
Após mudar o entendimento anterior que havia absolvido os policiais envolvidos, a Justiça do Rio de Janeiro decidiu, por unanimidade, levar a júri popular os três agentes civis acusados de matar João Pedro Mattos Pinto, um menino de 14 anos baleado dentro de casa durante uma operação policial. A decisão foi tomada nesta terça-feira (24) pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que revogou a sentença de absolvição proferida pela 4ª Vara Criminal de São Gonçalo em 2023.
João Pedro foi morto em 18 de maio de 2020, com um tiro de fuzil nas costas, enquanto brincava na casa do tio no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. A operação, realizada pelas polícias Civil e Federal, deixou mais de 70 marcas de tiros na residência. A perícia apontou que o disparo partiu da arma de um dos policiais civis.
Os acusados — Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister — são lotados na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Apesar das evidências, eles haviam sido inocentados, mas o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Defensoria Pública (DPRJ) recorreram, argumentando que a absolvição ignorou “provas técnicas e testemunhais robustas” e desconsiderou laudos independentes.
As duas instituições também alertaram que a decisão anterior violava normas da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigem investigações imparciais quando o crime envolve agentes do Estado. Segundo a denúncia do MPRJ, os réus atiraram “em direção a uma residência com vidros espelhados, sem visibilidade de quem estava no interior”, assumindo o risco de matar alguém inocente.
A própria perícia da Polícia Civil não conseguiu provar que havia tiros sendo disparados de dentro da casa, afastando a hipótese de legítima defesa. O processo foi suspenso em maio após o desembargador Cezar Augusto Rodrigues Costa pedir vista, mas nesta terça-feira ele votou com o relator Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira e com a desembargadora Adriana Ramos de Mello, consolidando a decisão de revogar a absolvição e determinar o julgamento no Tribunal do Júri.
“É uma decisão de suma importância, ela fortalece a luta pelos direitos humanos, contra a violência policial e reforça a ideia da memória do caso João Pedro, que é de suma importância para todos nós”, afirmou o defensor público Pedro Carriello. Ele disse que essa reversão “é uma vitória” e reforçou que há “diversas provas técnicas, periciais e testemunhais de que não houve legítima defesa”.
A decisão foi recebida com emoção pela família de João Pedro, que aguardava há um ano a aceitação do recurso. “Tivemos que aguardar um ano para que esse pedido de recurso fosse aceito. Mesmo que a luta ainda continue, porque sabemos que o júri ainda leva um tempo para ser marcado, traz um alívio ao meu coração. Não vai trazer o João de volta, mas isso é um legado, porque ontem o João completaria 20 anos, e hoje é uma vitória”, disse Rafaela Mattos, mãe do garoto.
Organizações sociais e familiares do menino vinham realizando manifestações por justiça. A última foi em 20 de maio, em frente ao TJRJ, justamente na data em que João completaria 20 anos.
Além de pleitear o júri popular, a Defensoria Pública também solicitou aumento da indenização à família, apoio psicológico e criação de um memorial, mas esses pedidos foram negados. O novo julgamento ainda não tem data definida. Como prevê a Constituição, o Tribunal do Júri colocará o caso nas mãos de sete jurados escolhidos entre cidadãos comuns, para decidir se os policiais civis serão responsabilizados pela morte de João Pedro.