
“O Brasil deu uma virada e Jair Bolsonaro é um bom amigo”, acrescentou o presidente dos EUA
O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou no jantar de sábado (07) oferecido a Jair Bolsonaro e sua comitiva, no luxuoso resort da família, em Mar-a-Lago, na Flórida, que o presidente brasileiro “está fazendo um trabalho fantástico”. Ele disse também que a relação entre os dois países “nunca esteve tão boa”. “O Brasil deu uma virada e Jair Bolsonaro é um bom amigo”, continuou. “É um cara muito especial, um bom amigo meu”, disse Trump.
Fã declarado de Trump, Bolsonaro, que está em sua quarta viagem aos EUA, também rasgou elogios ao presidente norte-americano e defendeu sua reeleição neste ano.
A satisfação do chefe da Casa Branca com Bolsonaro tem toda a razão de ser. O balanço da relação entre os dois países realmente, é fantástico…para os Estados Unidos.
Senão vejamos.
Pelos critérios do Departamento de Comércio americano, o Brasil foi o país do mundo que mais perdeu comércio para colaborar para a melhora da balança comercial dos EUA. Segundo o órgão, saímos de um déficit comercial de US$ 7,7 bilhões para US$ 11,3 bilhões em 2019 (veja gráfico abaixo).
Deixamos de refinar petróleo e passamos a importar os derivados deles. Até álcool combustível – de milho – eles estão vendendo para o Brasil. Salvamos a combalida Boeing, entregando à ela a parte mais rentável da nossa moderna e vitoriosa empresa de aviação, a Embraer. Reduzimos tarifas de importação de empresas americanas, inclusive de álcool, e assinamos o acordo da Base de Alcântara, que aceita as restrições dos EUA ao acesso do Brasil às tecnologias chinesas de foguetes.

Oferecemos às empresas americanas a exploração de riquezas minerais na Amazônia, colocamos à venda as subsidiárias da Petrobrás, os campos de petróleo do pré-sal, os gasodutos, e o que mais de lucrativo existir no setor público brasileiro.
O responsável pela queima de estoque de estatais, Salim Mattar, já anunciou que, por ele, vende tudo.
Passamos a nos alinhar automaticamente a todas as confusões americanas criadas no cenário internacional. Desde barrar navio iraniano que abastecia em portos brasileiros, passando por aventar a mudança da embaixada de Tel Aviv, até votar sozinho junto com americanos e israelenses contra o resto do mundo pelo bloqueio a Cuba.
Realmente, Trump tem razão. Bolsonaro está fazendo um trabalho fantástico.
Em troca de tantas amabilidades do presidente brasileiro, que disse no jantar que algumas coisas que fez no Brasil “foram inspiradas no presidente dos EUA”, tivemos a taxação do aço, tão escandalosa que não pôde ser mantida.
Tivemos o deslocamento dos fornecedores brasileiros de soja ao mercado chinês pelos fazendeiros americanos, tivemos sete voos fretados abarrotados de brasileiros algemados e expulsos dos Estados Unidos. Mesmo tendo o governo brasileiro abolido o visto de entrada de americanos no Brasil.
Ah! Mas também há vantagens, dizem os adeptos da nova postura subalterna do Brasil. Bolsonaro foi o primeiro presidente a ter a honra de visitar o Comando Militar do Sul. Há também um aceno para que o Brasil possa adquirir das empresas dos EUA as sucatas militares que estão sendo refugadas pelo mundo afora.
Haverá também um fundo público que será financiado com recursos dos dois governos para o desenvolvimento das pesquisas por empresas privadas americanas e brasileiras. O pacto RDT&E (sigla em inglês para pesquisa, desenvolvimento, testes e avaliação) prevê a atuação conjunta de empresas dos dois países para tecnologias de defesa.
Logo após o anúncio do “acordo” de defesa, Bolsonaro já se adiantou e assinou o decreto do “Global Entry”, para ampliar a dispensa de vistos para grandes empresários, e estão em pauta em comércio de Miami, troca de tecnologia, investimentos e infraestrutura. Ou seja, mais mercados para as empresas americanas.
Trump apoiou, também, a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), uma espécie de clube dos países ricos. Que legal. Agora somos ricos, comemoram os bolsonaristas.
Mas, quais são as vantagens práticas desta decisão, que ainda não foi tomada, mas tem o apoio de Trump? O Brasil, ao ser aceito na OCDE, não será mais tratado como país em desenvolvimento. Isto é, não terá mais direito a condições especiais nas relações comerciais com os Estados Unidos e com outros países desenvolvidos. Isto evidentemente trará mais vantagens à política de Trump e nenhuma para as empresas brasileiras.
Por isso, quando perguntado no jantar sobre novas tarifas contra produtos brasileiros, Trump respondeu: “eu não faço nenhuma promessa”, disse o norte-americano, com Bolsonaro calado a seu lado. Ou seja, quando há “vantagens”, elas são vantagens, não para o Brasil, nem para as empresas brasileiras, mas sim vantagens – grandes – para os interesses dos Estados Unidos.
É com esse tipo de objetivo mesquinho que Donald Trump anuncia para os deslumbrados Eduardo Bolsonaro, Ernesto Araújo, Fernando Azevedo e Silva e Augusto Heleno “que os Estados Unidos sempre vão ajudar o Brasil” e que Bolsonaro é “um bom amigo”.
E não param por aí as ofertas feitas por Bolsonaro.
O assunto que mais interessa aos Estados Unidos é o mercado de tecnologias de comunicação 5G. Segundo assessores há uma grande preocupação da Casa Branca com a possível entrada de empresas chinesas, como a Huawei, no mercado brasileiro do 5G.
Desde o ano passado, auxiliares de Trump têm aproveitado reuniões com autoridades brasileiras para levantar questões sobre a segurança dos equipamentos da Huawei, que estariam suscetíveis a ataques cibernéticos ou espionagem. Para os EUA, o Brasil deveria tratar o caso como um tema de segurança nacional…dos EUA.

Perdendo a corrida tecnológica para os chineses, os EUA não querem que o Brasil adquira equipamentos da China para a implantação desta tecnologia no país. O comércio do Brasil com a China, ao contrário do que ocorre com os EUA, é altamente vantajoso para o Brasil. O saldo comercial favorável ao Brasil no comércio com o país asiático chega a US$ 35 bilhões. Submeter essa relação altamente vantajosa aos interesses dos EUA e da guerra tecnológica e comercial deles com a China é no mínimo uma atitude criminosa. Mas, é essa a pressão dos americanos. Em troca, acenam com promessas futuras de entrada do Brasil no mercado de guerra americano e outras firulas.
Para completar, em nota, após o jantar, a Casa Branca informou que outros interesses americanos também foram tratados. A preparação de agressões a Venezuela e a intromissão na política interna da Bolívia. Segundo a nota, os dois presidentes discutiram temas como a aliança estratégica entre os países, os apoios a Guaidó na Venezuela, a novas eleições na Bolívia. Também se adiantando, o governo expulsou diplomatas venezuelanos uma semana antes da viagem.
Também foi tratado o apoio do Brasil ao acordo de paz no Oriente Médio, rejeitado por todo o mundo árabe, com quem o Brasil tem múltiplos interesses econômicos. Mas, Bolsonaro não perde a oportunidade de demonstrar sua subserviência aos EUA. “Estou muito feliz de estar aqui. É uma honra para mim e para o meu país. Eu tenho certeza que num futuro próximo é muito bom contar com um bom relacionamento de direita”, afirmou Bolsonaro.
SÉRGIO CRUZ