O Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos a 1, suspendeu, na tarde de quarta-feira, a transferência de Lula da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para o presídio de Tremembé, em São Paulo.
Somente o ministro Marco Aurélio de Mello votou contra a posição que prevaleceu.
A decisão do STF evitou um absurdo jurídico e político.
Os leitores sabem a nossa avaliação, baseada em um exame exaustivo das provas, sobre o caso em que Lula foi condenado (v., p. ex., HP 16/01/2018, Há mais provas de que Lula roubou do que peixes no mar).
Porém, reconhecer a culpa de Lula é algo completamente diferente de admitir que se faça qualquer coisa contra ele, além daquilo que a lei determina – condenado e preso, ele tem o direito de ser tratado com respeito e humanidade, inclusive considerando que foi, por duas vezes, presidente da República.
Não é a primeira vez que, apesar da culpa específica de Lula, defendemos o seu direito enquanto preso – por sinal, quanto a uma decisão da mesma juíza (v. HP 30/01/2019, Negar a Lula direito de ir ao funeral do irmão é contra a lei e o senso de justiça).
Na quarta-feira, também a procuradora geral da República, Raquel Dodge, que tem posição semelhante à nossa sobre o caso de Lula, defendeu, na sessão do STF, que a decisão de transferir Lula fosse suspensa.
Não há nada mais oposto à justiça do que a falta de limite na aplicação da punição que merecem aqueles que transgrediram a lei.
Além disso – esse é o lado político da questão – se alguém queria oferecer um palco para que Lula se apresentasse como vítima, não podia fazer nada melhor, ainda que nada mais idiota, que essa transferência. A razão é simples: nesse caso ele estaria, realmente, sofrendo uma injustiça. A decisão de transferi-lo concedia ao discurso de Lula uma injustiça real.
Não se trata de que as razões que fizeram a Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná pedir a transferência não existam. Mas não podem ser resolvidas desse jeito.
Diz a PF, em seu pedido, resumido pela juíza Carolina Lebbos:
“… desde o encarceramento [de Lula], ocorrido em 07/04/2018, diversas pessoas passaram a se aglomerar no entorno da Sede da Polícia Federal;
“… a presença de grupos antagônicos passou a demandar atuação permanente dos órgãos de segurança de forma a evitar confrontos, garantir a segurança dos cidadãos e das instalações;
“… toda a região teve sua rotina alterada;
“… as dependências de custódia de presos da unidade policial são muito limitadas e não se destinam à execução de penas ou mesmo à permanência regular de presos;
“… a estrutura da carceragem da Polícia Federal é destinada apenas ao acolhimento de presos provisórios ou em decorrência de medidas cautelares;
“… o caso ainda demandou a adaptação de parte da estrutura para adequar o espaço ocupado pelo preso, tendo em vista os parâmetros estabelecidos pelo Juízo da condenação;
“… o espaço utilizado não é adequado para longa permanência de pessoas alojadas;
“… há comprometimento de parte relevante do efetivo da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba/PR, movimentado para a composição de escalas de reforço na segurança da sede e de seu entorno;
“… há necessidade de mobilização de efetivo de outras unidades para reforço da segurança e manutenção de serviços da unidade policial, gerando prejuízos nas unidades de origem e sobrecarga de gastos da unidade gestora;
“… há transtorno às funções do órgão e a moradores e estabelecimentos da região;
“… há possibilidade de episódios de violência;
“… reiterados pedidos de visitas e inspeções mobilizam a estrutura da administração regional para o atendimento a pedidos de reuniões;
“… representantes da agremiação política do ex-Presidente pretendem ali permanecer durante o período de custódia em vigília.”
Podemos imaginar que, do ponto de vista da PF, a situação não é fácil, ou, pelo menos, é mais difícil do que se Lula não estivesse lá.
Mas essa é a situação, determinada pela Justiça.
O então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça, na decisão em que mandou prender Lula, escreveu:
“… em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintendência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-Presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física” (cf. Sérgio Moro, AP nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, Despacho/Decisão, 05/04/2018).
Essa foi, exatamente, a argumentação da defesa de Lula contra a intenção de transferi-lo, invocando a Lei nº 7.474/1986 para fundamentar que “em razão de sua condição de ex-Presidente da República e ex-Chefe das Forças Armadas o executado tem direito a sala de Estado Maior ou sala especial”.
A juíza Carolina Lebbos, em sua decisão pela transferência de Lula, diz que essa lei “não faz qualquer menção ao cumprimento da pena por ex-Presidentes em Sala de Estado Maior”.
A lei trata da proteção a ex-presidentes:
“Art. 1º O Presidente da República, terminado o seu mandato, tem direito a utilizar os serviços de 4 (quatro) servidores, destinados a sua segurança pessoal, bem como a 2 (dois) veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações orçamentárias próprias da Presidência da República.
“Art. 2º O Ministério da Justiça responsabilizar-se-á pela segurança dos candidatos à Presidência da República, a partir da homologação em convenção partidária.”
Porém, até Moro achava razoável a interpretação dessa lei no sentido de que Lula deveria cumprir pena em uma “espécie de Sala de Estado Maior”.
Não existe como deixar de notar que enviar Lula para um presídio em Tremembé fere essa lei.
Parece óbvio que, se os advogados condenados pela Justiça, antes que seus processos transitem em julgado (exatamente o caso de Lula), cumprem sua pena em uma “sala de estado maior” (Lei nº 8.906/1994, artigo 7º, inciso V), por que não alguém que foi presidente da República?
Aliás, o STF, na quarta-feira, confirmou essa interpretação.
A SESSÃO
Porém, o pedido da PF não falara em enviar Lula para um presídio no Vale do Paraíba, na fronteira entre os Estados do Rio e São Paulo. Apenas, pedia sua remoção da sede da PF em Curitiba, pelas razões transcritas acima.
A decisão que transferia Lula para o presídio de Tremembé foi, primeiro, a da juíza Lebbos, ao contestar o direito de Lula de cumprir pena naquilo que Moro chamou de “espécie de Sala de Estado Maior” (disse a juíza: “as disposições legais invocadas contemplam hipóteses de prisão especial – e não necessariamente de recolhimento em Sala de Estado Maior. A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo”, etc.).
Segundo, a decisão foi do juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, coordenador e corregedor dos presídios de São Paulo.
A defesa do ex-presidente Lula enviou o pedido de habeas corpus, na quarta-feira, ao ministro Gilmar Mendes.
Eram três pedidos no mesmo habeas corpus:
1) que fosse concedida a imediata soltura de Lula;
2) que fosse suspensa a decisão da juíza Carolina Lebbos, permitindo a transferência de Lula para São Paulo;
3) que fosse garantida a Lula a permanência em “Sala de Estado Maior” na superintendência da PF.
O ministro Gilmar Mendes, no entanto, não é o relator do caso de Lula, mas o ministro Edson Fachin.
Mendes, então, enviou o pedido de habeas corpus para o presidente do STF, Dias Toffoli, que o encaminhou, na própria sessão do pleno do STF, a Fachin.
Fachin, então, pronunciou o seu voto, recusando soltar Lula, mas concordando em que ele ficasse em Curitiba, em uma “sala de estado maior” na superintendência da PF.
O ministro Fachin baseou o seu voto no “poder geral de cautela”, ou seja, no direito de um juiz para tomar uma decisão que previna uma possível injustiça de difícil reparação.
Todos os outros ministros do STF, com uma exceção, concordaram.
Somente o ministro Marco Aurélio de Mello manifestou-se contra: a seu ver, o STF não poderia apreciar um pedido de habeas corpus contra a decisão de uma juíza de primeira instância. O pedido teria que ser “ao órgão revisor do juízo de Curitiba, da Vara das Execuções Penais”.
C.L.