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“Estão tentando cancelar o país atacando qualquer pessoa e qualquer coisa remotamente associada a ele”. De gatos russos à vodka, passando por maestros, atletas paralímpicos, divas da ópera, RT, seleção de futebol e até o grande Dostoievsky
Diante da frenética campanha de abafamento de qualquer coisa que seja russa, em curso nos países ocidentais, a apresentadora de um programa na RT em francês, Rachel Marsden, relembrou quando, nos tempos de W. Bush, quando a França se opôs à invasão do Iraque, o repúdio açulado contra os franceses chegou ao ponto de, no Congresso dos EUA, as ‘french fries’ [batatas fritas] chegaram a ser renomeadas para “free fries” [fritas da liberdade] e de ser lançado um boicote a produtos franceses.
Mas – como ela aponta – “tais medidas são quase pitorescas e sensatas em comparação com a loucura histérica que está acontecendo hoje, enquanto a Rússia e os países membros da Otan se enfrentam pela Ucrânia”.
O individualismo, a frivolidade e o narcisismo acarretaram o fenômeno do “cancelamento”, em que ‘justiceiros’ nas redes sociais se unem, ‘estilo garota malvada’, contra alguém de quem eles acham ter cometido alguma transgressão contra o status quo.
Mas – argumenta – em meio ao conflito na Ucrânia, “alguns estão realmente tentando cancelar o maior país do mundo atacando qualquer pessoa e qualquer coisa remotamente associada a ele”.
Uma histeria verdadeiramente impressionante: “funcionários do governo norte-americano têm exigido a retirada da vodka russa das prateleiras das lojas. Mas acontece que quase nada importado para o continente é realmente fabricado na Rússia. As marcas – Smirnoff ou Stolichnaya, por exemplo – apenas soam russas”.
“A estação de esqui Magic Mountain, em Vermont, tuitou um vídeo mostrando um barman despejando garrafas de Stoli – já compradas e pagas, presumivelmente – no ralo, aparentemente sem saber que a marca é na verdade letã, com operações na Ucrânia”, registra Marsden.
Nem o genial escritor russo Fiodor Dostoievski escapou de ser cancelado pela Universidade de Milano-Bicocca, na Itália, que suspendeu um curso sobre ele, decisão da qual recuou diante do escândalo causado. Como Dostoievski faleceu em 1881, “são bastante baixas as chances de que ele tenha algum envolvimento no atual conflito na Ucrânia”, ironiza Marsden.
A ordem é cancelar até os animais de estimação, se forem russos. “A Federação Felina Internacional baniu os bichos-papões russos das competições, enquanto o maior evento anual do mundo em exposição de cães, o Crufts, está proibindo a participação de cães russos”. O que vem a seguir?, questiona Mardsen. “Uma proibição de migração de pássaros russos?”
FIFA e UEFA suspenderam a seleção russa até mesmo das eliminatórias da Copa do Mundo de 2022. O cancelamento vale até para os jogos virtuais. A Electronic Arts, que produz os games da FIFA, também cassou a seleção russa e todos os times russos. O mesmo no videogame ‘NHL22’, de hóquei: sem russos.
Cancelamento também dos jogadores de hóquei russos da vida real. A estrela da Liga Nacional de Hóquei e capitão do time Washington Capitals, Alexander Ovechkin, foi retirado de campanhas publicitárias pelo patrocinador, MassMutual. A empresa canadense de roupas CCM também parou de comercializar o recordista da liga, junto com seus companheiros de equipe Dmitry Orlov e Evgeni Malkin, do Pittsburgh Penguins.
Mais vítimas inocentes: o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu banir atletas e dirigentes russos e bielorrussos das federações esportivas internacionais, responsabilizando-os por circunstâncias políticas nas quais não participaram. É uma “posição estranha” para uma organização cujo presidente, Thomas Bach, disse sobre “o boicote diplomático dos EUA e do Ocidente aos jogos de Pequim que o COI permaneceria apolítico”.
No ano passado – registra a apresentadora -, Bach disse que “ao não comentar questões políticas, você não está tomando partido… Essa é a missão do COI, caso contrário não conseguiríamos cumprir a missão dos jogos de unir o mundo”. “Aparentemente, essas palavras de princípio, apenas alguns meses depois, não valem o vento em que foram escritas”.
Cancelamento também da liberdade de imprensa. O regime de Bruxelas, na total ausência do devido processo, “emitiu uma proibição geral do jornalismo hospedado em qualquer meio de comunicação estatal russo”.
Seus cidadãos ficam proibidos de ter acesso a informação ou análise que “corra o risco de contradizer a narrativa oficial da UE e dos estados membros, altamente controlada e orientada, relacionada a esse conflito, conforme retransmitida pela imprensa ocidental fortemente subsidiada e consolidada pelo Estado”, destaca Marsden.
Como destaca a apresentadora, nenhum jornalista – mesmo aqueles de origem e residência ocidentais – está livre de ter um alvo pintado nas costas como resultado de seu trabalho aparecer em uma plataforma de mídia russa.
“Quando tudo está dito e feito, a cultura de cancelamento ocidental que se tornou nuclear na Rússia – assim como outras sanções adotadas em meio à histeria – tem um raio de explosão capaz de causar tantos danos colaterais que pode acabar prejudicando os responsáveis muito mais do que eles percebem agora”.
“Claro, alguns podem discordar. Assim como provavelmente ainda haja pessoas que pensam, retrospectivamente a duas décadas, que as ‘free fries’ adotadas no calor do momento foram uma boa jogada em apoio à justa e sábia guerra no Iraque”, ela conclui.