“Se a cúpula do clube pode homenagear sua preferência política, os torcedores devem ter a mesma prerrogativa”, afirma a jornalista Hildegard Angel
Torcedores do Flamengo estão sendo perseguidos e punidos por exibirem faixas contra os torturadores da ditadura em menção aos 59 anos do golpe no Brasil em 1964. A ação aconteceu no último dia 1º de abril, durante o primeiro jogo da final do Campeonato Carioca.
A faixa com os dizeres “Morte aos torturadores de 64” viralizou nas redes sociais nos dias seguintes. Em outro local do estádio foi estendida a faixa “Stuart vive” em homenagem ao atleta de remo do clube cruelmente assassinado por se opor à ditadura.
Primeiro os policiais levaram um torcedor afirmando que ele seria apenas retirado do estádio. Mas não foi o que aconteceu. A polícia levou o homem para o Jecrim do Maracanã.
Em seguida, outro torcedor que também estava na arquibancada, foi ao local e se apresentou como advogado do primeiro que estava sendo levado, mas também virou réu. “Eu ajudei a separar a confusão, pois tinham mulheres, crianças. Quando chegaram os policiais, o pessoal dispersou, guardaram a faixa e eu fiquei no mesmo lugar, pois não tinha feito nada de errado. O policial me disse que eu seria retirado do estádio, mas me levou ao Jecrim”, disse o torcedor que pediu para não ter seu nome revelado ao UOL.
Outro torcedor que estava no momento se apresentou como advogado, mas mesmo assim foi detido. “Eu me apresentei como advogado ao policial que informou que ele apenas seria retirado do estádio. Depois, recebi a mensagem dizendo que estava na delegacia prestando depoimento. Me apresentei novamente, e fui apontado como alguém que estaria esticando a faixa. Fui incluído no processo e fomos para audiência”, afirmou.
“ACORDO”
Por decisão do juiz Marcelo Nobre de Almeida, dois dos torcedores que se manifestaram no Maracanã foram detidos e encaminhados ao JECRIM (Juizado Especial Criminal), onde um acordo foi oferecido pelo Ministério Público.
No “acordo” estava previsto o banimento da presença em jogos do Flamengo (em território nacional) até 31 de dezembro de 2023; Nos dias de jogos do Flamengo (em qualquer lugar), os denunciados deveriam permanecer em suas residências, a contar de 30 minutos antes da partida até o final do segundo tempo; Usar tornozeleira eletrônica (até 31 de dezembro de 2023); e multa de 300 reais.
Os dois torcedores não aceitaram o ‘acordo’. Ao não aceitarem a proposta, que foi feita de forma unilateral pelo MP, os flamenguistas passaram a responder criminalmente, onde aguardaram possíveis condenações. O juiz então impôs aos torcedores o uso de tornozeleira eletrônica de monitoramento e afastamento das praças esportivas até o fim de 2023, como medida cautelar.
DO QUE É CAPAZ O ÓDIO PLANTADO NO PAÍS
A jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart Angel Jones, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), brutalmente assassinado pela ditadura em 1971, se manifestou em suas redes sociais.
“Sou obrigada a me manifestar, já que uma das faixas traz o nome de meu irmão, Stuart Angel, morto pela Ditadura militar após bárbaras sessões de tortura. Stuart era Bicampeão rubro-negro pelo Remo, esporte que deu origem ao Clube de Regatas do Flamengo”, iniciou a jornalista.
“Numa das vitórias, no torneio que celebrava o IV Centenário do RJ, Stuart, que sofria de hérnia de disco, e era voga do barco, desmaiou de dor à sua chegada, no Clube de Remo da Lagoa. Ele não era só amado pelos companheiros e o grande técnico, Buck, era amado e muito admirado”, relembrou a irmã de Stuart.
“Infelizmente, no período nefasto do último governo, o clube demoliu o Marco com uma placa em homenagem ao seu bicampeão, Stuart, inaugurado na Garagem do Remo do Flamengo com a presença de ministros de estado, nomes históricos do clube e os antigos remadores companheiros das vitórias”, destacou Hildegard.
“Do que é capaz o ódio plantado nos últimos anos no País! Impedir agora a livre manifestação de torcedores no estádio é se opor à liberdade de expressão até porque, se a cúpula do clube pode homenagear sua preferência política, os torcedores devem ter a mesma prerrogativa. Muito triste!”, finalizou a jornalista.