adianta, toda vez que eu faço isso, eles dizem que eu faço isso pra me promover, então quando eu morrer eles vão ver que não era pra me promover’,
Marina lembrou que Chico Mendes teve a sabedoria e a visão pioneira para configurar grandes discussões da humanidade. “Chico significou o conceito de socioambientalismo, ao integrar na prática proteção do meio ambiente com justiça social, e economia com ecologia. Chico era um defensor do diálogo, ouvia a todos, valorizava a informação e unia a ciência aos conhecimentos tradicionais das comunidades. Não se afastava dos companheiros da floresta, com quem mantinha uma relação não apenas de fraternidade mas também de respeito à democracia no debate e nas decisões. Mesmo sabendo das inúmeras ameaças de morte que sofria, negava os pedidos insistentes de pessoas próximas para se refugiar fora de Xapuri, nem que fosse apenas por um tempo. Sempre alegava que não poderia abandonar seus companheiros”, destacou Marina.