
“O Canal é panamenho e continuará sendo panamenho”, refuta o presidente José Raul Molina
O presidente Donald Trump instruiu o Pentágono a preparar planos para cumprir sua ameaça de “retomar” o Canal do Panamá por força militar, disseram à NBC News na quinta-feira (13) duas autoridades dos EUA familiarizadas com a situação.
A CNN, que teve acesso ao documento, um memorando provisório de orientação estratégica de “defesa”, confirmou que este ordena fornecer “opções militares confiáveis para garantir o acesso militar e comercial justo e irrestrito dos EUA ao Canal do Panamá”.
Os “planos” vão desde trabalhar mais de perto com os militares do Panamá até um cenário em que as tropas dos EUA invadem o país e tomam o Canal à força.
O esboço das estratégias já teria sido apresentado pelo comandante do SOUTHCOM, almirante Alvin Holsey, para serem revisadas pelo secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, que deve visitar o Panamá no próximo mês.
As probabilidades de uma invasão dos EUA – alegaram cinicamente as fontes – dependeriam “do nível de cooperação” demonstrado pelos militares panamenhos.
A informação de que Pentágono recebeu ordens para explorar “alternativas militares” para assegurar o acesso dos EUA à hidrovia também foi registrada pela Reuters.
A ameaça de “retomar o Canal” foi proferida por Trump em seu discurso de posse. Desde então, o presidente biliardário se recusou repetidamente a descartar o uso de força militar para assumir o controle da hidrovia, bem como da Groenlândia, um território autônomo da Dinamarca.
Trump também tem insistido em ocupar o vizinho Canadá e só se refere ao seu primeiro-ministro como “governador”.
Ele também declarou mudado o nome do Golfo do México – internacionalmente reconhecido – para “Golfo da América”.
No discurso anual ao Congresso, Trump proclamou que “para aumentar ainda mais nossa segurança nacional, meu governo recuperará o Canal do Panamá”.
“Retomada” que ele alega que serviria para aumentar a “segurança econômica” dos EUA, depois de mentir que a hidrovia é “operada pela China” e que os navios norte-americanos “pagam mais”.
No início deste mês, o megafundo norte-americano BlackRock anunciou que comprou de um conglomerado com sede em Hong Kong, portos em ambas as extremidades do Canal do Panamá por US $ 23 bilhões. Transação da qual Trump se gabou, como prova de que “já começamos” a recuperar a hidrovia.
Sob essas ameaças, o presidente panamenho José Raúl Molina afirmou que “o Canal do Panamá não está em processo de recuperação… O Canal é panamenho e continuará sendo panamenho!” Ele acrescentou que o Canal “não foi uma concessão de ninguém, foi o resultado de lutas geracionais que culminaram em 1999”.
Construído pelos norte-americanos, que patrocinaram a separação da Colômbia do que é agora o Panamá no início do século passado, a soberania sobre o Canal foi conquistada durante o governo de Omar Torrijos, que arrancou em 1977 do então presidente Jimmy Carter, depois de grandes manifestações, o acordo de devolução do Canal, afinal concretizado em 1999. O acordo assegura a neutralidade do Canal.
Em reação às notícias publicadas pela mídia dos EUA, o ministro das Relações Exteriores do Panamá, Javier Martínez-Acha, reafirmou a posição do país ao declarar que “o Panamá se mantém firme na defesa de seu território, de seu Canal e de sua soberania”.
“Que fique claro que o Canal pertence aos panamenhos. O Canal é operado por panamenhos. E, no caso de uma ameaça, o único que pode convocar outras nações para defender a operação do Canal é o nosso país, é o Presidente da República”, ele acrescentou.
O governo panamenho reiterou que, pelo Tratado de Neutralidade, “apenas o Panamá tem o direito de manter forças militares em seu território nacional, garantindo a neutralidade e a soberania do país sobre o Canal”.
Nesse contexto, a nota enfatizou que “não há planos nem houve nenhum contato formal ou informal para permitir a presença militar dos EUA” no país.
LONGA LUTA PELA SOBERANIA
Por quase um século, no Panamá existiu uma “zona” controlada diretamente por Washington e sob as leis norte-americanas e onde a única bandeira era a norte-americana, até que protestos começaram a contestar essa dominação. Os “zonistas” eram também considerados privilegiados.
No levante em 1964 contra o controle do país por Washington, dezenas de estudantes panamenhos foram mortos e centenas ficaram feridos, ao buscarem hastear a bandeira panamenha na zona exclusiva. Protestos que evoluíram até à Revolução Panamenha, sob Torrijos.
Em 1989, no que foi visto amplamente como uma tentativa de rasgar os acordos Carter-Torrijos de devolução do Canal, os EUA invadiram o Panamá durante o governo de Bush Pai, sob o pretexto de prender Noriega e combater o narcotráfico, bombardeando bairros e matando centenas de civis.
Após a ida do Secretário de Estado Marco Rubio ao Panamá, o governo Molina anunciou sua saída da iniciativa “Cinturão e Rota” da China, de que fazia parte desde 2017. Também aceitou uma auditoria sobre os portos do Canal, a revisão de um projeto ferroviário concebido com a China e o ingresso de imigrantes de países terceiros deportados pelos EUA.
SEM ANEXAÇÃO
Em paralelo, os partidos políticos da Groenlândia condenaram unanimemente nesta sexta-feira (14) o “comportamento inaceitável” de Trump, que na véspera reiterou o seu desejo de anexar a ilha ártica.
“Não podemos aceitar as repetidas declarações sobre a anexação e o controle da Groenlândia”, afirmaram, numa declaração conjunta, os líderes dos cinco partidos representados no parlamento local.
Questionado sobre o desejo de anexar a Groenlândia aos Estados Unidos, Trump respondeu, na presença em Washington do chefe da OTAN, Mark Rutte, que achava que “isso iria acontecer”.
A manifestação multipartidária foi organizada pelo primeiro-ministro cessante, Mute Egede. Apesar de os principais partidos groenlandeses serem favoráveis à independência do território a mais ou menos longo prazo, nenhum a anexação pelos EUA. Segundo as pesquisas, a população de 57.000 habitantes é também esmagadoramente a favor da independência, mas contra a absorção da Groenlândia pelos EUA.
No Canadá, o recém assumido novo primeiro-ministro, o liberal Mark Carney, afirmou que “nunca, jamais, de forma alguma, faremos parte dos Estados Unidos”, em resposta às repetidas provocações de Trump sobre tornar o Canadá o 51º estado dos EUA.
“A América não é o Canadá. (…) Somos fundamentalmente um país muito diferente”, explicou o novo chefe de Governo, acrescentando, contudo, que respeita os Estados Unidos e que procurará formas de trabalhar com Trump.
Carney disse que está pronto para se reunir com o líder dos Estados Unidos se este mostrar respeito pela soberania canadiana. Ele confirmou que espera ter uma conversa telefônica com Trump em breve.
“Somos o seu maior cliente em muitos setores. Os clientes esperam respeito e trabalho em conjunto de forma comercial adequada”, disse Carney.
O líder canadense, que está de viagem marcada para a Europa, acrescentou ainda que “devemos diversificar os nossos parceiros comerciais e reforçar a nossa segurança ao fazê-lo”.