Decisão de Alexandre de Moraes de abrir o inquérito contra o “capitão cloroquina” atendeu a pedido da CPI da Covid. O STF quer apurar a relação entre essa fake news e a atuação de uma organização criminosa investigada na Corte que envolve aliados de Bolsonaro
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou, nesta sexta-feira (3), a abertura de um inquérito para investigar a divulgação de fake news por Jair Bolsonaro associando a vacinação contra Covid a um risco de desenvolver Aids. Esta afirmação foi considerada mais uma invenção alucinada de Bolsonaro em sua cruzada contra a vacinação da população brasileira.
O comportamento irresponsável de Bolsonaro, desde o início da pandemia, de atacar todas as medidas sanitárias contra a expansão do vírus, foi responsável pelo desastre que matou mais de 615 mil brasileiros.
Ele combateu o uso de máscara, provocou aglomerações e sabotou a compra das vacinas. Não bastasse isso, defendeu a tese genocida da imunidade de rebanho, que pressupunha a infecção generalizada e acelerada da população. Por isso ele estimulava que os brasileiros não se protegessem contra o vírus. Especialistas dizem que este comportamento foi responsável por grande parte das mortes que poderiam ter sido evitadas.
A decisão de Moraes atende a um pedido feito pela CPI da Covid. No despacho, o ministro critica a decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de abrir apenas uma apuração preliminar, interna, para avaliar as falas de Bolsonaro e recomendar o arquivamento do pedido feito pela CPI. O comportamento do procurador-geral Augusto Aras confirma que seu papel na PGR é dificultar investigações que envolvam Bolsonaro e seus familiares.
A invenção de Bolsonaro sobre a Aids foi divulgada nas redes sociais no dia 22 de outubro, e desmentida por autoridades sanitárias e especialistas no mundo todo. A “live” de Bolsonaro foi retirada do ar por Facebook, YouTube e Instagram. O capitão cloroquina disse que relatórios oficiais do Reino Unido teriam sugerido que pessoas totalmente vacinadas contra a Covid estariam desenvolvendo Aids “muito mais rápido que o previsto”.
As autoridades do Reino Unido desmentiram a veracidade da notícia. Na semana seguinte, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, reafirmou que as vacinas usadas no Brasil eram seguras, e que nenhuma delas aumenta a “propensão de ter outras doenças”.
“Nenhuma das vacinas está relacionada à geração de outras doenças. Nenhuma delas está relacionada ao aumento da propensão de ter outras doenças, doenças infectocontagiosas por exemplo. Vamos manter a tradição do nosso povo brasileiro de buscar e aderir ao PNI [Programa Nacional de Imunizações]”, afirmou Barra Torres.
A DECISÃO DE MORAES
Na decisão em que determina a abertura de inquérito, Moraes afirma que não caberia à Procuradoria-Geral da República abrir apuração interna já que o STF foi provocado a partir de uma notícia-crime contra o presidente.
Segundo o ministro, é preciso apurar a relação entre essa fake news e a atuação de uma suposta organização criminosa investigada pelo Supremo e que envolve aliados do presidente Bolsonaro.
“Não há dúvidas de que as condutas noticiadas do presidente da República, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra o Covid-19 utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa – identificada no Inquérito 4.781/DF (que justificou a distribuição por prevenção desta Pet) e no Inquérito 4.874/DF”.
Para o ministro, a PGR não pode afastar a supervisão do Judiciário sobre os fatos que estão em investigação.
“Não basta ao órgão ministerial que atua perante a Corte no caso, a Procuradoria-Geral da República, a mera alegação de que os fatos já estão sendo apurados internamente. Para que a supervisão judicial ocorra de modo efetivo e abrangente – inclusive em relação à futuro arquivamento e incidência do artigo 18 do CPP – é indispensável que sejam informados e apresentados no âmbito do procedimento que aqui tramita, documentos que apontem em quais circunstâncias as investigações estão sendo conduzidas, com a indicação das apurações preliminares e eventuais diligências que já foram e serão realizadas. Apenas dessa forma é possível ter uma noção abrangente e atualizada dos rumos dessa fase da persecução criminal”, escreveu.
Moraes ressaltou que chegou a suspender, no mês passado, a quebra de sigilo de dados telemáticos do presidente Jair Bolsonaro aprovada pela CPI por entender que os dados não seriam mais úteis porque os trabalhos tinham sido encerrados. O ministro, no entanto, afirma que a medida, no entanto, não impede uma investigação.