Usa a Presidência em causa própria
Quadrilha do Planalto faz ameaças falsificadas contra a Justiça e a PGR
Em certos momentos, a própria definição dos campos – ou tendências políticas – é suficiente para expor o conteúdo político (e até moral) dessas tendências.
Quando se juntam o honrado Temer e o honesto Lula, o sutil Marun e os desinteressados satélites do lulismo, assim como toda a ganga integérrima dos meios políticos, contra o STF – especialmente contra os ministros Barroso e Fachin – e a Procuradoria Geral da República, é fácil saber o que está em jogo.
De maneira muito peculiar, toda essa malta não é capaz de intimidar, seja os ministros do STF, seja a Procuradoria, seja lá o que for. Apenas conseguem encenar uma palhaçada, de que são casos extremos o sr. Marun e o sr. Lula. Uma ineficiência que é função do sentimento predominante entre a população, de extremo repúdio à sua podridão – sentimento que vai em crescendo.
Assim é o caso do indulto que Temer quer conceder aos condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. O baderneiro Marun – cujo grande momento na vida foi como capo da tropa de choque de Eduardo Cunha – falou até mesmo em “impeachment” de Barroso. Um manjado blogueiro lulista berrou que “ao reescrever indulto presidencial, Barroso violou a Constituição”, o que é exatamente a mesma coisa do que falou Marun. Um ministro do Supremo que “viola a Constituição” não mereceria outra coisa, senão o “impeachment”.
Em síntese: o ministro Barroso e o STF só podem proferir as sentenças que eles querem. Se não, a Constituição foi “violada” e é preciso o “impeachment” do ministro que sair da linha de proteção aos ladrões.
Na opinião desses próceres da pátria, Temer, ao usar um indulto de Natal para conceder impunidade a corruptos, aos que roubam a coletividade, não violou a Constituição.
Quem violou a Constituição, para essa turma, foi Barroso – e exatamente porque apontou a inconstitucionalidade (e imoralidade) do indulto aos ladrões do dinheiro do povo.
Portanto, para eles, a Constituição – e o STF – serve para proteger ladrões.
É inevitável lembrar nosso maior jurista, o grande Rui Barbosa, no Senado, em 1914:
“A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
“Essa foi a obra da República nos últimos anos” (Rui, “Requerimento de informações sobre o caso do Satélite – II”, O.C., vol. XLI, t. 3, p. 86, Senado, sessão de 17/12/1914).
DESTINATÁRIOS
Porém, há uma diferença decisiva entre a situação da época de Rui e a atual, a que já nos referimos: a indignação popular, muitas vezes expressa por procuradores, juízes – e, claro, por policiais competentes.
Repetidas vezes, os oligarcas da corrupção tentaram passar que a indignação popular é um produto artificial da ação de policiais, procuradores e juízes. Seria mera histeria sem motivo, apenas provocada por uma minoria a serviço de forças tenebrosas.
Pois é justamente o contrário: a ação de policiais, do Ministério Público e da Justiça, no combate à corrupção, é uma consequência da indignação popular – que se expressa, até aqui, principalmente através da ação dessas instituições.
É algo tão forte, tão profundo, que resiste até mesmo à conjunção de uma Presidência corrompida com uma suposta oposição, também corrompida, a essa Presidência. O contubérnio entre corruptos e neoliberais do PT, PMDB e PSDB é impotente para frear a continuação dessa limpeza das estrebarias de Áugias. Essas são, realmente, as “forças tenebrosas” – que têm, aliás, cada vez menos força.
O exemplo mais evidente, neste momento, do que acabamos de escrever, é, justamente, a suspensão do indulto de Temer aos corruptos.
O decreto de indulto – barrado por decisões da presidente do STF, Cármen Lúcia, e do ministro Luís Roberto Barroso – é absolutamente depravado. Até as penas de multa e de devolução do roubado são “perdoadas”. Quanto às de prisão, basta o corrupto ter cumprido 1/5 da pena – seja de prisão ou de mera detenção domiciliar – para estar “perdoado” e poder usufruir do que amealhou com seus crimes.
Resumindo a história: seis meses antes do Natal de 2017, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), como faz todos os anos, enviou à Presidência da República a minuta do decreto de indulto de Natal. Nela, explicitamente, era vedada “a concessão de indulto e de comutação de penas para os crimes de peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, associação criminosa”.
Além disso, era vedado “o indulto da pena de multa, já que as sanções pecuniárias costumam ser componente essencial da condenação nesse tipo de delito [corrupção]”.
Como disse o ministro Barroso: “o perdão de multas e condenações pecuniárias não beneficia a grande massa carcerária de condenados por tráfico ou pequenos delitos. Tem, pelo contrário, destinatários certos: pessoas que se locupletaram do dinheiro público, que representam percentual mínimo dos presos brasileiros e que possuem perfeitas condições de saldar sua dívida (também financeira) com a sociedade” (cf. L.R. Barroso, STF, Decisão ADI 5.874 MC, 12/03/2018, p. 40, grifo nosso).
Porém, foi exatamente aquilo que a proposta de decreto vedava, que foi acrescentado, no texto final, por Temer & corriola.
O decreto era tão desavergonhado que indultava até os corruptos que ainda estão em processo, sem condenação definitiva, sem que a execução de sua pena tenha sequer começado. Pela primeira vez na história do país, um indulto de Natal soltava quem estava solto, quem nem ao menos tinha cumprido uma parte da pena. Era a impunidade preventiva.
É essa gracinha – esse desrespeito ao povo – que o PT está, agora, defendendo.
A Procuradoria Geral da República entrou, então, no STF, contra o decreto de Temer – isto é, contra a inclusão dos corruptos, dos ladrões de dinheiro público, no indulto.
Com a Procuradoria Geral da República, entraram, também, contra o indulto aos corruptos, a Defensoria Pública da União e as Defensorias Públicas do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo e Tocantins; a Associação dos Advogados do Rio de Janeiro; a Associação dos Magistrados Brasileiros; o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; o Instituto de Garantias Penais; e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Como era tempo de férias judiciárias, a questão foi enviada para a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, que suspendeu o decreto, apontando o “desvio de finalidade”: Temer havia se aproveitado de um indulto de Natal para beneficiar a sua própria categoria, os corruptos.
Disse a ministra Cármen Lúcia, em sua decisão: “indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade. Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito” (cf. Cármen Lúcia, ADI 5874 MC, 28/12/2017, p. 7).
A decisão de Cármen Lúcia foi confirmada, no último dia 12, pelo relator designado para a ação contra o indulto de Temer, Luís Roberto Barroso. O ministro nota que nem mesmo é definido, no decreto, a que tamanho da pena se aplica o benefício:
“[a medida] abre margem para que, na prática, pessoas condenadas a penas graves – como 30 anos por lavagem de dinheiro e peculato – tenham 80% da punição perdoada de forma automática pelo decreto presidencial. Trata-se de um nível de leniência absolutamente incompatível com os deveres de proteção que são exigidos em um Estado Democrático de Direito” (Barroso, Decisão cit., p. 43).
Barroso demonstra que o decreto fere quatro vezes a Constituição, e frisa: “a inclusão dos referidos crimes no perdão presidencial é desprovida de legitimidade democrática. A medida não tem legitimidade corrente, dada a evidente ausência de correspondência entre o ato presidencial e a vontade da sociedade” (idem, p. 37).
IDENTIFICAÇÃO
Os comentários aparecidos na mídia sobre o isolamento de Temer parecem procedentes. Não se trata, evidentemente, de sua impopularidade – isto é, dos 97% ou 98% da população que querem vê-lo pelas costas ou na cadeia. Esses comentaristas não estão, em geral, preocupados com isso.
Trata-se dos meios políticos. O sujeito está tão isolado que seu único defensor é Lula. E não pense o leitor que estamos exagerando. Na recente e gigantesca entrevista, que Lula pretende que seja sua defesa, diz ele que Temer é um injustiçado, porque não houve nada de mais no encontro furtivo com Joesley Batista, da JBS, acontecido na densa noite do Jaburu.
Tudo o que nós ouvimos na TV, nas rádios – ou lemos nas transcrições da perícia realizada pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal -, de acordo com Lula, não aconteceu. O povo, portanto, segundo a crença de Lula, é composto por alucinados ou por idiotas.
Diz ele:
“Sejamos francos: o que tentaram fazer com Temer… A sordidez da mentira inventada… foi uma coisa sórdida. E ali sou obrigado a reconhecer historicamente que o Temer soube se impor” (ver matéria nesta página).
Aqui temos, abertamente, o ponto de identificação entre Lula e Temer. Simplesmente, a corrupção. Lula não vê nada de mais no encontro com Joesley, em que uma propina é mencionada – e a entrega de outra é combinada.
Afinal, o próprio Lula era, como Temer, um receptador das propinas do dono da JBS.
Por isso é que ele acha Temer um personagem “histórico” – e não um caso de polícia – e protesta contra uma suposta “mentira inventada” (Lula deve ser a favor das mentiras “não inventadas”).
Rigorosamente, ele vê Temer como a sua própria imagem em algum espelho do inconsciente.
E, nisso, ele – ou seu inconsciente – tem um bocado de razão.
CARLOS LOPES