Os servidores da Fundação Oswaldo Cruz manifestam sua profunda insatisfação com o “acordo” salarial imposto pelo governo e com todo o processo negocial
Trabalhadores da Fiocuz divulgaram, nesta segunda-feira (26), uma Carta Aberta denunciando a intransigência do governo durante as negociações de reajuste e valorização da carreira. Diante de um ultimato do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), ameaçando deixar a categoria sem nenhum reajuste para o próximo ano, foi assinado um acordo considerado injusto pelos trabalhadores da Fundação. Abaixo, a íntegra do manifesto:
CARTA À POPULAÇÃO BRASILEIRA
As trabalhadoras e trabalhadores da Fiocruz manifestam publicamente seu descontentamento com o processo de negociação salarial conduzido verticalmente pelo Ministério de Gestão e Inovação do Serviço Público (MGI), tendo no outro lado da mesa, representando os servidores da Fundação, a Asfoc – Sindicato Nacional. Em Assembleia realizada no dia 23 de agosto, data limite estabelecida unilateralmente pelo governo, foi aprovada uma proposta que compromete a estrutura da nossa carreira. A decisão foi tomada sob a percepção coletiva e indignada de que não teríamos qualquer reajuste se não aceitássemos as condições impostas.
Reconhecemos o contexto adverso e complexo nas esferas política e econômica, marcado pela disputa do fundo público, e que diversos fatores precisam ser considerados, entre eles a política fiscal, a política de juros do Banco Central, o comprometimento do Orçamento Público da União para emendas parlamentares (cerca de R$ 53 bilhões em 2024), e as desonerações fiscais. Também enfrentamos a pressão do mercado financeiro sobre as ações do Executivo, especialmente nas áreas de políticas sociais e setores como educação, meio ambiente e saúde.
Porém, as reivindicações dos servidores da Fiocruz e de outras categorias mobilizadas é justa, pois visam a reposição das perdas salariais decorrentes da inflação e significativa perda do poder de compra, além da equiparação dos direitos dos aposentados. Não solicitamos aumento ou reajuste salarial. Todas as trabalhadoras e trabalhadores brasileiros com emprego formal têm direito de receber reposição salarial todo ano, seja por meio da data-base (“dissídio”) ou pelo reajuste anual do salário-mínimo. No entanto, os servidores públicos da Fiocruz e a maior parte do funcionalismo federal não receberam reajustes nos últimos sete anos. Docentes de universidades, servidores das áreas de meio ambiente, IBGE, Inmetro e INPI, entre outros, também não tiveram suas reivindicações atendidas.
A desvalorização dos servidores é um reflexo do desmonte das políticas públicas ocorrido nos últimos dois governos, cujas políticas neoliberais enfraqueceram o ensino universitário público, os serviços de saúde, a preservação ambiental e a pesquisa científica. A importância desses setores e os impactos foram amplamente sentidos pela sociedade, manifestando-se em queimadas, desastres climáticos, adoecimento de povos indígenas e dificuldade de acesso a serviços de saúde. A tragédia da pandemia de Covid-19 sobre a população brasileira foi muito mais grave devido à desvalorização dos serviços públicos e da ciência.
Nesses momentos, instituições estratégicas de Estado, como a Fiocruz, demonstram sua importância e sua potência para combater as graves ameaças e desafios que a sociedade enfrenta ao buscar o acesso a direitos humanos como os benefícios da ciência e da saúde integral e universal. Por isso, valorizarmos o trabalho da Fiocruz é também valorizar toda a sociedade.
Nossas perdas salariais chegaram a 76,9% para os profissionais de nível intermediário e 65,9% para os de nível superior, ao longo de 15 anos, conforme estudos do DIEESE. Na atual negociação salarial, o governo impôs um reajuste de 14% para o período de 2025 a 2026, com reajuste zero para 2024. Este índice foi imposto a todas as carreiras do bloco de Ciência e Tecnologia e à maioria das categorias. Apesar do governo afirmar reconhecer a importância da Fiocruz para a sociedade brasileira, na prática isso não se reflete na melhoria das condições salariais. Comparativamente, outras categorias receberam reajustes maiores, variando entre 23% e 27,5%, como é o caso da 2 Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da ABIN, do Banco Central, da Receita Federal e das Carreiras do Ciclo de Gestão.
Todas as instituições travadas no bloco dos 14% estão encarregadas de executar políticas de soberania do Estado e inclusão social. Essa condição vai muito além da discussão salarial, pois o modelo de Estado que precisamos está se distanciando do projeto eleito das urnas de 2022.
Dirigimo-nos à sociedade brasileira para alertar sobre a grave situação em que a Fiocruz se encontra causada pela distância entre o discurso e a prática do governo através de seu MGI. No discurso, a Ministra Esther Dweck reitera compromissos com processos democráticos, de negociação, que valorizem o servidor/a público. No entanto, observa-se, com espanto e indignação, que a prática de seus comissionados para com a Fiocruz ocorre no sentido contrário: conduta tecnocrática e inflexível com propostas que ameaçam a continuidade da qualidade e relevância dos serviços prestados pela Fundação à população: geração de conhecimento e desenvolvimento de tecnologias, ensino, assistência e promoção à saúde, vigilância em saúde, produção de insumos e imunobiológicos.
Na verdade, está em andamento uma Reforma Administrativa que não atende aos requisitos mínimos para um trabalho digno e valorizado para as servidoras e servidores públicos. O MGI evidencia o real valor que atribui à Saúde, Educação, Ciência e à Fiocruz. Esta não é uma questão meramente interna ou corporativa, mas sim uma evidência de que essa escolha política compromete a capacidade da Fiocruz de manter seu papel como uma instituição pública estratégica para o Estado brasileiro, na luta pela soberania do país, pelo bem-estar da população e na defesa do SUS.
Para piorar a situação, o MGI impôs atrelar qualquer percentual de recuperação salarial a mudanças no Plano de Carreiras, resultando em um aumento de cinco anos no prazo para a maioria dos servidores atingirem o topo da carreira, e uma ampliação de oito anos para os pesquisadores, que sofrerão assim o maior impacto dessa desestruturação. O MGI desconsidera as especificidades da Fiocruz, em face de sua complexidade e abrangência. A desestruturação do Plano de Carreira do MGI constitui uma grave afronta à ciência e tecnologia como um todo, assim como a tudo que a Fiocruz representa e produz.
Portanto, é importante alertar a população de que o chamado “Acordo” assinado entre o MGI e a Fiocruz representa, na realidade, o resultado da ausência de negociação e de democracia. O MGI decidiu unilateralmente que o não aceite de sua proposta resultaria em reajuste salarial zero para a Fiocruz na LOA a ser encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo; além de manter a controversa alteração no Plano de Carreira, rejeitada em três Assembleias das trabalhadoras e trabalhadores da Fiocruz. Assim, o suposto “Acordo” expressa uma grave ameaça à continuidade dos avanços para a saúde promovidos pela Fiocruz e às suas perspectivas futuras de progresso nos âmbitos nacional e internacional, com graves consequências para a saúde da população brasileira, para as ciências em saúde e para a soberania do país.
Importa por fim destacar que no processo negocial com o Governo Federal, através do Ministério da Gestão e Inovação do Serviço Público (MGI), em nossa avaliação, faltou desde o início tanto uma posição mais ativa dos dirigentes institucionais – no sentido de proteger o grave impacto que a proposta do governo trouxe às carreiras na Fiocruz – como, mais grave ainda, uma postura inaceitável da diretoria da ASFOC – Sindicato Nacional, que por mais de uma vez se colocou pública e ativamente contra decisões de assembleias massivas e democráticas, que reuniram mais de mil trabalhadoras e trabalhadores.
26 de agosto de 2024
Trabalhadoras e Trabalhadores da Fiocruz em Luta por Reposição de Perdas Salariais