“Meu governo foi um governo revolucionário, de renovação social, de reerguimento econômico, de fomento da produção, de proteção ao trabalho e à indústria nacional”
No conjunto de documentos inéditos, disponibilizados recentemente pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), sobre o período posterior a golpe de 1945, que derrubou Getúlio Vargas, o estadista revela uma consciência profunda e avançada sobre as limitações do regime que substitui o seu governo após o golpe estimulado pelos EUA.
VELHA DEMOCRACIA LIBERAL
“Não sou contrário à democracia. Julgo apenas que essa democracia que aí está é profundamente reacionária e anárquica. Está fora de seu tempo. É a velha democracia liberal que em matéria de economia política ainda [reza] pela cartilha de Adam Smith. Para eles, democracia é a liberdade individual para os poderosos do dia fazerem o que entendem, oprimindo aos pobres e humildes [ou], pelo menos, passarem indiferentes ante a penúria e o sofrimento alheios”, argumentou o presidente.
O caderno com as anotações inéditas de Getúlio Vargas foram entregues por Celina Vargas do Amaral Peixoto ao CPDOC em dezembro de 2022. Nele, o dirigente político mostra que a submissão do governo Dutra aos interesses da Casa Branca e a adesão ao clima fascista de guerra fria, que teve início logo após a morte de Franklin Delano Roosevelt, trouxe muitos problemas ao Brasil e a seu povo. A repressão do Estado, segundo ele, “passou a ser usada contra o povo para garantir os privilégios dos poderosos”.
MONOPÓLIOS DE IMPRENSA
Getúlio cita a imprensa monopolista como sendo partidária dos privilégios antinacionais. “Para eles [defensores da democracia de fachada] o Estado é um ‘Estado polícia’ que não deve intervir, senão para garantir os privilégios dos poderosos do dia. Entre esses os mais poderosos são os proprietários dos grandes jornais, opulentos gozadores da vida que impõem seu ponto de vista, [coagindo] a liberdade de pensamento de seus empregados. Esses potentados gozam de todos os privilégios, inclusive o de não pagar imposto de renda”.
O chefe da revolução brasileira não perdoou a ação deletéria dos monopólios de mídia que criavam ondas histéricas contra os trabalhadores e o desenvolvimento industrial do país e se aferravam aos interesses dos setores mais retrógrados e reacionários da sociedade.
“Esses são os que envenenam e adulteram a opinião dos [que] leem. Eles defendem esse falso conceito de democracia porque esse é o conceito das grandes empresas que lhes pagam os anúncios que os mantêm, afora que os enriquecem”, denunciou. O governo Harry S. Truman e a imprensa reacionária brasileira tiveram um papel destacado no golpe de 1945.
No momento em que escreveu os textos, o ex-presidente revelou que ainda não se propunha a voltar ao poder. “[…] Admitamos, porém, que eu enfrentasse todas essas dificuldades e as vencesse, que fosse eleito e empossado. Na posse do governo eu não poderia decepcionar o povo que me elegeu. Para combater os males reinantes teria de realizar grandes reformas de ordem social, política e econômica. Isso levantaria contra mim a [onda] dos interesses criados. E já estou velho para fazer outra revolução”, argumentou.
RETROCESSO APÓS O GOLPE
Sua análise é clara sobre as consequências nefastas para o país da interrupção das transformações revolucionárias introduzidas por ele na economia e na política a partir de 1930. Com o advento do governo de Eurico Gaspar Dutra, houve o congelamento de salários, o importacionismo desenfreado, com a queima estéril das reservas nacionais, e o retardo na criação das estatais estratégicas.
“Atravessamos agora um período de paralisação, se não de retrocesso. Uma onda de reacionarismo contra todas as forças credoras da nacionalidade”, apontou Getúlio.
“Antes de 1930 vivíamos numa democracia de fachada, inteiramente artificial, porque não existia a liberdade do voto”, destacou. “Tudo se combinava e realizava através de combinações ou de conchavos feitos pelos maiorais da política, [à] revelia do povo, sem garantia do povo. Hoje essa garantia está assegurada por leis promulgadas no meu governo – voto secreto, voto feminino, Justiça Eleitoral. […] Na verdadeira democracia o homem de governo fala diretamente com o povo. Nas democracias deformadas, como essa que temos no Brasil, os políticos falam uns com os outros e esquecem o povo”, denunciou.
O líder da Revolução de 1930 reconheceu, nos escritos feitos durante sua reclusão na fazenda nos arredores de São Borja, no Rio Grande do Sul, que os que mais se empenhavam pelo seu retorno ao governo eram os trabalhadores brasileiros e os segmentos mais empobrecidos da sociedade.
POBRES E HUMILDES
“Os que desejam minha candidatura são em geral e muito particularmente os pobres, os humildes, os esquecidos, os perseguidos, os injustiçados, os que gemem sob o peso insuportável de uma vida caríssima e impostos crescentes em benefício dos tubarões, dos organizadores de monopólios e dos altos dignatários desta democracia”, disse.
“Não a querem os que estão na lauta mesa do banquete, sugando as energias do Brasil e receiam que essa sopa vá acabar. […] Meu governo foi um governo revolucionário, de renovação social, de reerguimento econômico, de fomento da produção, de proteção ao trabalho e à indústria nacional”, disse.
Sua intenção de permanecer fora do poder só durou até 1950, quando ele aceitou disputar a eleição. Getúlio venceu a reação entreguista nas urnas e voltou ao Palácio do Catete carregado nos braços do povo.
Assista ao vídeo da campanha vitoriosa de 1950
Fonte: CPDOC