‘Se quer combater narcotráfico, comece por Manhattan’: Rússia denuncia ações da CIA na Venezuela

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia (AA)

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, repudiou a decisão dos Estados Unidos de autorizar operações secretas da CIA na Venezuela sob o pretexto de combater o narcotráfico

“A CIA recebeu permissão para realizar operações secretas na Venezuela. Claro, desculpem, mas se os Estados Unidos precisam e desejam com tanta urgência mobilizar suas agências de inteligência para combater as drogas e o narcotráfico, deveriam fazer uma operação especial em Manhattan. É lá que está a verdadeira tragédia”, declarou Maria Zakharova, ao comentar, na quinta-feira (23), que, se Washington realmente deseja enfrentar o problema das drogas, deveria começar em casa.

As informações sobre o tráfico em Nova York poderiam ser obtidas diretamente com os próprios habitantes, ela aconselhou, segundo a RTBrasil.

Se a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa tivesse se debruçado mais no tema, provavelmente teria lembrado o célebre “siga o dinheiro” e aconselhado Washington a buscar bem perto, ali em Wall Street, tais pegadas de quem lava mais branco.

Em 15 de outubro, o presidente Donald Trump autorizou que a CIA realizasse investigações na Venezuela, após alegações sem provas de que drogas estariam sendo enviadas de Caracas para os EUA e apesar disso contrariar dados oficiais dos próprios órgãos especializados dos EUA e da ONU.

Desde agosto, Washington tem bombardeado embarcações próximas à costa venezuelana e mais recentemente incluiu barcos no Pacífico, já tendo executado extrajudicialmente e sem qualquer prova a 37 prováveis pescadores ou incautos.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, denuncia que o país é alvo de “uma guerra de múltiplas facetas” orquestrada pelos Estados Unidos. Esta semana, Trump voltou suas baterias também contra o presidente colombiano, Gustavo Petro, que de forma inconveniente tem enfatizado que o alvo é o petróleo, não quaisquer supostas “drogas”.

A Venezuela tem a maior reserva comprovada de petróleo do planeta – que a “Nobel da Paz” Corina Machado já prometeu privatizar em favor da Exxon e Chevron. No primeiro mandato, Trump já perguntara em uma reunião com a CIA ‘por que não pegamos o petróleo que está ali do outro lado do Golfo?’

Também o presidente colombiano já expressou percepção análoga à da porta-voz russa.

“Os narcotraficantes vivem em Miami, Nova Iorque, Paris, Madrid, Dubai. Muitos têm olhos azuis e cabelos louros. E não vivem nos locais onde caem os mísseis. Aí vivem camponeses muito pobres que cultivam a folha de coca. É lá que eles querem jogar os mísseis. E só matam pobres. E só matam migrantes latino-americanos. Os narcotraficantes vivem ao lado da casa de Trump em Miami.”

EX-BOINA VERDE ACUSA CIA DE CRIAR O ‘CARTEL DE LOS SOLES’

Em entrevista ao portal norte-americano The Grayzone, o mercenário e ex-boina verde Jordan Goudreau afirmou que a CIA criou o “Cartel de los Soles” na década de 1990. “Isso não é segredo, é a verdade. […] Sabemos disso há algum tempo”, acrescentou.

Segundo seu testemunho, a comunidade de inteligência norte-americana está envolvida em operações ligadas ao tráfico de drogas e “lucra com isso”.

Já na alucinada acusação de Trump, o líder o Cartel de los Soles seria o próprio presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

O nome do cartel foi dado pelos agentes dos EUA, explicou o ex-militar norte-americano. “O Cartel de Los Soles é quase uma piada entre nós, porque eles não se deram esse nome. Há um remendo em seu uniforme que é um Sol, e a DEA [Administração de Repressão às Drogas dos EUA], ou quem quer que fosse, os chamava assim”, explicou.

Ele relatou ainda que “a facilitação do tráfico de drogas pela CIA por meio desse grupo [Cartel de los Soles] está bem documentada”. Goundreau explicou que as agências de inteligência dos EUA operam de forma independente das mudanças de governo e mantêm suas ações em alta confidencialidade, o que permite “facilitar e reunir recursos” derivados do tráfico de drogas. “É isso que eles estão tentando proteger”, afirmou.

Goudreau e sua empresa, a Silvercorp USA, estiveram envolvidos na tentativa da extrema-direita venezuelana, sob o presidente (nomeado por Trump) Juan Guaidó, de derrubar Maduro em maio de 2020, através de uma invasão marítima.

SÓ MATAM POBRES, REGISTRA THE GUARDIAN

O jornal inglês The Guardian entrevistou em Trinidad e Tobago parentes de vítimas dos ataques de Trump a embarcações no Caribe. No caso, Chad Joseph e Rishi Samaroo, da vila de pescadores de Las Cuevas, no norte de Trinidad, que estão entre as seis pessoas mortas em um ataque aéreo dos EUA a um barco que, conforme o Pentágono e Trump, estaria transportando drogas da Venezuela rumo aos EUA.

Os parentes denunciaram que Trump “mata pessoas pobres”, sem julgamento ou direito de defesa, e exigiram justiça.  

“Só quero saber por que Donald Trump está matando pessoas pobres desse jeito”, lamenta o tio de Joseph, conhecido apenas como Dollars. “É só porque ele quer o gás e o petróleo de outros países. Ele está atrás da riqueza do povo e matando os filhos dos pobres”.

A prima de Chad Joseph, La Toya, afirmou que “todos têm direito ao devido processo legal, e esse direito não foi respeitado. Não parece mais que estamos sob o comando do nosso próprio governo quando se trata do que acontece no mar — essas não são mais águas de Trinidad”, disse ela no velório, questionando por que as autoridades americanas decidiram destruir a embarcação em vez de deter e interrogar seus ocupantes.

Lynette Burnley, tia de Joseph, relatou que o governo de Trinidad não entrou em contato com a família desde a morte de seu sobrinho. “Pessoas do mundo inteiro estão nos ligando, do exterior, mas aqui em Trinidad, nada. Eles são patéticos; nos decepcionaram”.

A avó de Joseph, Christine Clement, disse que era muito próxima do neto. Ele se mudou da casa da mãe, em outra vila de pescadores, Matelot, para morar com ela. Ela conta que só recebeu apoio da comunidade.

“Todos estão muito chateados porque nesta comunidade somos todos família, amigos e muito próximos… Nossa própria polícia, ninguém vem fazer perguntas. Não há investigação, nada”, lamenta. Ela diz que está tentando manter a calma e controlar a pressão arterial.

Em relação ao segundo homem, Samaroo, os moradores têm poucas informações sobre ele. Muitos vizinhos o conheciam apenas pelo sobrenome. Ele frequentemente se oferecia para ajudar em qualquer coisa — pequenos serviços, mecânica —, mas especialmente com animais. Há relatos de que havia sido libertado da prisão em 2021, após cumprir pena por seu envolvimento no assassinato de um vendedor ambulante em 2009.

Na semana passada, a primeira-ministra de Trinidad, Kamla Persad-Bissessar, que já havia expressado forte apoio à operação militar dos EUA na região, evitou perguntas de repórteres sobre o ataque aéreo dos EUA que supostamente matou Joseph e Samaroo. “Imagine a primeira-ministra… Eles perguntam a ela sobre o ataque e ela nem responde”, lamenta Burnley, acrescentando que as autoridades estão agindo como se Joseph e Samaroo “não existissem”.

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