
Levantamento revela que grupo de agentes concentra letalidade; Paraisópolis segue como epicentro da violência. Governo Tarcísio é acusado de estimular brutalidade com discurso “linha-dura”
Reportagem do portal Metrópoles revelou que um grupo formado por apenas 22 policiais militares — o que representa cerca de 0,07% do total de 31 mil agentes da Polícia Militar em São Paulo — esteve envolvido em, pelo menos, 52 mortes registradas na capital paulista em 2024. O número equivale a aproximadamente 20% do total de 246 óbitos decorrentes de ações da PM no município ao longo do ano.
Os dados foram levantados pelo Metrópoles por meio da análise dos registros de todas as mortes resultantes de intervenções policiais ocorridas na cidade no ano passado — o mais violento desde o início do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e da gestão do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP).
De acordo com o levantamento, a Polícia Militar realizou ao menos 459 disparos em ações que provocaram a morte de 85 pessoas, todas sem portar armas de fogo no momento em que foram atingidas. Isso representa uma média de 5,4 tiros por ocorrência.
Entre os casos que ganharam maior repercussão está o do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, morto apesar de desarmado durante a abordagem da polícia. Outro episódio que expôs a brutalidade da ação policial foi o de Gabriel Renan Soares, baleado pelas costas por um policial à paisana enquanto tentava furtar produtos de limpeza de um pequeno mercado. João Victor, também desarmado, chegou a implorar para não morrer durante uma abordagem da PM, mas não resistiu.
O levantamento também aponta que, no período analisado, 403 policiais militares participaram de ocorrências com resultado letal. Desses, 19 estiveram envolvidos em mais de uma morte. Dois PMs foram responsáveis por três mortes cada, enquanto um único agente foi ligado à morte de cinco pessoas.
Dois tenentes, três sargentos, dois cabos e 14 soldados formam o esquadrão responsável por 21% das mortes provocadas por PMs em 2024. Segundo apuração do Metrópoles, ao menos cinco desses policiais atuavam, em algumas das ocorrências, no 16º Batalhão Metropolitano.
O grupo responsável por 21% das mortes cometidas por PMs em 2024 é composto por dois tenentes, 14 soldados, três sargentos e dois cabos. Entre os 22 policiais, estão ao menos cinco que, em alguma das ocorrências, integravam o 16º Batalhão Metropolitano.
A unidade, localizada na zona sul de São Paulo, atende ocorrências da região de maior desigualdade social da cidade, entre os bairros do Morumbi e Paraisópolis. Foi no distrito policial da região, o 89º DP, onde houve o maior número de mortes por PMs: 14 no total.
A especialista em segurança Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, avalia que o discurso do governo Tarcísio pode impactar diretamente na forma como os policiais atuam nas ruas. Ela acredita que determinadas falas e posicionamentos oficiais têm o potencial de impactar o comportamento das forças de segurança, sobretudo no que diz respeito ao uso da força e à abordagem em operações.
“A liderança importa. Quando a gente olha a questão de uso da força pela polícia, a postura do gestor, do governador, do secretário importa”, analisa. Para Carolina, se o indivíduo tem visões “mais linha-dura”, que legitimam o uso mais elevado da força, isso impacta na tropa, na ponta da linha”. “As pesquisas”, continua a especialista, “mostram essa relação, porque o discurso legitima”, diz.
A diretora do Sou da Paz relembra que, durante a gestão de João Doria (então no PSDB), o discurso mais rígido coincidiu com o aumento da letalidade policial. Contudo, a repercussão negativa da violenta ação da polícia — conhecida como o “Massacre de Paraisópolis”, que resultou na morte de nove jovens entre 14 e 23 anos em 2019 — impôs uma mudança significativa na política de segurança, com a adoção de medidas como o uso de câmeras corporais, armamentos não letais e maior controle interno sobre ações que resultam em mortes.
“Teve essa pressão pública, essa crise de imagem”, diz. “E o Doria entendeu que não ia dar para sustentar uma polícia violenta”, analisa. “Foi aí que houve uma mudança na gestão da PM”, cita. “Teve uma troca de comando, e começou uma política de gestão de uso da força”, prossegue. “Na atual gestão do Tarcísio, teve um desmonte dessa política de uso da força”, completa Carolina Ricardo.
Como mostrou o Metrópoles, seis anos após o massacre, Paraisópolis lidera o número de mortes provocadas por policiais militares — apenas três quarteirões da comunidade
Diante dos dados alarmantes brutalidade da Polícia Militar em São Paulo, a deputada estadual Paula Nunes, da Bancada Feminista do PSOL, apresentou um requerimento solicitando que Guilherme Derrite esclareça informações relacionadas ao levantamento do Metrópoles sobre mortes provocadas por PMs na capital, divulgado na reportagem especial “A Política da Bala”.
No requerimento, a parlamentar questiona quais medidas a Pasta tem adotado em relação aos policiais envolvidos nas ocorrências, se houve afastamento dos agentes e quais ações estão sendo implementadas para prevenir novas mortes causadas por PMs no Estado.
“Nosso mandato enviou requerimento de informação para que a Secretaria de Segurança Pública explique esses números e o que está sendo feito pra evitar as mortes cometidas por PMs em São Paulo”, publicou Paula em suas redes.