É o ranço da “sociedade bacharelesca”. Ministros concluíram que benefício é inconstitucional, vez que é fundado apenas em especial e suposta qualidade pessoal ou moral do preso
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria, na quinta-feira (30), para derrubar o direito à prisão especial para quem tem curso superior. Conforme determina o artigo 295, inciso VII, do CPP (Código de Processo Penal), pessoas com diploma de curso superior, de qualquer faculdade brasileira, têm direito à prisão especial, não podendo ficar em cela comum, com os demais detentos.
“Doutrina afirma que o critério fundado apenas em uma especial e suposta qualidade pessoal ou moral do preso é inconstitucional, por atentatório ao princípio isonômico”, asseverou o ministro.
O julgamento, que ocorre em plenário virtual, vai ser finalizado nesta sexta-feira (31). Restam votar ainda os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
O caso começou a ser analisado em plenário virtual em novembro de 2022, ocasião em que o relator, Alexandre de Moraes destacou que a Constituição de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, em que todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei.
NORMA INCONSTITUCIONAL
No caso, o ministro considerou que a norma é inconstitucional e fere o preceito fundamental da isonomia. Isto, porque, o dispositivo não protege uma categoria de pessoas fragilizadas e merecedoras de tutela, pelo contrário, favorece aqueles que já são favorecidos por posição socioeconômica diferenciada.
O ministro lembrou, também, o fenômeno do bacharelismo no Brasil, em que a posse de título acadêmico legitimaria o exercício da autoridade. No entendimento dele, ainda persiste, na sociedade brasileira, o ranço da “sociedade bacharelesca”.
“A extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei”, escreveu o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, na decisão.
Por fim, o relator concluiu estar ausente qualquer justificativa que valide a prerrogativa impugnada. Dessa forma, votou no sentido de invalidar o benefício.
As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o entendimento.
EIS O FATO PARA ENTENDER
O questionamento sobre a validade do dispositivo chegou ao Supremo em 2015, em ação do MPF (Ministério Público Federal), assinada pelo então procurador-geral Rodrigo Janot. O CPP (Código de Processo Penal) dispõe que:
“Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:
VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;”
A PGR (Procuradoria Geral da República) entende que a distinção não tem amparo constitucional e que o critério de distinção contradiz a “igualdade material de tratamento”, que deve orientar as ações do Estado perante os cidadãos.
CREDENCIALISMO E CULTURA BACHARELESCA
“O perspicaz Lima Barreto retratou formidavelmente a sanha por títulos acadêmicos no País. Tal como na satírica Os Bruzundangas, no País da ‘piada pronta’ ter título vale mais que ser cidadão. É a garantia de não ser confundido com reles mortal”, escreveu no portal Ensaio e Notas Leonardo Marcondes Alves.
Isso explica, segundo Alves, “a mentira descarada no CV [Currículo Vitae]. Não é preciso ser honesto, nem parecer. Basta atualizar o Lattes [currículo específico para a área acadêmica] com o título nobiliárquico que convier e galgar a um cargo comissionado ou de ministro.”
Ele segue: “Há ainda uma barreira para manter os excluídos no andar de baixo. A burocracia educacional, a didática escolástica e a desvalorização do aprendizado independente afastam das universidades gente capacitada, criativa e que muito contribuiria ao País. No lugar disso, temos universidades públicas que funcionam como prova de resistência: recebem o diploma quem sobrevive ao ônus de se manter por longos anos letivos.”
“O mérito do diploma”, satiriza o pesquisador, “deve-se mais ao esquentar bancos em sala de aula que ao estímulo à curiosidade. Temos também fábricas de diplomas privadas custeadas com dinheiro público e suor de exatamente a quem menos tenha condição de pagar. Em comum, formam portadores de diplomas, mas com poucas habilidades ou já obsoletos.”
“O que importa é o diploma”, fuzila Marcondes Alves.
Leonardo Alves é pesquisador (Research Fellow) sobre migração e religião na VID Specialized University, em Stavanger, Noruega. Possui formação multidisciplinar em antropologia, humanidades (artes liberais), gestão pública e direito.
M. V.