O Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira (03/05), decidiu que o foro privilegiado de senadores e deputados somente vale para crimes cometidos durante o mandato e somente para crimes relacionados com o mandato.
Assim, crimes anteriores ao mandato – ou, ainda que cometidos durante o mandato, mas não relacionados com ele – serão, a partir de agora, julgados pela primeira instância da Justiça, tal como acontece com qualquer cidadão.
Das atuais ações que atravancam a pauta do STF, apenas cerca de 10% (provavelmente menos, segundo avaliação apresentada na quarta-feira por alguns assessores jurídicos) deverá permanecer no Supremo. O que, também, terá o efeito de acelerar o julgamento dos demais crimes, que restarem sob a jurisdição do STF.
Sete ministros votaram a favor da posição vencedora, apresentada pelo relator, Luís Roberto Barroso (além deste, estiveram com a tese assumida pelo STF os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello).
Dois ministros (Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski) votaram a favor de que o foro privilegiado valesse para todos os processos sobre crimes cometidos por deputados e senadores durante o mandato, mesmo que esses crimes não tivessem relação com o exercício do mandato, mas não para aqueles anteriores ao mandato.
Outros dois ministros (Dias Toffoli e Gilmar Mendes), depois de argumentar contra a alteração no regime de foro privilegiado, votaram a favor da extensão das restrições ao foro privilegiado a todas as autoridades que o detêm – inclusive ao presidente da República.
Considerando a proximidade de Mendes com Temer, o mínimo que se pode dizer é que essa não foi uma posição séria. Sobretudo quando a fundamentação é que qualquer restrição ao foro privilegiado irá piorar a Justiça criminal do país (“Eu aposto que vai piorar”, disse Mendes, introduzindo no Direito um novo princípio: o da aposta; talvez possa ser denominado “princípio da jogatina”).
O julgamento do foro privilegiado – suscitado pelo caso de um ex-prefeito de Cabo Frio, processado por crime eleitoral, mas eleito, em seguida, deputado federal – começara em maio do ano passado, com o voto do ministro Barroso.
Em novembro, com a questão já decidida por sete votos a um, o ministro Dias Toffoli, após um encontro com Temer, pediu vistas do processo (v. HP 28/11/2017, Toffoli paralisa votação no STF e dá sobrevida a privilégio de foro).
Toffoli ficou quatro meses com o processo, impedindo a conclusão de um julgamento que já estava definido por ampla maioria, com o pretexto – que nada tem de jurídico – de que o Congresso iria votar a restrição do foro privilegiado.
Somente no último dia 27 de março – após os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio de Mello declararem que iriam considerar concluída a votação e começar a remeter processos de deputados para a primeira instância – foi que o ministro Dias Toffoli devolveu o processo (v. HP 10/04/2018, Agora, é acabar com foro privilegiado para pegar demais ladrões).
No entanto, os quatro meses não serviram para Toffoli estudar o processo. Tanto assim que, depois de um quilométrico voto na quarta-feira, ele alterou seu voto na quinta-feira, ajustando-o ao voto que Gilmar Mendes leu em seguida, durante duas horas.
As sessões de quarta e quinta-feira foram das mais maçantes já ocorridas no STF, porque três ministros já com posição vencida (Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes), discorreram durante horas e horas sobre o sexo dos anjos e outros importantes assuntos jurídicos, sem a menor consideração pela paciência (para usar uma palavra educada) alheia.
A questão, no entanto, era simples e foi bem resumida pelo relator:
“… o prazo médio para recebimento de uma denúncia pela Corte [STF] é de 581 dias. Um juiz de 1º grau a recebe em menos de uma semana. (…) calcula-se que a média de tempo transcorrido desde a autuação de ações penais no STF até o seu trânsito em julgado seja de 1.377 dias. No limite, processos chegam a tramitar por mais de 10 anos. (…) mesmo após longa tramitação, o resultado mais comum em ações penais e inquéritos perante o STF é a frustração. (…) em 2 de cada 3 ações penais o mérito da acusação sequer chega a ser avaliado pelo Supremo, em razão do declínio de competência (63,6% das decisões) ou da prescrição (4,7% das decisões). Também no caso dos inquéritos, quase 40% das decisões do STF são de declínio de competência ou de prescrição” (cf. STF, rel. L.R. Barroso, Ação Penal 937, p. 8, grifo nosso).
A decisão do STF foi um avanço. Quanto ao projeto, já aprovado pelo Senado, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, que limita o foro privilegiado a detentores de quatro cargos (presidente da República, presidente do Senado, presidente da Câmara e presidente do STF), depois de um ano, continua sem entrar nem mesmo na fila de espera da pauta da Câmara.
C.L.