
“A combinação da política monetária arrochada de Galípolo com a política fiscal igualmente contracionista de Haddad só fazem trazer péssimas noticias para o projeto de reeleição de Lula em 2026”
PAULO KLIASS*
A reunião mais recente do Comitê de Política Monetária (COPOM) decidiu, mais uma vez, pelo aumento na taxa referencial de juros. De nada serviram os inúmeros apelos de amplos setores da sociedade – e mesmo no interior das classes dominantes – para que isso não acontecesse. Os nove integrantes do colegiado optaram por unanimidade pela elevação da SELIC para o patamar de 15% ao ano. Esta foi a sétima reunião consecutiva com aumentos na taxa. Na verdade, desde maio de 2006 que o Brasil não vivia sob uma taxa tão alta. Trata-se de um retrocesso de 19 anos, uma volta aos tristes tempos do austericídio do primeiro mandato de Lula, sob o comando de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central (BC).
Todas as expectativas apresentadas pelo Presidente Lula quando da nomeação de Gabriel Galípolo para a Presidência do BC parecem ter escorrido pelo ralo. É importante recordarmos que o Chefe do Executivo convocou uma emissão especial em suas redes sociais para registrar sua confiança no nome sugerido a ele por Haddad para a nova função. Para tanto convocou a Ministra do Planejamento, o Ministro da Fazenda e o Ministro Chefe da Casa Civil para aparecerem como meros figurantes, enquanto Lula tecia longos elogios a Galípolo. Se antes valia a desculpa da herança maldita de Bolsonaro personificada na figura de Roberto Campos Neto para justificar as críticas públicas do Presidente da República às elevadas taxas de juros, a partir de janeiro de 2025 nada disso se sustenta mais.
Atualmente, sete dos nove membros da diretoria do BC foram nomeados por Lula. E, ao longo dos quatro encontros do COPOM realizados desde então, o colegiado comandado por Galípolo promoveu elevações da SELIC em todos eles. Em janeiro, houve um aumento de 1%, saindo de 12,25% para 13,25%. Em março, mais 1%, subindo a taxa para 14,25%. Em maio, nova elevação de 0,5% levando a SELIC ao patamar de 14,75%. E nesta reunião de junho, aumento de 0,25% e a taxa chegou a 15%. Ou seja, em pouco menos de 6 meses à frente do BC, Galípolo conseguiu realizar a “proeza” de promover uma elevação de 2,75 pontos percentuais na taxa. Isso significa que, apenas nestas quatro canetadas, o COPOM estabeleceu um aumento de despesas financeiras com juros da dívida pública da ordem de R$ 220 bilhões ao longo dos próximos 12 meses.
Ora, para um governo que segue trilhando de forma obsessiva o caminho da austeridade fiscal cega, burra e surda, tal decisão beira o ridículo e a hipocrisia. Em nome de uma suposta expansão “irresponsável” dos gastos públicos, Haddad mantém a estratégia de reduzir as despesas primárias a todo o custo. Assim, o governo promove cortes e contingenciamentos em rubricas estratégicas e sensíveis como educação, previdência social, saúde, assistência social e tantas outras que dizem respeito às condições de vida da ampla maioria da base da nossa vergonhosa pirâmide da desigualdade social e econômica. No entanto, ao mesmo tempo, as despesas não primárias seguem em rota, esta sim, explosiva. Estamos nos aproximando da casa de R$ 1 trilhão de despesas financeiras ao longo dos últimos 12 meses.
Ao optar pela SELIC em 15%, o COPOM sinaliza que é razoável que a sociedade e a economia brasileiras convivam em um ambiente de 10% de taxa real de juros. Afinal, esse é o resultado a que se chega depois de subtrair a inflação próxima a 5% do valor da taxa oficial. Com tal decisão, o Brasil se mantém dentre as economias de maior rentabilidade financeira real do mundo. Atualmente, somos ultrapassados apenas pela Turquia neste verdadeiro quesito da vergonha internacional.
A questão que se coloca para compreender essa escalada da SELIC refere-se à pesquisa Focus, realizada pelo próprio BC. Trata-se de uma consulta semanal que o órgão efetua a 160 pessoas ligados à nata do financismo em nosso País. A partir de tal coleta de tais opiniões junto a um púbico hiper selecionado, o COPOM consolida as bases para sua tomada de decisões. Os grandes meios de comunicação estampam em suas páginas e telas que o “mercado” avalia isso e pensa aquilo. No caso, da última projeção da SELIC para 2025, por exemplo, a pesquisa que aponta para o patamar de15% contou apenas com 146 respondentes. Ou seja, o financismo realiza a sua profecia e o COPOM apenas a referenda em seus encontros periódicos, realizados a cada 45 dias.
Para esse modelo que segue intocável há décadas, pouco importa o que pensem os representantes das entidades da indústria, do comércio ou dos serviços. Tampouco importa o que pensem as entidades do “lado de cá”, como centrais sindicais, movimentos pela reforma agrária ou as associações de aposentados. E de nada servem as contribuições e opiniões de economistas do campo progressista. Ou seja, tudo segue como dantes no Quartel de Abrantes. As projeções e as expectativas que interessam são apenas as deste refinado grupo de pouco mais de uma centena de indivíduos. Eles seriam o tal do “mercado”. Um absurdo.
O que torna o quadro ainda mais esquizofrênico é o fato de que é o governo quem oferece de bandeja a munição ao BC para manter a SELIC nas estratosferas. Refiro-me à decisão do Ministro da Fazenda em ter reduzido a meta da inflação para 3% ao ano. Trata-se de mais uma das inúmeras bravatas de Haddad, em sua busca incansável por se apresentar como o bom moço junto ao universo da Faria Lima. Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil só conseguiu apresentar uma taxa de inflação abaixo de 3% em apenas 2 deles. Assim, a meta atual é absolutamente irreal e impossível de ser atingida.
No entanto, graças à inclusão de tal objetivo irrealizável, o governo apenas reforça o discurso conservador do COPOM e da elite do sistema financeiro de que a inflação estaria “descontrolada” e que o único remédio seria aumentar ainda mais a SELIC para trazer o ritmo de crescimento dos preços para o centro da meta. Caso Lula tivesse ouvido os apelos dos economistas progressistas desde 2023, ele poderia ter estabelecido a meta oficial da inflação em um patamar mais realista, por exemplo em 4,5%. Assim, desde o início de seu terceiro mandato não haveria mais argumentos para sustentar a narrativa da Faria Lima em prol da elevação da taxa referencial de juros.
A ata da 271a reunião do COPOM revela de forma cristalina a harmonia existente entre os humores de seus integrantes e a profecia do financismo. O documento reafirma o compromisso do Comitê com a tentativa de trazer a inflação para o centro da meta e não descarta tampouco a necessidade de novos aumentos na taxa, caso esta questão se coloque.
(…) “19. O Comitê optou pela elevação de 0,25 ponto percentual, avaliando que a economia ainda apresenta resiliência, o que dificulta a convergência da inflação à meta e requer maior aperto monetário. Por outro lado, ressaltou-se que o ciclo até então empreendido foi particularmente rápido e bastante firme, reforçando o entendimento de que, dadas as defasagens inerentes aos efeitos da política monetária, grande parte dos impactos da taxa mais contracionista ainda está por vir. Em função disso, o Comitê comunicou que antecipa uma interrupção no ciclo de elevação de juros para avaliar os impactos acumulados ainda a serem observados da política monetária.” (…)
Depois da tradução dos termos da redação do copomês, o que se pode depreender é que esta decisão pode ser a última elevação da SELIC para os próximos meses. É “óbvio” que isto vai depender da evolução dos preços no período a seguir.
(…) “20. O Comitê avalia que, após um ciclo rápido e firme de elevação de juros, antecipa-se, como estratégia de condução de política monetária, interromper o ciclo de alta e observar os efeitos do ciclo empreendido para, então, avaliar se a taxa de juros corrente é apropriada para assegurar a convergência da inflação à meta. Ressaltou-se que, determinada a taxa apropriada de juros, ela deve permanecer em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado devido às expectativas desancoradas. O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em prosseguir no ciclo de ajuste caso julgue apropriado.” (…)
Assim, no entender do COPOM, não devem ser aguardadas deliberações que impliquem redução na taxa, muito antes pelo contrário.
ACORDA LULA!
Ora, a combinação da política monetária arrochada de Galípolo com a política fiscal igualmente contracionista de Haddad só fazem trazer péssimas noticias para o projeto de reeleição de Lula em 2026. Custo de crédito nas alturas e impossibilidade de realizar gastos de natureza social por conta da meta fiscal primária compõem um coquetel que dificilmente promoverão alguma alteração significativa na queda de popularidade do Presidente da República e de seu governo.
Estamos a apenas 16 meses do pleito do ano que vem. Os efeitos de decisões de política econômica levam um certo tempo para se manifestarem como melhoria das condições de vida das pessoas. Chama a atenção a resistência de Lula em promover alterações efetivas nos rumos da economia. O quadro é urgente e exige decisões imediatas. Caso contrário, esses sinais de indefinição do Palácio do Planalto só fazem reforçar os boatos de que Lula não estaria mais disposto a concorrer a um quarto mandato. Afinal, se existe uma unanimidade dentre os analistas, é de que ele não toparia encerrar sua carreira exitosa com uma derrota humilhante no ano que vem.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal